Artigo: Reequilíbrio cautelar: o bom exemplo do estado de São Paulo

por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni

Concessões problemáticas são verdadeiros gargalos para o poder público. Além de comprometerem a boa execução de serviços públicos e sua fruição pela população, travam investimentos e frustram investidores. Por se tratar de ajustes de longuíssimo prazo, é natural — e mesmo esperado — que eventos supervenientes impactem de modo significativo a equação econômico-financeira desses contratos. E é salutar que as partes contratantes disponham de instrumentos para responder de imediato a essas extraordinárias situações.

Ilustra bem esse cenário a iminente aprovação da reforma tributária. A alteração dos tributos e respectiva carga incidente sobre os projetos concessionados obrigará à revisão dos contratos. E evitar que as necessárias discussões e estudos que envolvem esse processo se prolonguem em demasia, comprometendo a saúde da concessão, deve ser um objetivo dos entes contratantes. Daí a relevância do tema deste artigo: o exemplo do Estado de São Paulo ao regular o reequilíbrio cautelar como mecanismo mitigatório de eventos excepcionais de desequilíbrio.

No primeiro semestre deste ano, a Secretaria de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo (SPI-SP), também recentemente criada, publicou a Resolução SPI nº 19/2023, que regulamenta as medidas de mitigação dos impactos de desequilíbrios econômico-financeiros nos contratos de delegação de serviços públicos normatizados pelo Decreto nº 67.435/2023.

De positiva novidade, o normativo regulamentou a figura do “reequilíbrio cautelar”, que apesar de classificado, de forma geral, como uma prerrogativa do Poder Concedente, não gerando, assim, direito subjetivo à concessionária — como estabelece o artigo 2º, inciso I da Resolução —, apresenta-se como potencial instrumento de redução dos impactos da negociação prolongada a que muitos pedidos de reequilíbrio acabam se sujeitando.

Veja-se que o normativo e a consequente abertura para a discussão do modelo endereça um problema que apesar de há muito enfrentado pela administração pública certamente exacerbou-se no período pandêmico, em que a falta de uma resposta célere do poder público colocou em risco a continuidade de uma série de contratos, pelo menos no que se refere ao seu ponto de equilíbrio inicial. No caso das concessões, a questão é ainda mais sensível em razão da longevidade desses contratos e dos graves prejuízos da mora em uma resposta quanto ao desequilíbrio, gerando um verdadeiro efeito “bola de neve” a longo prazo.

A ideia por trás da resolução, portanto, é permitir que essa discussão não se prolongue em demasia, em prejuízo dos contratos vigentes e do próprio serviço público prestado, mas sem destoar da natural complexidade das apurações que envolvem um processo de reequilíbrio contratual. A um só tempo, pode-se manter a seriedade do processo avaliatório do reequilíbrio, mas estancando aqueles prejuízos imediatos que, não sanados de pronto, acabam por deteriorar o curso da avença, além de majorar os prejuízos a serem recompostos pelo Poder Concedente.

Trata-se, assim, de relevante desdobramento do princípio geral do dever de mitigar os próprios prejuízos — ou duty to mitigate the loss em jargão comumente empregado pela doutrina — e da própria boa-fé objetiva, que conduz a decisões céleres, eficazes e, porque não, consensuais. Igualmente, a resolução coloca-se em consonância aos comandos mais recentes da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em especial quanto à possibilidade de compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais [1].

Desse modo, em termos práticos, o normativo reconhece que antes mesmo da conclusão definitiva do procedimento de apuração do desequilíbrio, naturalmente delongado em razão de sua complexidade, algumas medidas reparatórias sejam antecipadas para se evitar que eventual prejuízo se agrave pela demora da recomposição, sendo certo que a resolução, embora inicialmente de adoção discricionária, também regulamenta hipóteses de ação vinculada por parte do poder público.

