por Giamundo Neto Advogados | mar 15, 2024 | Artigo
Por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni
Embora sem muito detalhamento, a Lei Federal nº 13.140/2016, que trata da mediação enquanto método alternativo de solução de conflitos, previu no parágrafo único do seu artigo 33 a possibilidade de que a Advocacia Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, onde houver, instaurasse, de ofício ou mediante provocação, procedimento de mediação coletiva de conflitos relacionados à prestação de serviços públicos.
Colocada como uma novidade do ponto de vista normativo geral, a possibilidade de mediação coletiva de conflitos já podia ser visualizada em algumas esferas específicas — tal como no Direito Trabalhista e no âmbito de agências reguladoras —, tratando-se de um procedimento administrativo específico e direcionado aos conflitos individuais ou coletivos envolvendo principalmente os usuários (consumidores) desses serviços, sejam eles prestados de forma direta pelo Estado ou sob o regime de concessão.
Vantagens e obstáculos
Conforme o texto do Substitutivo Projeto de Lei nº 7.169 de 2014, que antecedeu a norma, as vantagens deste procedimento estariam na possibilidade de “1) solução dos problemas identificados de forma coletiva e célere; 2) participação dos consumidores de serviço público por meio das associações na construção da solução consensual, o que possibilita uma composição que atenda efetivamente os interesses da população, que é a destinatária do serviço público; 3) diminuição do número de demandas judiciais; etc.”. Trata-se, de fato, de instrumento com potencial capacidade de redução da demanda judicial, bastante onerada com ações que discutam esse tipo de atividade, notadamente quanto à sua qualidade.
Apesar da aptidão do instrumento para reduzir as reclamações relacionadas a serviços públicos — especialmente aqueles usados por uma ampla gama de consumidores, tais como o fornecimento de água, energia elétrica, telefonia móvel etc. — e possíveis vantagens daí advindas, ainda são poucas as experiências mais consistentes. Parte dessa dificuldade de operacionalização pode estar relacionada à própria ausência de uma disciplina mais completa, que poucas vezes é visto como um espaço para a inovação, mas encarado como entrave por parte da administração pública.
O receio pode ser compreendido pela própria discussão de legalidade pela qual muitos métodos de solução alternativa de conflitos passaram quando adaptados a discussões integradas por órgãos e entidades públicas. A recorrente alegação de que os conflitos com a administração pública envolvem a presença de direitos indisponíveis e, consequentemente, a impossibilidade de negociação, pode ser um desestímulo a que se pense em novas formas de se empregar mecanismos de composição.
Por outro lado, especificamente com relação aos serviços públicos, esse debate parece ficar em segundo plano. O atendimento a padrões de qualidade e a modicidade das tarifas praticadas são premissas legais há muito consolidadas em nosso sistema, de modo que a solução de conflitos geralmente atinente a esses aspectos está longe de ser um interesse disponível e ainda quando atinja grupos específicos de usuários não desborda do interesse público geral de oferta de serviços de qualidade, sejam eles delegados ou não à iniciativa privada.
As vantagens, em nossa visão, superam os riscos da inovação. Além da celeridade nas respostas e a economia de recursos imediatamente visualizados em se resolver qualquer conflito pela via administrativa (ou não jurisdicional), ainda é possível citar como possíveis vantagens desse tipo de composição a possibilidade de se pensar em soluções adaptadas ao caso concreto, uma melhora no relacionamento público-privado e aumento na confiança do cidadão, a ampliação da participação social, o fomento a uma cultura dialógica com o poder público, e, claro, a redução da sobrecarga do Judiciário.
Em termos de experiência do instituto, Luciane Moessa de Souza destaca que o instrumento vem sendo usado pela Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) desde 2010, destacando como assuntos debatidos com maior frequência a “apuração de fraudes no medidor de energia elétrica, furto de energia elétrica e ressarcimento de danos por interrupção de serviço de fornecimento de energia elétrica” [1]. Os dados coletados pela autora demonstram índice positivo de efetividade do mecanismo na solução de controvérsias, com um número bastante reduzido de casos em que as concessionárias optaram por recorrer ou judicializar o conflito.
Ainda no âmbito da regulação, Kátia Junqueira ressalta, principalmente, a experiência de agências federais [2]. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que possui, inclusive, órgão próprio para tratar do tema (a Superintendência de Mediação Administrava Setorial), realiza cerca de 30 mediações anuais, das quais 90% alcançam algum acordo. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também possui experiência destacada no tema, especialmente em temáticas concorrenciais. É, por fim, realçado o papel da Agência Nacional de Águas (Ana) em conflitos envolvendo o uso da água seja para fins de navegação ou abastecimento para fornecimento de energia elétrica.
Por outo lado, analisando casos apreciados pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), Silvia Di Salvo destaca que “a estatística revela que conflitos relacionados a políticas públicas e direitos sociais coletivos ainda são tratados marginalmente no que se refere à autocomposição, o que revela que a Administração Pública ainda não foi capaz de assimilar a mediação como instrumento transformador de sua relação com os administrados” [3]. O dado releva que a administração federal, conquanto muitas vezes mais estruturada em termos institucionais, ainda não reporta experiências de peso, o que certamente impacta as demais esferas federativas, dado seu caráter indutor de soluções jurídicas.
