Plano de privatização da empresa de energia envolve uma dinheirama para fundar nova companhia responsável por Itaipu e a Eletronuclear

 

A cartilha do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem alguns pilares sólidos para a economia brasileira. A promessa é que, passada a fase mais crítica do impacto da Covid-19, o foco se volta a agenda inicial: reformas estruturais e privatizações. O plano de passar estatais para a iniciativa privada, entretanto, parece ter começado ao contrário. O cenário, agora, é tragicômico: para se desfazer de uma empresa, o governo planeja criar outra. No cerne das discussões pela privatização da Eletrobras, a secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marisete Pereira, solicitou ao Ministério da Economia um adendo de 4 bilhões de reais no orçamento da pasta no ano que vem para a criação de uma nova empresa. Essa nova estatal seria responsável pela administração da Usina de Itaipu e da Eletronuclear, braço da empresa responsável pela operação de energia nuclear do país, justificando que a criação da nova companhia seria “necessária para a efetivação do processo” de privatização, com a consonante apreciação do tema por parte do Congresso Nacional no âmbito das discussões do projeto de lei que prevê a concessão da Eletrobras.

“O PL estabelece que, em caso de privatização, uma empresa estatal ficará responsável pela participação acionária de Itaipu Binacional, pela atual controlada Eletrobras Termonuclear S.A – Eletronuclear, pelos bens da União sob administração da Eletrobras e pelos programas de governo”, escreve a diretora financeira e de relações com investidores da estatal, Elvira Cavalcanti Presta.“Ressaltamos que a nova empresa estatal somente deverá ser efetivamente criada para os fins previstos acima, em caso de aprovação do PL pelo Congresso Nacional”, conclui, em referência ao projeto de lei que prevê a desestatização da Eletrobras. Balela. No caso da Eletronuclear, de fato, a Constituição veda que a iniciativa privada seja responsável pela operação de energia nuclear no país. Por outro lado, a Usina de Itaipu é um ativo dividido entre o Brasil e o Paraguai, também tendo sua privatização vedada. Nada impede, porém, que as empresas tenham administrações independentes, sem estar no escopo de nenhuma companhia superiora.

“Considerando que as duas empresas têm estruturas próprias de governança, seus conselhos, políticas específicas, me parece algo desnecessário criar uma nova empresa para gerir as duas”, afirma Giuseppe Giamundo Neto, mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Não existe necessidade do ponto de vista jurídico ou de governança corporativa criar uma estrutura para gerir estas empresas. Gera dispêndios adicionais sem que haja essa necessidade ou implique em qualquer benefício”, analisa

Como mostrou VEJA, a privatização da empresa é um assunto de difícil trâmite no Congresso Nacional, graças a interesses históricos que envolvem a influência política na Eletrobras. A influência latente da bancada do Norte no Senado está sendo cortejada pelo governo para dar vazão aos planos de desestatização da empresa. As demandas envolvem a criação de um criar um encargo acoplado às contas de energia para garantir projetos na região por meio de um fundo, além da criação de uma golden share – um tipo de ação detida pelo poder público que dá à União o poder de tomada de ações, ainda que acionista minoritário. Os parlamentares da região mantêm os tentáculos sobre a companhia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem ouvindo as demandas dos deputados e senadores para que o Parlamento dê vazão à venda da empresa. A estatal demanda 14 bilhões de reais em investimentos anuais para que mantenha-se competitiva, e os dispêndios do governo giram em torno de míseros 3,5 bilhões de reais.

 

Notícia originalmente publicada por Victor Irajá, no site da VEJA, em 23/07/2020.