Nesse contexto, autorizam-se, como mecanismos cautelares, a adoção da antecipação, postergação ou cancelamento de investimentos, a inclusão de investimentos adicionais, a suspensão da exigibilidade de pagamentos devidos ao Poder Concedente ou agente fiscalizador, a elevação ou redução desses valores, assim como de tarifas, o pagamento de indenizações, a elevação ou desoneração de encargos e a transferência de custos [2]. Perde-se, no entanto, pela ausência, no normativo, de algum indicativo sobre a possibilidade de que a concessionária opine minimamente sobre as medidas a serem adotadas, nem mesmo sobre a sua efetividade para a recomposição [3].

Quanto à limitação da discricionariedade, acima mencionada, o normativo estabelece as situações em que será obrigatória a avaliação quanto ao cabimento das medidas de mitigação previstas na resolução. São os casos de potencial comprometimento da continuidade da prestação dos serviços ou da solvência da concessionária; em que a proximidade do encerramento da vigência da concessão indique a subsistência de saldo regulatório; e em que o desequilíbrio projetado corresponda a um impacto anual ou consolidado de mais de 5% da arrecadação bruta para eventos de desequilíbrio com efeitos contínuos no tempo ou que não sejam projetados para o futuro, respectivamente [4].

Uma vez identificado o enquadramento da situação e iniciado o procedimento, os órgãos ou autarquias competentes para a regulação ou gestão do contrato deverão apresentar a estimativa preliminar do impacto do evento de desequilíbrio; assim como indicar as medidas cautelares cabíveis, cuja escolha final ficará a cargo da SPI-SP [5].

Mais uma vez, reforça-se que as medidas cautelares de reequilíbrio serão, em regra, discricionárias, salvo nos casos em que a ocorrência do desequilíbrio tenha sido definitivamente reconhecida pelo órgão competente ou possa ser presumida; for possível a adoção de alguma das medidas cautelares; ou não houver comprovada indisponibilidade dos recursos para o cumprimento das obrigações orçamentárias e financeiras do Estado ou para a preservação da autonomia financeira da agência reguladora responsável pela fiscalização da execução do contrato [6].

Justamente em razão da sua cautelaridade, as medidas eventualmente aplicadas não poderão superar o percentual de 80% do impacto econômico-financeiro estimado do evento de desequilíbrio, assim como não poderão importar recebimento de recursos antecipadamente ao efetivo impacto financeiro do evento de desequilíbrio [7]. Com isso, assegura-se que a concessionária não venha a ser indevidamente beneficiada por uma recomposição superior ao que lhe seria definitivamente devido ao final do processo.

Por fim, estabelece-se que nos casos em que deferida a aplicação da medida cautelar os respectivos processos administrativos terão tramitação prioritária, visando à mensuração definitiva do desequilíbrio e ao consequente ajuste das medidas de recomposição; assim como o andamentos dos trabalhos serão avaliados trimestralmente pela SPI-SP, mediante o recebimento, por parte do órgão ou autarquia responsável pela regulação e gestão do contrato, de relatório circunstanciado das atividades realizadas para a mensuração definitiva do desequilíbrio [8].

Assim, ainda que sem resultados mais consolidados para se colocar em prova a efetividade do instituto, não há dúvidas de que o normativo se tornou um importante precedente sobre o tema envolvendo reequilíbrios cautelares, cujo exemplo merece ser irradiado para outros entes e esferas estatais. Trata-se de relevante mecanismo de segurança jurídica e previsibilidade dos negócios de longo prazo estabelecidos com o poder público, atraindo novos investimentos para a infraestrutura. Que haja o espraiamento desse modelo regulatório para o âmbito nacional.

 

[1] Cf.: “Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos”.

[2] O detalhamento das medidas cautelares está contido no artigo 2º, inciso III, da Resolução.

[3] A concessionária, inclusive, sequer é legitimada para formular o requerimento de instauração desse procedimento, conforme estabelece o artigo 2º, inciso IV, da Resolução.

[4] É o que estabelece o artigo 3º da Resolução.

[5] Cf. artigo 5º, da Resolução, que inclusive impõe o prazo de dez úteis para a adoção dessas providências.