Ainda que não ligado a serviços públicos, mas enquanto experiência de mediação coletiva, importante destacar a regulação, pelo município de São Paulo, quanto à possibilidade de solução de conflitos envolvendo o uso e ocupação do solo, em complemento às disposições do Plano Diretor Estratégico Paulistano. De acordo com o Decreto nº 43.384/2003, munícipes reunidos em grupos ou associações podem propor à Subprefeitura a solução de conflitos relacionados ao espaço urbano, o qual será submetido e amplamente discutido em audiência pública, permitindo, inclusive, debates sobre a necessidade de alteração de legislação, a ser posteriormente submetida à Câmara dos Vereadores.
Tem-se, assim, que de forma ainda não pavimentada, a Lei Federal nº 13.140/2016 forneceu a abertura para o aprimoramento da mediação na administração pública também para matérias de conflitos coletivos relacionados à prestação de serviços públicos, cujas experiências, ainda pontuais, evidenciam um relevante espaço de inovação e experimentação de métodos alternativos de solução de conflitos envolvendo o poder público.
[1] SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012. p. 348.
[2] JUNQUEIRA, Kátia Valverde. Mediação – Instrumento eficaz para a eficiência regulatória. Revista EMERJ, V. 14, n. 56, p. 116-117, 2011.
[3] DI SALVO, Silvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom. Mediação na Administração Pública: O desenho institucional e procedimental. São Paulo: Almedina, 2018, p. 140.
Publicado no ConJur.com
por Giamundo Neto Advogados | mar 4, 2024 | Artigo
Por Roberta Cardoso dos Santos
A utilização da IA auxilia efetivamente na automatização de tarefas, como análise e fiscalização de contratos administrativos, sendo produtiva para a gestão de tempo dos servidores.
Inicialmente, é necessário compreender que a IA está, cada vez mais presente no âmbito dos processos dos Tribunais de Contas.
Diante disso, as tecnologias auxiliam efetivamente na automatização de tarefas, sendo produtiva para a gestão de tempo dos servidores. Tal proposição, pode ser afirmada a partir da pesquisa realizada pela Agência Brasil, na qual revela que o TCU, os órgãos da Administração Pública Federal promovem cerca de 60 mil de licitações a cada ano1. Logo, fica evidente que quanto maior as demandas, maior será o potencial de contribuição da IA.
Ademais, o TCU tem utilizado “robôs” como ferramenta para auxiliar os trabalhos desenvolvidos, ressaltando a importância do papel da inteligência artificial para incremento na eficácia das análises empreendidas, especialmente no que concerne à verificação, de forma ampla e tempestiva, de milhões de documentos, com vistas a detectar correlações e apontar alertas, alcançando uma otimização que não seria possível sem a utilização de sistemas computacionais.2
Nesse contexto, tem-se que o primeiro “robô” utilizado no âmbito do TCU foi o Análise de Licitações e Editais – Alice, ferramenta que proporciona avaliação preventiva e automatizada dos certames, desenvolvido no âmbito do Ministério da Transparência, Fiscalização e da Controladoria-Geral da União.3
Portanto, acerca dessa discussão, nota-se que o Poder Público necessita de um alto investimento em estratégia e mecanismos de tecnologia em busca de uma maior assertividade e controle de atos da Administração Pública.
O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Primordialmente, vale discorrer sobre a utilização da IA nos contratos administrativos.
Nesse sentido, no cenário dos contratos administrativos, a IA apresenta diversas potencialidades e pode servir como ferramenta disruptiva para melhorar a fiscalização e o controle, com a instituição (i) da automação de processamento de documentos e sistemas de cruzamento de dados que permitam verificar a existência de impedimentos para participação em certames; (ii) de predição de cenários com a apresentação de recomendações; (iii) de mecanismos de pesquisa de preços que facilitem a verificação de eventuais sobrepreços e superfaturamentos; (iv) de ferramentas de elaboração de minutas e modelos de despachos e decisões administrativas a partir da legislação e da jurisprudência.4
Além disso, tem-se que a nova Lei de Licitações abre uma janela de oportunidades para utilização de inovações tecnológicas nos processos de contratação pública. O incentivo à inovação passa a ser considerado um dos objetivos do processo licitatório (art. 11, IV, da NLLC) que deve ser implementado, preferencialmente, de forma eletrônica, com a prática de atos digitais (art. 12, VI, e 17, § 2º, da NLLC).5
A título de exemplo, cita-se a implementação do ChatTCU, assistente virtual desenvolvido com a solução Microsoft Azure OpenAI Service. Com foco no uso interno, o sistema atualmente vem sendo utilizado por mais de 1.400 usuários. O chat apoia diversas tarefas, como análise de documentos, pesquisa jurídica, tradução e consultas administrativas, por exemplo.6
Em sua terceira versão, o ChatTCU está integrado a alguns sistemas do TCU, utilizando dados, jurisprudência e conhecimento dos sistemas administrativos da Casa. Com isso, a plataforma de IA generativa exclusiva para uso interno no TCU permite conectar o conhecimento institucional ao melhor motor de IA do mercado, permitindo apoiar tarefas complexas sob controle dos servidores.7
Por fim, conclui-se que, a utilização das tecnologias auxilia no âmbito da fiscalização e controle das contratações públicas, uma vez que é possível notar os avanços e experiências realizadas, por exemplo, no TCU. Porém, ainda, observa-se que a falta de acesso à internet no Brasil representa grandes desafios, diante das limitações de determinados Entes federados, especialmente municípios, na realização de investimentos e utilização efetiva de ferramentas tecnológicas.
