Por Diogo Albaneze Gomes Ribeiro[1]

 

  1. Introdução

Em 17.05.2019, entrou em vigor a Resolução nº 5.845, de 14 de maio de 2019 (“Resolução nº 5.845/19”), que dispõe sobre as regras procedimentais para a utilização da autocomposição e da arbitragem nos litígios envolvendo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) e seus regulados.

Referida Resolução busca facilitar e fortalecer a utilização de mecanismos alternativos de solução de controvérsias em contratos envolvendo a ANTT. Para tanto, a Resolução nº 5.845/19 procurou deixar consignado não apenas as matérias passíveis de serem submetidas à autocomposição e/ou à arbitragem, mas também o próprio procedimento para a sua instauração, incluindo, dentre outros aspectos, a sistemática de pagamento de custas, escolha de árbitros, mediadores e da própria Câmara Arbitral.

 

  1. Os direitos patrimoniais disponíveis reconhecidos pela Resolução nº 5.845/19

Sem prejuízo de outras matérias a serem avaliadas no caso concreto, a Resolução nº 5.845/19 deixou consignado que as seguintes discussões poderão ser submetidas à autocomposição e/ou à arbitragem.

  • recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
  • indenizações decorrentes da extinção ou transferência do Contrato;
  • penalidades contratuais e seu cálculo, bem como controvérsias advindas da execução de garantias;
  • processo de relicitação do contrato nas questões que envolvam o cálculo das indenizações pelo órgão ou pela entidade competente; e
  • inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes.

Por outro lado, assuntos relacionados, por exemplo, ao poder de fiscalização sobre a exploração do serviço delegado e a pedidos de rescisão de contrato por parte da Concessionária foram expressamente excluídos da possibilidade de serem submetidos ao procedimento de Solução de Controvérsias (art. 3º).

 

  1. O processo de mediação

Nos termos da Resolução nº 5.845/19, o processo de mediação, além de ser facultativo, deverá ser conduzido pela Advocacia Geral da União, nos termos do art. 32 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015 (art. 8º).

O pedido de instauração da mediação será autuado e encaminhado à Superintendência de Processo Organizacional com competência sobre a matéria controversa para manifestação acerca da admissibilidade do pleito. Após instrução do pedido apresentado, os autos serão enviados à Diretoria Colegiada para decisão sobre a admissibilidade, a conveniência e a oportunidade de a ANTT participar da mediação.

Decidida a participação da ANTT, a Diretoria Colegiada indicará servidor como representante na mediação e delimitará seus poderes negociais. Eventual acordo firmado com a ANTT somente adquirirá validade caso venha a ser aprovado pela Diretoria Colegiada.

Não havendo acordo, a matéria em discussão poderá ser submetida à arbitragem, podendo as partes definir no termo final da mediação a celebração de compromisso arbitral.

 

  1. O processo de arbitragem

Um aspecto interessante da Resolução nº 5.845/19 foi prever expressamente a possibilidade de a ANTT celebrar compromisso arbitral mesmo nos casos em que não há cláusula compromissória no contrato em discussão.[2] Nesses casos, contudo, deverá a ANTT avaliar previamente, no caso concreto, as vantagens e desvantagens da arbitragem (quanto ao prazo para a solução do litígio, ao custo do procedimento e à natureza da questão litigiosa). Trata-se, portanto, de uma decisão discricionária da ANTT.

Nesse aspecto, a Resolução nº 5.845/19 apenas positivou (corretamente, na nossa visão) o entendimento jurisprudencial acerca da desnecessidade de previsão do compromisso arbitral no edital e/ou no contrato:[3]

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. ARBITRAGEM. VINCULAÇÃO AO EDITAL. CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.

(…)5.Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

6.O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.

7. previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame.

8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável.

9. A controvérsia estabelecida entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato – é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

10.A submissão da controvérsia ao juízo arbitral foi um ato voluntário da concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à impugnação desse ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia.

12.Recurso especial não provido.

 

Outro aspecto trazido pela Resolução nº 5.845/19 foi o de estipular uma sistemática para a escolha das câmaras arbitrais. Nesse ponto, deixou consignado que que os contratos de outorga de serviços públicos e os compromissos arbitrais firmados pela ANTT deverão definir expressamente uma ou mais câmaras arbitrais dentre as credenciadas, nos termos do § 5º do art. 31 da Lei nº 13.448, de 05 de junho de 2017.[4]

Na hipótese de não ter sido previamente definida a câmara arbitral, a ANTT indicará três câmaras cadastradas em conformidade com decreto regulamentador do §5º do art. 31 da Lei nº 13.448/2017 (que estabelece as diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria, nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal), sendo que caberá à parte privada a escolha de uma das câmaras indicadas.