[6] Vide artigo 6º da Resolução.

[7] Cf. artigo 6º, parágrafo único da Resolução.

[8] Cf. artigo 7º da Resolução.

 

Artigo: Algumas notas sobre as agências reguladoras como poder concedente

Artigo: Algumas notas sobre as agências reguladoras como poder concedente

por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni

Em abril deste ano, sem muito alarde público, foi apresentado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 2.263/2023, de autoria do senador Jorge Kajuru, tendo por objeto a inclusão de um parágrafo ao artigo 14 da Lei Federal nº 8.987/1995, que vedaria a realização de licitação para a concessão de serviços por parte das agências reguladoras.

Na justificativa do projeto indicava-se que o sistema jurídico teria atribuído às agências reguladoras funções voltadas à normatização infralegal e à fiscalização dos serviços concedidos, o que conflitaria com eventual atuação na licitação para a concessão das atividades também reguladas, em afronta aos princípios jurídicos aplicáveis à matéria.

Embora tenha tramitado de forma célere nos últimos meses, o projeto acabou sendo arquivado no último dia 28/9/2023, a requerimento do próprio autor, e, mesmo sem ter avançado, trouxe à tona um debate que muitas vezes fica na superfície. De fato, a realização da licitação dos serviços públicos pelas agências reguladoras ocasiona um conflito técnico ou de interesse capaz de prejudicar sua atividade ou o próprio serviço prestado?

De modo geral, o debate sobre a temática encontra duas principais posições antagônicas. Para uma primeira linha de pensamento, o exercício da função concedente por parte das agências reguladoras comprometeria a sua (típica) atribuição regulatória. Por outro lado, há quem pondere que sequer existiria uma efetiva delegação do poder concedente, na medida em que a atuação das agências estaria adstrita à elaboração dos editais e fixação de condições gerais de contratação, sem uma definição específica de execução da política formulada, ainda a cargo da administração direta [1].

Sabe-se que o modelo de regulação adotado no Brasil, apesar de fundar-se na experiência estadunidense [2] como tantos outros sistemas, também encontra oposições distintivas de um experimento com um histórico próprio. Um dos aspectos que caracteriza o desenvolvimento da temática no país é o fato de a criação das agências reguladoras coincidir temporalmente com a própria reabertura democrática do país e com um pensamento de reforma estatal por intermédio de um processo abrangente de desestatização [3], de modo que o aprimoramento da tecnicidade e independência das agências no Brasil parece se relacionar muito mais com a necessidade de atração do investimento privado, a partir da ampliação da segurança jurídica, do que necessariamente à regulação dos serviços públicos.

O contexto diferenciado de desenvolvimento das agências reguladoras no Brasil, no entanto, não afasta o importante papel da regulação enquanto finalidade precípua das agências. Por outro lado, um discurso reducionista, que desconsidera outras importantes atuações desses órgãos — a exemplo da sua relevante função de intermediação de conflitos —, também não se mostra condizente com a realidade dos serviços públicos em nosso país.

Pela ausência de uma regulamentação geral e pela indefinição também presente no debate doutrinário, não há uma resposta única sobre a possibilidade de atuação das agências reguladoras nas concessões de serviços públicos. A matéria, assim, acaba regulada de forma casuística, a depender do setor regulado [4].

Sob o ponto de vista pragmático, são muitas as idiossincrasias da máquina pública brasileira que justificariam a manutenção das agências como poder concedente. Um desses aspectos seria o fato de que parte dos ministérios e secretarias setoriais não possuem quadro fixos para promover processos complexos de delegação de serviço público. As agências, de outro lado, costumam possuir equipes qualificadas, com comissões permanentes de outorga, cujos membros são dotados de independência funcional, o que tende a conferir maior estabilidade para a consecução de projetos.