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1 VALENTE, Jonas. Agência Brasil. Órgãos públicos usam inteligência artificial para combater corrupção. 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-08/orgaos-publicos-usam-inteligencia-artificial-para-combater-corrupcao. Acesso em: 23/02/2024
2 COSTA, Marcos Bemquerer; BASTOS, Patrícia Reis Leitão. Alice, Monica, Adele, Sofia, Carina e Ágata: o uso da inteligência artificial pelo Tribunal de Contas da União. Controle Externo: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, Belo Horizonte, v. 2, p. 13, 2020.
3 COSTA, Marcos Bemquerer; BASTOS, Patrícia Reis Leitão. Ob. Cit., p. 13.
4 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Fiscalização dos contratos administrativos e inovações tecnológicas: dos carimbos à inteligência artificial. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/396071/fiscalizacao-dos-contratos-administrativos-e-inovacoes-tecnologicas. Acesso em: 23/02/2024
5 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Fiscalização dos contratos administrativos e inovações tecnológicas: dos carimbos à inteligência artificial. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/396071/fiscalizacao-dos-contratos-administrativos-e-inovacoes-tecnologicas. Acesso em: 23/02/2024
6 SECOM TCU. Uso de inteligência artificial aprimora processos internos no Tribunal de Contas da União. 2024. Disponível em: Uso de inteligência artificial aprimora processos internos no Tribunal de Contas da União | Portal TCU. Acesso em: 23/04/2023
7 SECOM TCU. Uso de inteligência artificial aprimora processos internos no Tribunal de Contas da União. 2024. Disponível em: Uso de inteligência artificial aprimora processos internos no Tribunal de Contas da União | Portal TCU. Acesso em: 23/04/2023
COSTA, Marcos Bemquerer; BASTOS, Patrícia Reis Leitão. Alice, Monica, Adele, Sofia, Carina e Ágata: o uso da inteligência artificial pelo Tribunal de Contas da União. Controle Externo: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, Belo Horizonte, v. 2, p. 11-34, 2020.
DESORDI, Danubia; DELLA BONA, Carla. A inteligência artificial e a eficiência na administração pública. Revista de Direito, v. 12, n. 2, p. 1-22, 2020.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Fiscalização dos contratos administrativos e inovações tecnológicas: dos carimbos à inteligência artificial. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/396071/fiscalizacao-dos-contratos-administrativos-e-inovacoes-tecnologicas. Acesso em: 23/02/2024
SECOM TCU. Uso de inteligência artificial aprimora processos internos no Tribunal de Contas da União. 2024. Disponível em: Uso de inteligência artificial aprimora processos internos no Tribunal de Contas da União | Portal TCU. Acesso em: 23/04/2023
VALENTE, Jonas. Agência Brasil. Órgãos públicos usam inteligência artificial para combater corrupção. 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-08/orgaos-publicos-usam-inteligencia-artificial-para-combater-corrupcao. Acesso em: 23/02/2024
Artigo publicado no Migalhas.com
por Giamundo Neto Advogados | fev 29, 2024 | Licitações
por Camillo Giamundo
A Lei nº 8.666/93 não havia dedicado capítulo ou seção específica para os critérios de julgamento, como fez a Lei nº 14.133/21. As definições e instruções de avaliação das propostas nos certames estavam vinculadas aos “tipos de licitação”, expressão não mais utilizada no novo diploma legal.
Na Lei 8.666/93, o artigo 44 dispunha que, no julgamento das propostas, a Comissão deve levar em consideração critérios objetivos, previamente definidos no edital ou convite, e que não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos na lei.
No artigo 45, o diploma legal previa que, além dos critérios objetivos, previamente definidos no edital, a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite deveria, quando do julgamento das propostas, realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação: (i) menor preço; (ii) melhor técnica; (iii) técnica e preço; e (iv) maior lance ou oferta, em casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.
Com a atualização, a Lei nº 14.133/21 manteve similares os quatros critérios acima identificados, trazendo ainda, em seu artigo 33 e incisos II e VI, os critérios de maior desconto e maior retorno econômico.
Apesar da novidade da previsão legal, os novos critérios estabelecidos na Lei nº 14.133/21, a bem da verdade, apenas tipificam práticas já costumeiras em certames licitatórios, sendo oportuna a sua inclusão e previsão.
A definição do critério de julgamento enseja a vinculação da Administração Pública licitante quanto à análise e seleção das propostas, especificamente quanto ao foco específico pretendido e priorizado quando da escolha.
Isso porque, a título exemplificativo, embora em uma licitação que utilize o critério de julgamento de “menor preço” haverá previsão de atendimento a requisitos mínimos de qualificação técnica por parte dos proponentes, em um certame em que se adotar o critério “técnica e preço”, tais exigências deverão ter uma importância, complexidade e definição muito mais aprofundada.
A importância da definição do critério de julgamento, portanto, vincula a Administração Pública, que deverá estipular regras claras, objetivas e adequadas ao “tipo” por ela selecionado e que melhor se adeque ao objeto da futura contratação, evitando-se subjetivismos, dúvidas e incertezas quanto ao procedimento a ser seguido não apenas por ela, mas pelos proponentes interessados.
- Menor preço (Art. 33, inc. I)
A antiga Lei nº 8.666/93, em seu art. 45, §1º, inciso I, definia “menor preço” como sendo o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração em que se determinava vencedor o licitante que apresentasse a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertasse o menor preço.
O critério “menor preço” foi mantido, no artigo 33, inciso I, da Lei nº 14.133/21, e o conceito de tal julgamento ganhou destaque no artigo 34, ao preconizar que o julgamento por menor preço “considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação”.