 

  1. Pontos da Resolução nº 5.845/19 passíveis de questionamentos

 Um aspecto que poderá gerar questionamentos decorre da previsão contida no art. 4ª da Resolução nº 5.845/19, segundo a qual as controvérsias só poderão ser submetidas ao regramento descrito nesta Resolução após decisão definitiva da ANTT.

Pelo parágrafo único do referido dispositivo, considera-se definitiva a decisão administrativa quando dela não couber mais recurso. Em outras palavras, a Resolução pretende condicionar o início de eventual litígio arbitral a uma decisão administrativa definitiva da ANTT.

Em que pesem as diversas virtudes da Resolução nº 5.845/19, essa condicionante deve ser interpretada com cautela, sobretudo quando a matéria em discussão no âmbito administrativo não estiver submetida a recurso dotado de efeito suspensivo.

Afinal, considerando o princípio constitucional do livre acesso à justiça,[5] não parece haver justificativa para impedir a instauração da arbitragem, pela parte interessada, mesmo durante a tramitação do processo administrativo.[6]

“(…) MANDADO DE SEGURANÇA. DISCUSSÃO JUDICIAL DA MATÉRIA. RENÚNCIA PELA VIA ADMINISTRATIVA. RECURSO VOLUNTÁRIO SEGUIMENTO INDEFERIDO.

Segundo o princípio da unidade da jurisdição, havendo concomitância entre o objeto da discussão administrativa e o da lide judicial, tendo ambos origem em uma mesma relação jurídica de direito material, torna-se despicienda a defesa na via administrativa, uma vez que esta se subjuga ao versado naqueloutra, em face da preponderância do mérito pronunciado na instância judicial. Há uma espécie de renúncia tácita pelo processo administrativo, pois a continuidade do debate administrativa é incompatível com a opção pela ação judicial (preclusão lógica).”

 

Outro aspecto da Resolução que merece ser devidamente interprestado se refere à disposição contida no art. 17 da Resolução nº 5.845/19. Pelo referido dispositivo, “Antes da constituição do tribunal arbitral, as medidas cautelares ou de urgência somente poderão ser requeridas ao órgão competente do Poder Judiciário.”.

Essa exigência, a nosso ver, não observa a evolução e a prática mais moderna da arbitragem (que já vem sendo aplicada pelas principais Câmaras Arbitrais, inclusive) no sentido de instituir a figura do “Árbitro Provisório” ou “Árbitro de Emergência”.[7]

O “Árbitro Provisório” configura um procedimento segundo o qual, antes de instituída a arbitragem, a parte poderá requerer medidas cautelares ou de urgência no âmbito da própria Câmara Arbitral. Trata-se de tema absolutamente atual e que já vem sendo aplicado na prática (inclusive em litígios relacionados a contratos administrativos).

Sendo assim, com exceção de alguns aspectos que deverão ser devidamente interpretados à luz do ordenamento jurídico em vigor e das práticas mais atualizadas da arbitragem, parece-nos que a Resolução nº 5.845/19 possui a inequívoca virtude de facilitar e fortalecer a utilização de mecanismos alternativos de solução de conflitos nos contratos envolvendo a ANTT.

 

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[1] Advogado, especialista e mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP.

[2] Além disso, a Resolução nº 5.845/19 admitiu expressamente a possibilidade de aditar os contratos que não contenham a cláusula compromissória (art. 27).

 

[3] STJ – REsp 904813/PR, Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª T., j. 20/10/2011, DJe 28/02/2012 – grifo nosso.

[4] Art. 31. As controvérsias surgidas em decorrência dos contratos nos setores de que trata esta Lei após decisão definitiva da autoridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, podem ser submetidas a arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias.

(…)

  • 5º Ato do Poder Executivo regulamentará o credenciamento de câmaras arbitrais para os fins desta Lei.

[5] Art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”.

[6] STJ – Ag 1394327, Min. HUMBERTO MARTINS, j. 26/04/2011 – Grifo Nosso.

[7] Nesse contexto, por exemplo, a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP, por meio da Resolução nº 4/2018, instituiu a figura do Requerimento de Árbitro Provisório, nos seguintes termos: “1.1. Antes de instituída a arbitragem nos termos do item 2.4 do Regulamento, a parte que pretenda medidas cautelares ou de urgência poderá requerer ao Presidente da Câmara, por meio de Requerimento de Árbitro Provisório (“Requerimento”) que nomeie uma árbitra ou um árbitro provisório (“Árbitro Provisório”), cuja missão será deliberar sobre a medida de urgência, a qual vigerá até que o Tribunal Arbitral decida sobre a matéria.