Sendo uma realidade posta — não necessariamente exclusiva de nosso país [5] —, ao invés de se coibir essa atuação sem um debate mais amplo com os stakeholders dos diferentes setores da infraestrutura e da própria sociedade, enquanto usuária dos serviços regulados, parece prudente se identificar se os riscos, de fato, excedem as oportunidades, e, a partir disso, se pensar em modelos jurídicos que se revelem adequados à realidade, mas também aos arranjos normativos comumente empregados em nosso sistema.

De qualquer forma, pensando-se em um modelo institucional ideal, temos que o mais adequado seria a administração pública central figurar como poder concedente. A atribuição de tal tarefa aos órgãos reguladores pode tanto afastá-los de sua natureza como impor riscos à sua necessária independência. Não é da essência das agências reguladoras funcionar como parte contratual, sob o risco de comprometimento de sua neutralidade para compor os interesses envolvidos no setor regulado. Trata-se, por certo, de temática a ser debatida de forma mais ampla, de modo a se assegurar o fino equilíbrio entre a higidez do sistema jurídico-constitucional vigente e os direitos e garantias individuais e coletivos assegurados pela adequada prestação dos serviços públicos.

 

[1] A síntese desse debate é muito bem delineada em ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 590-593.

[2] O surgimento da regulação nos Estados Unidos da América se deu em meio à crise do capitalismo, em que havia demanda por uma regulação estatal forte, impedindo o domínio do capital privado. Para um histórico mais completo do tema, vide FAJARDO, Gabriel Ribeiro. Agências reguladoras como poder concedente nos contratos de concessão. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais, 2023.

[3] BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras independentes e democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, v. 240, p. 147–167, 2005. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43622. Acesso em 29/9/2023.

[4] De modo exemplificativo, cite-se o caso do setor portuário, em que há clara distinção entre as funções assumidas pelo Poder Concedente, exercido pela União, por intermédio do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, e as funções da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), conforme previsões dos artigos 1º a 3º do Decreto Federal nº 8.033/2013.

[5] Em Portugal, por exemplo, a agência reguladora dos serviços de mobilidade e dos transportes é autorizada a figurar como poder concedente, conforme dispõe o artigo 3º, item 4, alínea “r”, do Decreto-Lei nº 236/2012: “Art. 3º. (…). 4 – São atribuições do IMT, I. P., em matéria de infraestruturas rodoviárias, incluindo matérias específicas relativas à rede rodoviária nacional: (…) r) Exercer, no âmbito da gestão e exploração da rede rodoviária, os poderes e as competências atribuídas ao concedente Estado, por lei ou por contrato, exceto se estes previrem expressamente a intervenção dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e dos transportes, sem prejuízo da faculdade de subdelegação”. A autorização conferida a essa agência, contudo, parece ser isolada no país, na medida em que agências de outros setores regulados não possuem tal atribuição (vide: Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos, art. 24, 1º, f, da Lei 10/2014; Autoridade Nacional da Aviação Civil, Decreto-Lei 40/2015; Entidade Reguladora de Serviços Energéticos, art. 13 do Decreto-Lei 97/2002; Autoridade Nacional de Comunicações, art. 8º, 2-“b” do Decreto-Lei 39/2015, dentre outros).

 

Artigo originalmente publicado no Portal Consultor Jurídico, em 04.10.2023.

Passageiros de Congonhas vão começar a perceber melhorias em 2023, dizem especialistas

Passageiros de Congonhas vão começar a perceber melhorias em 2023, dizem especialistas

Passageiros só começarão a perceber melhorias em Congonhas em 2023 Edilson Dantas/Agência O Globo

 

Os passageiros que utilizam o Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo, vão começar a observar melhorias em sua infraestrutura a partir de 2023, segundo especialistas consultados pelo GLOBO. Primeiro serão mudanças pontuais, como um sinal de Wi-Fi mais potente, ampliação da sinalização, além de novos assentos para espera, tendo como base o que aconteceu com outros aeroportos concedidos à iniciativa privada. A previsão é que o contrato de concessão com a Aena seja assinado apenas em fevereiro.