Significa dizer que, na nova Lei nº 14.133/21, a preocupação do legislador é clara: não basta que a proposta do licitante seja a mais econômica. Ela só será a mais vantajosa se o proponente também atender aos parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação.
A novidade trazida pela Lei nº 14.133/21 diz respeito ao §1º do art. 33, que dispõe que os custos indiretos relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, desde que objetivamente mensuráveis, conforme disposto em regulamento.
Além disso, a adoção do critério de julgamento pelo menor preço também deve observar, quando do recebimento, análise e julgamento das propostas dos licitantes, o disposto no artigo 23 da Lei nº 14.133/21 (sem correspondência com a Lei 8.666/93), que preconiza que o valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.
É de se destacar que, da leitura das novidades do diploma legal, tem-se a seguinte conclusão: nem sempre o preço nominalmente mais baixo poderá significar a proposta mais vantajosa. Há que se observar (i) a compatibilidade com os valores de mercado – evitando-se valores inexequíveis e irreais –, e (ii) o atendimento a parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação – fator este que interfere na identificação do preço e da vantajosidade da proposta –, em busca do atendimento do objetivo de menor dispêndio para a Administração.
- Maior desconto (Art. 33, inc. II)
O critério de “maior desconto”, apesar de não previsto na extinta Lei nº 8.666/93, não é bem uma novidade legislativa. Isso porque, a Lei Federal nº 12.462, de 04 de agosto de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, em seu artigo 18, inciso I, já previa o critério “maior desconto”, equiparando-o ao critério de “menor preço”, devendo ser considerado o menor dispêndio para a Administração Pública, tendo como referência o preço global fixado no instrumento convocatório, sendo o desconto estendido aos eventuais termos aditivos (art. 19, §2º), e que, em caso de obras ou serviços de engenharia, o percentual aplicado deve incidir linearmente sobre os preços de todos os itens do orçamento estimado pelo instrumento convocatório (art. 19, §3º).
Também a Lei Federal nº 13.303, de 30 de junho de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, das sociedades de economia mista e suas subsidiárias, em seu artigo 54, inciso II, trouxe o critério de julgamento de “maior desconto”, trazendo um adendo de que o percentual oferecido nas propostas ou lances vencedores se estendem a eventuais aditivos (§4º, inciso I).
E, por último, o Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019, que regulamenta o pregão eletrônico para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal, que em seu artigo 7º também previu como critério de julgamento o “maior desconto”.
A Lei nº 14.133/21, por sua vez, instituiu o maior desconto como um dos critérios de julgamento, prevendo que o preço estimado ou o máximo aceitável constará do edital da licitação (art. 24, parágrafo único), e que terá como referência o preço global fixado no edital de licitação, de modo que o desconto será estendido aos eventuais termos aditivos (art. 34, §2º).
Logo, e a partir da nova Lei de Licitações, o proponente deverá se atentar, quando da oferta do desconto, que o percentual aplicado restará vinculado até o encerramento do contrato, mesmo em sede de novos aditamentos.
Embora não seja o tema do presente artigo e afeto aos critérios de julgamento, entende-se que a regra da aplicação do mesmo percentual desconto, incidente na proposta vencedora, em futuros aditivos não é condição absoluta.
Isso porque, verificado que o desconto, ao tempo futuro, não mais representar os valores praticados de mercado, deve ele ser reconsiderado, evitando-se a onerosidade excessiva do particular contratado.
- Melhor técnica ou conteúdo artístico (Art. 33, inc. III)
Critério utilizado para contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística, a melhor técnica ou conteúdo artístico consiste na avaliação exclusiva das propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes, devendo o edital definir o prêmio ou a remuneração que será atribuída aos vencedores (art. 35, Lei nº 14.133/21).
Quando do julgamento das propostas, deve-se seguir o procedimento previsto no art. 37 da Lei 14.133/21, sendo inicialmente a verificação da capacitação e experiência técnica do proponente, por meio de atestados técnicos.
Deverão ser atribuídas, ainda, notas a quesitos de natureza qualitativa, por banca avaliadora designada para esse fim, de acordo com orientações e limites definidos no edital, devendo ser considerados a demonstração de conhecimento do objeto, a metodologia e o programa de trabalho, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues.
A banca avaliadora deverá ser composta por, no mínimo, três membros e pode ser composta por servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública ou por contratação de profissionais de conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital, desde que seus trabalhos sejam supervisionados por profissionais designados pela autoridade competente.
A última etapa do julgamento consiste na atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores, e que deve ser aferida por meio de documentos comprobatórios (art. 88, § 3º da Lei 14.133/21) e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
A Lei 8.666/93 não previa a expressão “melhor conteúdo artístico”, adotada no novo diploma legal. A inclusão é oportuna, na medida em que se busca diminuir a contratação por inexigibilidade no setor artístico e passa a conferir maior competitividade na disputa, com requisitos a serem obedecidos e atendidos pela Administração Pública na escolha do conteúdo buscado.
- Técnica e preço (Art. 33, inc. IV)
Já previsto na extinta Lei nº 8.666/93 (art. 45, §1º, inc. III), o critério de julgamento pela técnica e preço foi mantido na nova lei de licitações, e leva em consideração a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos a serem previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta.
O critério de julgamento pela técnica e preço deve ser escolhido, pela Administração, quando o estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos nas licitações.
Note-se que os fatores objetivos de pontuação são obrigatórios e vinculatórios, atendendo ao princípio do julgamento objetivo, consagrado no artigo 5º da Lei nº 14.133/21, que conjuga a um só tempo os princípios da isonomia, impessoalidade e vinculação ao instrumento convocatório – o qual deverá nortear toda a realização do procedimento licitatório, e de onde se extrai que o julgamento deverá ser pautada pelos critérios objetivamente fixados no edital.
Significa dizer que não há espaço para o subjetivismo, para a avaliação da proposta do licitante com base em valores e critérios obscuros, não palpáveis ou de difícil aferição.
O edital deverá dispor, de maneira clara e objetiva, os critérios que serão levados em consideração quando da avaliação das propostas, identificando os pontos a serem apresentados pelos proponentes para justificar a gradação de notas ou do julgamento de qual proposta é a mais adequada ao objeto do futuro contrato.
Quanto à aferição da pontuação dos proponentes, a Lei nº 14.133/21 prevê que as propostas técnicas deverão ser avaliadas e ponderadas e, em seguida, as propostas de preço, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica.
Tal proporção e percentuais de avaliação da proposta técnica e da proposta comercial não eram previstos na Lei nº 8.666/93, porém eram de usual e comum utilização pelos entes licitantes, reconhecidos inclusive pelo Tribunal de Contas da União.
O julgamento das propostas segue a mesma dinâmica do critério melhor técnica ou conteúdo artístico, prevista no art. 37 da Lei 14.133/21, a partir da verificação da capacitação e experiência técnica do proponente por meio de atestados técnicos, com atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa, por banca avaliadora designada para esse fim, de acordo com orientações e limites definidos no edital, considerando-se a demonstração de conhecimento do objeto licitado, a metodologia e o programa de trabalho previstos, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues.
Não menos importante, a última etapa do julgamento da proposta técnica deve levar em consideração a atribuição de nota por desempenho do licitante em contratações anteriores, a ser aferida via documentos comprobatórios (art. 88, § 3º da Lei 14.133/21).
Ainda, a pontuação referente à qualificação técnico-profissional, tal como no caso de certames que utilizem o critério da melhor técnica, exigirá que a execução do respectivo contrato tenha participação direta e pessoal do profissional correspondente (art. 38).
Por fim, há um importante destaque da nova lei de licitações, em seu artigo 34, de que o julgamento por técnica e preço também considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação. A princípio, a leitura do dispositivo em questão e o procedimento de julgamento pelo critério técnica e preço poderia levar à confusão de conceitos: afinal, a Administração deve considerar a média ponderada das notas técnica e comercial – que nem sempre representa o menor valor proposto dentre os licitantes – ou o menor valor dentre todas as propostas de preço?
A resposta está no significado de “menor dispêndio”, que não é sinônimo de “menor preço”. Menor dispêndio é a conjunção de diversos fatores, a saber: (i) a compatibilidade com os valores de mercado – evitando-se valores inexequíveis e irreais –, e (ii) o atendimento a parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação – fator este que interfere na identificação do preço e da vantajosidade da proposta –, em busca do atendimento do objetivo de menor dispêndio para a Administração.
Nem sempre um licitante que apresenta o menor preço demonstrará o melhor e mais suficiente conhecimento do objeto licitado, da metodologia e do programa de trabalho previstos, da qualificação das equipes técnicas e da relação dos produtos que serão entregues. Assim como aquele que demonstrar domínio e preponderância dos aspectos técnicos, frente aos demais licitantes, pode não lograr apresentar o melhor preço. A chave está no atendimento mais satisfatório, conforme percentuais de ponderação, do objeto licitado.
- Maior lance, no caso de leilão (Art. 33, inc. V)
A Lei nº 8.666/93 previa o critério de “maior lance ou oferta – nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso”, tendo a redação da nova lei de licitações alterado para “maior lance, no caso de leilão”.
O leilão é a modalidade de licitação que a Administração Pública pretende alienar bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance (art. 6º, inciso XL). Daí a incidência do critério de julgamento de maior lance, em que o maior retorno financeiro representa o objetivo da licitação promovida.
Importante observar que a definição trazida pelo art. 6º, inciso XL, da Lei nº 14.133/21, acabou por excluir a previsão de leilão para concessão de direito real de uso, até então prevista na Lei nº 8.666/93. Significa dizer que o novo diploma legal prevê o critério da maior proposta financeira (maior lance) apenas a bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos, e não aos casos de concessão de direito real de uso.
- Maior retorno econômico (Art. 33, inc. VI)
Assim como as alterações trazidas pela nova Lei de Licitações, o maior retorno econômico não é bem uma novidade em certames licitatórios. A Lei nº 12.462/11, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, bem como a Lei nº 13.303/16, que trata das empresas estatais, já previam tal critério de julgamento.
Com a atualização da lei de licitações, o critério de maior retorno econômico passa a ser norma geral, já que não havia previsão na então Lei nº 8.666/93.
O julgamento pelo critério de maior retorno econômico deve ser utilizado exclusivamente para a celebração de contrato de eficiência, em que o contratado tem o compromisso de gerar economia de despesa à Administração, de modo que a sua remuneração estará condicionada ao desempenho eficiente de tal atividade.
O procedimento previsto no novo diploma legal traz, como requisitos dos licitantes, a necessidade de apresentar proposta de trabalho que contemple as obras, os serviços ou os bens, com os respectivos prazos de realização ou fornecimento, bem como a economia que se estima gerar, expressa em unidade de medida associada à obra, ao bem ou ao serviço e em unidade monetária (art. 39, §1º, inc. I, “a” e “b”).