Já as grandes mudanças estruturais, que envolvem obras de ampliação e melhoria da infraestrutura do terminal, como áreas de embarque, check-in, despacho e entrega de bagagens, aduana e imigração, deverão acontecer ao longo dos próximos cinco anos, dizem os especialistas.

— Pelo edital, a nova concessionária terá que investir R$ 2,5 bilhões nos próximos cinco anos. Só no final desse período é que de fato os passageiros terão um novo Aeroporto de Congonhas. A diferença para a Infraero é que o concessionário privado tem a obrigação de oferecer serviços e uma infraestrutura adequada para expandir a capacidade do terminal — diz David Goldberg, sócio e diretor da Terrafirma Consultoria, que elaborou os estudos de mercado e a modelagem econômico-financeira de todos os aeroportos da 7ª rodada de concessões.

 

Ampliação de espaço

Isso, em tese, significa o fim de locais de embarque e desembarque apinhados de gente, demora na entrega de bagagens. Hoje, a capacidade do terminal está estimada pela Infraero em 17 milhões de passageiros/ano. Nos estudos feitos para a concessão, o governo estimou que este número pode chegar a 35 milhões nos próximos anos.

No Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), a recomendação feita pelos consultores é que, para atender todas as exigências de ampliação de espaço, seria necessária a construção de um novo terminal. O prédio seria erguido no local onde hoje funcionam os hangares de manutenção e a sede da Gol, o serviço de táxi aéreo e também a parte de pátio remoto do terminal. Mas no edital, não há previsão de um novo terminal.

Na prática, a Aena não tem a obrigação de construir um novo terminal, mas precisará atender às exigências de ampliação de espaços previstas no edital com soluções que achar viáveis. A Aena informou que, como o contrato de concessão não foi assinado, as definições ocorrerão mais tarde.

O advogado Luis Fernando Zenid, sócio da área de Infraestrutura do DSA Advogados, lembra que o prazo para a nova concessionária fazer as melhorias em Congonhas é de cinco anos, enquanto nos demais aeroportos da 7ª rodada de concessões é de 36 meses. Isso mostra a complexidade de modernizar um terminal antigo e com espaço limitado.

— O caminho de Congonhas não vai ser fácil, e a concessionária vai ter que ter um plano para dirimir os conflitos que vão aparecer, seja com usuários, vizinhos, companhias aéreas. Certamente, os passageiros terão que conviver com muitas obras nos próximos anos — diz Zenid.

 

Mais concorrência

Outra mudança que deve acontecer é o aumento dos slots (direito de pousar e decolar) dos atuais 40 para 44. Isso significa que haverá uma expansão na oferta de voos e, dependendo da distribuição que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) fizer entre as companhias, a concorrência deve aumentar. Isso pode se refletir no preço da passagem.

— Com mais concorrência, mais voos e possibilidade de atração de novas companhias, o passageiro pode ser beneficiado com redução do preço das passagens — diz o advogado especialista em infraestrutura Luiz Felipe Graziano, sócio de Giamundo Neto Advogados.

Mais uma alteração que o consumidor verá em breve é a maior oferta de lojas, cafés e restaurantes no terminal — ganhando uma cara de “shopping center”. O edital não obriga a concessionária a implementar essas mudanças. Mas trata-se de uma fonte de renda importante e há interesse das concessionárias, pois os comerciantes pagam para fincar sua bandeira no aeroporto, além de repassar uma porcentagem nas vendas.

— Embora mais lojas tragam mais concorrência, o preço dos produtos acaba sendo mais alto. Isso ocorre em qualquer aeroporto do mundo — diz Goldberg, da Terrafirma.

Ele lembra que haverá investimento em itens invisíveis ao passageiro, mas que melhoram a segurança do terminal — e ajudam a expandir sua capacidade. Por exemplo, a readequação da distância das aeronaves que estão nos fingers (pontes de embarque).

— Não significa que o aeroporto é inseguro. Mas ao corrigir essas pequenas “infrações” libera-se capacidade de pista, melhorando as condições de segurança — diz Goldberg.

 

Matéria originalmente publicada no O Globo, em 20.08.2022, por João Sorima Neto.