Quanto à proposta comercial, a regra é que deva corresponder ao percentual sobre a economia que se estima gerar durante determinado período, expressa em unidade monetária (art. 39, §1º, inc. II).
Para a Administração Pública, há o compromisso de formular edital que preveja parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo para a remuneração devida ao contratado. Para efeito de julgamento da proposta, o retorno econômico será o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço.
Assim, quando do julgamento das propostas, a Comissão encarregada pelo certame deve aferir o maior retorno econômico a partir da dedução entre a proposta de preço e a economia que o licitante estima gerar, sendo que, nos casos em que não for gerada a economia prevista no contrato de eficiência, a remuneração do contratado será descontada caso o seu desempenho fique abaixo da expectativa firmada na formalização da proposta.
É um meio encontrado pela lei para incentivar o particular contratado a executar o contrato sob o viés e objetivo do interesse público, a partir da economia de recursos, na medida em que sua remuneração será diretamente afetada. O objetivo é fazer com que o particular busque a lucratividade do seu negócio sem se afastar do interesse público naquela contratação.
Ponto de atenção é trazido pelo inciso II do §4º do artigo 39 da Lei nº 14.133/21, que prevê que se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior ao limite máximo estabelecido no contrato, o contratado ficará sujeito, ainda, a outras sanções cabíveis.
É evidente que em cenários imprevisíveis e inevitáveis, em que a economia contratada pode não ser atingida, a sanção deve ser avaliada, caso a caso, observando-se criteriosamente a conduta do particular contratado e se sua proposta de trabalho e de preço correspondiam a uma realidade factível, acometida por situação de difícil – ou de impossível – previsão, como é o caso de crise de mercado decorrente de uma pandemia, por exemplo.
Inexistindo tais hipóteses, o particular contratado deve estar atento quando da elaboração da proposta de trabalho e de preço, para evitar sanções.
Artigo originalmente publicado no Portal Consultor Jurídico, em 29.02.2024.
por Giamundo Neto Advogados | fev 23, 2024 | Artigo
Por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni
Delineadas como contratos de grande vulto, as parcerias público-privadas (PPP’s) estão frequentemente associadas a contratos de maior complexidade, considerando que a própria Lei Federal nº 11.079/2004, que disciplina a matéria, estabelece requisitos bastante rígidos para a sua caracterização, envolvendo valores consideráveis, prazos estendidos e objetos múltiplos.
Nos últimos anos, no entanto, passou-se a debater a possibilidade de um direcionamento desse instrumento contratual não somente para as obras mais comuns de infraestrutura, tradicionalmente ligadas ao modelo — tais como as concessões rodoviárias —, mas também para aqueles empreendimentos de cunho social, a exemplo das áreas da saúde e da educação, para os quais se passou a empregar o termo de “PPP’s Sociais’.
Com efeito, não há qualquer incompatibilidade do modelo com esse tipo específico de objeto, desde que atendidos requisitos identificados na legislação. A questão a ser debatida é a de justamente ampliar essa lógica contratual para objetos que aprioristicamente estejam contemplados no modelo comum de contratação administrativa mais por conveniência do que por adequação.
A discussão apresenta perspectivas positivas e já possui algumas experiências pontuais a serem avaliadas, não obstante também sejam vislumbrados desafios adaptativos inerentes a qualquer nova investida jurídica. Fato é que o investimento nesse tipo de parceria é uma aposta do atual Governo Federal, que já conta, inclusive, com recursos em fundo para essa finalidade [1].
Exemplos
Na área da educação, o governofFederal vem estudando, com o auxílio do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Educação projetos voltados à diminuição do déficit de vagas para creches e educação infantil.
O fácil trânsito de recursos federais para esse tipo de projeto também para estados e municípios é certamente um facilitador dos seu aprimoramento e extensão [2].
Outro setor propício ao desenvolvimento desse tipo de projeto é a área da saúde, que encontra algumas experiências bastante consolidadas.
Um case de sucesso foi a concessão do Hospital do Subúrbio de Salvador em 2010, cujo contrato delegava toda a gestão e operação da unidade hospitalar, incluindo os serviços de assistência hospitalar, que ainda hoje, passados mais de dez anos, encontram índices bastantes positivos de avaliação pela população [3].
Embora não ligada, de pronto, à questão social, as PPP’s de estabelecimentos prisionais também estão atreladas a diversas temáticas complexas que vão desde o limite da responsabilidade do Estado pela manutenção de condições mínimas à população carcerária até a recorrente discussão sobre a delegação de poder de polícia estatal.
Somente a longo prazo será possível atrelar o papel de uma pretensa melhoria desse ambiente ocasionado pela gestão privada à ressocialização e coleta de dados sobre a efetividade do modelo para esse objeto.
Habitação
Um outro setor em que se discute o modelo é o da habitação de interesse social, apesar das experiências ainda bastante disputadas. É o caso das concessões do Governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo, que apesar de sua modelagem complexa e moderna, ainda têm dificuldades de lidar com esse problema urbano de acesso e conflito pelo espaço em uma megametrópole.
Do ponto de vista essencialmente jurídico, afora o debate comum sobre o adequado equilíbrio entre o lucro privado e o interesse público, sempre presente nas iniciativas que importe algum tipo de privatização, há de se discutir, ainda, diversos outros aspectos que podem sinalizar empecilhos à aplicação do modelo e sua ampliação aos entes subnacionais, comumente mais carentes de infraestruturas complexas.
Um desses desafios certamente está na dificuldade de modelagens contratuais que permitam efetiva e adequada mensuração de resultados do agente privado, na medida em que a avaliação de desempenho em setores sociais encontra variáveis bem mais complexas do que aqueles serviços de natureza concorrencial.
Por consequência, essas dificuldades podem alavancar os riscos financeiros e operacionais dos projetos, tornando-os menos atrativos ao setor privado e, consequentemente, mais onerosos ao setor público, principalmente em razão de um retorno não tão claro e célere como naquelas atividades naturalmente remuneradas por tarifa.
A regulação também é um aspecto cuja complexidade fica majorada nesse tipo de projeto, na medida em que eventual captura traz prejuízos não somente à confiança no setor público, como desafia os próprios resultados sociais desejados. Trata-se não somente de se garantir a qualidade e eficiência dos serviços prestados, mas de assegurar os resultados sociais que não sejam afetados por uma lógica de lucro imediato.
Igualmente relevantes os desafios relacionados à própria aceitação do modelo pela sociedade e grupos de interesse diretamente afetados, o que não raramente encontra eco nas avaliações realizadas por órgãos de controle ou pelo Judiciário na discussão quanto à legalidade dos projetos, principalmente nos setores de maior disputa.
Nesse contexto, o aprimoramento das capacidades estatais para o desenho de bons projetos certamente conta como um fator determinante.
Por outro lado, também há vantagens a serem consideradas na implantação desse modelo que, em alguma medida, se assemelham aos debates relacionados às concessões de modo geral.
As questões da eficiência e inovação são recorrentes nessa temática, a partir da concepção comum, mas nem sempre acertada, de que o setor privado tem condições de oferecer uma gestão de maior qualidade e mais compatível às premissas tecnológicas cada vez mais voláteis.
A presença de recursos financeiros de fontes variadas — não exclusivamente públicas — e o acesso à verba de financiamento privado também são importantes ferramentas para superar as restrições orçamentárias comuns ao setor público.
Inovação
Mesmo na parcela financiada com verbas públicas há uma margem mais abrangente para a inovação, permitindo se pensar em estruturas eficazes de remuneração baseada em desempenho, com claro incentivo a resultados.
A inovação também encontra abertura no momento de estruturação das cláusulas contratais, que podem ser mais flexíveis e adaptáveis às necessidades da contratação.
Nesse contexto, uma boa matriz contratual, pensando na transferência de riscos estratégicos para cada player, autoriza não somente maior segurança e atratividade, como uma gestão mais eficiente da demanda.
Por fim, devido ao interesse e necessidade do retorno financeiro dos investimentos realizados, as PPP’s trazem incentivos tanto para a conclusão mais célere dos projetos — das parcelas que envolvam a entrega de alguma infraestrutura, por exemplo —, assim como a própria manutenção dos equipamentos públicos entregues, na medida em que esses ativos precisam resistir a contratos de longo prazo.
De modo geral, a expansão das parcerias público-privadas para setores sociais, ainda bastante desafiadora, apresenta potencial para a melhoria da eficiência, inovação, acesso a novas fontes de recursos e adequada alocação de riscos estratégicos, representando uma aposta significativa também ao debate jurídico.
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[1] Cf.: https://agenciainfra.com/blog/com-fundo-de-r-1-bi-estruturacao-de-ppps-sociais-sao-aposta-do-ppi-para-deslanchar-parcerias/. Acesso em 14/02/2024.
[2] É o que se extrai da fala da assessora especial da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimento do Governo Federal, Viviane Moraes Moura, no episódio 98 do Infracast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/3ZVzzVvnY80Rr454Ku2HdL?si=bd2e97ff9da8470d. Acesso em: 14/02/2024.
[3] Cf. https://www.saude.ba.gov.br/2020/09/18/hospital-do-suburbio-completa-10-anos-com-98-de-satisfacao-do-usuario/. Acesso em 14/02/2024.
Publicado originalmente no ConJur.com
por Giamundo Neto Advogados | fev 9, 2024 | Artigo
Por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni
Com o fortalecimento institucional vislumbrado a partir da atual Constituição Federal e o enfoque sistemático na luta contra a corrupção, o sistema sancionador tornou-se mais complexo, especialmente no que diz respeito à quantidade de órgãos e entidades legitimados ao exercício do jus puniendi estatal e de diplomas normativos que disciplinam subsistemas próprios de apuração de infrações e aplicações de sanções administrativas [1].
Esse crescimento orgânico também é, em alguma medida, responsável pela instabilidade e insegurança jurídica muitas vezes sentida pelos administrados. O desafio advindo desse cenário é se pensar em meios de se compatibilizar essas diferentes atribuições de forma mais efetiva.
Como equalizar a execução da penalidade?
A exemplo do que se buscou com a edição da Medida Provisória 703, poder-se-ia idealizar uma espécie de “balcão único” de soluções, em que os agentes passivos da sanção poderiam negociar um acordo de maior alcance com diferentes legitimados [2]. Porém, em nossa visão, um caminho mais efetivo e menos conflituoso — já que envolveria menor disponibilidade de competências — seria, mediante reforma legislativa, pensar nessa equalização no momento da execução da penalidade aplicada, abrindo um campo fértil à articulação institucional.
Para tanto, um primeiro passo seria adotar a distinção comumente empregada pela doutrina entre as sanções de caráter pecuniário ou real, que impactam diretamente o patrimônio do sujeito passivo — tais como as multas e a vedação ao recebimento de benefícios e incentivos fiscais e creditícios — e as sanções de caráter pessoal, que afetam a própria personalidade ou existência do sujeito passivo da sanção — a exemplo da declaração de inidoneidade, da suspensão de atividades, e da dissolução compulsória [3].
Nesse contexto, também não se pode deixar de considerar as medidas de responsabilidade pelo ressarcimento ao erário ou indenização dos prejuízos causados em razão da infração praticada, que apesar de não deterem natureza sancionatória, possuem notório impacto financeiro, equiparando-se, em algum grau, com as sanções reais.
Essa distinção pode lançar as bases de uma proposta inaugural de debate sobre a temática da articulação institucional no momento da execução de penalidades. Assim, mais do que se pensar no tortuoso caminho dessa articulação na aplicação da penalidade, a fase de execução pode abrir um espaço de maior viabilidade, além de consentâneo às principais preocupações do agente sancionado.
Sanções pecuniárias
Nessa toada, para as sanções de natureza pecuniária se poderia pensar em um plano de compatibilização das diferentes penalidades que funcionasse de forma similar ao que já estabelecem os próprios acordos de leniência, porém, com a colaboração efetiva dos órgãos técnicos, principalmente para viabilizar o pagamento de valores que efetivamente observassem a capacidade de pagamento do agente passivo (“ability to pay”). Com isso, também se mitigaria uma discussão bastante recorrente sobre a ausência de competência de determinados órgãos para a definição dos valores de multa e ressarcimento, deixando esse aspecto àqueles entes de caráter mais técnico, por exemplo.
Também seria razoável se pensar na possibilidade de parcelamento do débito de acordo com a capacidade atestada, de modo que as condições desse parcelamento levassem em consideração a condição específica do agente. Tal análise possibilitaria, inclusive, a previsão de benefícios ao sujeito passivo enquanto atrativo ao cumprimento das obrigações de forma mais célere.
Cite-se, nesse sentido, os já reconhecidos benefícios de ordem na cobrança de dívidas solidárias, a cessação da incidência dos juros de mora e o abatimento, do valor total da dívida, dos montantes já quitados a título de sanções pecuniárias atinentes aos mesmos fatos ou aplicadas pela mesma autoridade.
Ainda visando possibilitar a abertura à articulação, seria pertinente que a autoridade competente para a execução da sanção, antes de proceder a qualquer medida restritiva ou providência de cobrança, abrisse a oportunidade para que outros possíveis legitimados manifestassem sua intenção de participar do procedimento de aprovação desse procedimento de negociação, cuja principal premissa seria a própria consensualidade administrativa.
Assim, eventual “homologação” dessa negociação vincularia as partes às condições e prazos ajustados, autorizando-se, inclusive, que a sobrevinda de situação que dificultasse ou impedisse o cumprimento das condições estabelecidas entre as partes fosse devidamente comunicada à autoridade competente e conjuntamente avaliada eventual repactuação do acordo.
Sanções pessoais
Para as sanções de natureza pessoal, poder-se-ia pensar na execução das penas em condição distinta, com a possibilidade de suspensão de seus efeitos pela autoridade competente de forma muito similar ao que ocorre na esfera criminal, com a figura da suspensão condicional da pena ou sursis.
As condições dessa suspensão também poderiam se assemelhar ao instituto penal, prevendo-se, por exemplo, a vedação de reincidência em dado período; a análise de culpabilidade e antecedentes; a observância das condicionantes fixadas pela autoridade competente durante o período de suspensão da penalidade etc.
Essa criação, ao nosso ver, poderia ter resultados positivos. Se por um lado, o sujeito passivo tem afastado o receio da concomitância de penalidades e dos próprios efeitos drásticos desse tipo de sanção; por outro lado, a autoridade competente não abdica, de forma alguma, de sua atribuição sancionatória, podendo revogar a suspensão a qualquer momento se, no curso do prazo, o beneficiário for condenado à nova penalidade de suspensão de licitar, impedimento de contratar ou declaração de inidoneidade por fatos posteriores à condenação cuja execução foi suspensa. Do contrário, isto é, cumpridas as condições, a pena é extinta sem qualquer risco de lesão ao interesse público.
O debate que se propõe, portanto, mais do que pensar na criação de novas competências ou, o que seria ainda mais desafiador, na determinação legal para que os órgãos ou entidades compatibilizassem, entre si, as atribuições sancionatórias que lhes são próprias, se direciona a preservar essas funções através do diálogo institucional, sendo que o campo da execução das penalidades parece ser bem menos propenso ao conflito entre os órgãos e entidades legitimados.
[1] A título de exemplo, somente na esfera federal, uma única infração pode mobilizar a atuação da Controladoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União, da Advocacia-Geral da União, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério Público Federal e do próprio Judiciário. Nesse mesmo contexto, essa ação, a depender de sua caracterização, pode ser objeto de apuração pela Lei Anticorrupção, Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Defesa da Concorrência, Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei das Estatais, Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, entre outras.
[2] Nesse sentido: VARELLA, Marcelo Dias, ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de, VIANNA, Marcelo Pontes. Quando mais é menos: Arranjos institucionais e acordos de leniência anticorrupção no Brasil. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 59, n. 233, p. 35‑59, jan./mar. 2022.
[3] Dentre as muitas referências que se utilizam dessa distinção, cite-se BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Sanções administrativas transmissíveis e sanções intransmissíveis. In BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.
Publicado originalmente no ConJur