Alta de custos pode atrasar obras de infraestrutura, e concessionárias tentam rever contratos

Alta de insumos encarecem projetos de infraestrutura, bandeira da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Concessões tentam rever contratos

A alta de até 80%, desde o início do ano passado, no preço de insumos fundamentais para projetos de infraestrutura virou um problema para concessionárias de rodovias, ferrovias e aeroportos e uma dor de cabeça para o governo a menos de três meses da eleição.

Asfalto, aço e diesel, entre outros itens ligados à construção civil, dispararam em meio ao processo inflacionário global agravado pela guerra na Ucrânia. A alta nos custos ameaça frear obras das concessionárias, que falam em revisão de contratos num momento em que o governo está mais interessado em mostrar máquinas trabalhando. Construtoras que tocam obras públicas têm as mesmas dificuldades.

As concessionárias têm alertado o governo de que os custos mais altos podem atrasar obras e até prejudicar serviços de manutenção, com consequências para usuários. Esperam algum tipo de compensação para cumprirem metas assumidas nos leilões.

A lista de aumentos com forte peso no caixa das empresas é encabeçada pelo cimento asfáltico de petróleo, um dos materiais mais usados em qualquer projeto de rodovias. O insumo subiu 80% nos últimos 18 meses. Mas a alta de preços da construção civil se espalhou para itens como aço, tubos de PVC, ligantes betuminosos, madeira, cobre e óleo diesel.

As empresas de construção também reclamam dos preços dos insumos, como vergalhões, arames de aço ao carbono e cimento. Este último, somente no primeiro semestre, teve reajuste médio de 16,84%.

Em geral, as empresas tentam convencer o governo sobre a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Isso pode significar, na prática, aumento de tarifas e de prazos estabelecidos nos contratos, entre outras medidas. Há problemas em concessões antigas e também nas celebradas no governo de Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição em outubro.

— Existem, sim, problemas detectados no fluxo de caixa das concessionárias. O importante é que haja a construção da solução — diz Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR).

Ele reforça que obras podem atrasar: — Sem dúvida, sem mudanças, é possível falar em atraso, porque não tem conta que se pague. O risco que corre é o cronograma ficar comprometido.

Juro complica situação

Uma onda de revisão de contratos pode atingir em cheio uma das possíveis vitrines de Bolsonaro no ano eleitoral: a área de infraestrutura, que alçou o ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) à condição de candidato bolsonarista ao governo do Estado de São Paulo.

Em 2021, por exemplo, o governo federal assinou três concessões de rodovias: BR-116/101, entre São Paulo e Rio de Janeiro; BR-153/080/414, que abrange regiões de Goiás e Tocantins; e BR-163/230, cuja área contempla Mato Grosso e Pará.

O remédio aplicado pelo Banco Central para combater a inflação, a alta dos juros, dificulta ainda mais a situação com o aumento do custo dos financiamentos.

— A situação é muito difícil, até porque o problema dessa inflação não se resolve com taxas de juros elevadas. O caso de rodovias é bastante significativo. Serviços de manutenção e conservação de estradas são afetados, assim como projetos em andamento — diz o presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini.

Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), diz que a alta do diesel levou a entidade a pedir à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) uma revisão extraordinária dos tetos tarifários.

Ele afirma que o setor é muito impactado pelos “fortes e inesperados aumentos do preço do diesel”, que move as máquinas nos canteiros de obras, e cobra resposta rápida da agência:— O impacto da alta dos principais insumos para investimentos em ferrovias, assim como rodovias, portos e aeroportos, certamente demandará revisão dos contratos com previsão de investimentos.

Ele explica que um dos argumentos usados pelas concessionárias é o de que os reajustes anuais dos tetos tarifários seguem o IPCA ou o IGP-DI. Esses índices, enfatiza, não refletem a real inflação de custos do setor, cujos insumos estão subindo bem acima da média. — Temos a nossa inflação, que não é a inflação do dia a dia. O preço do aço subiu cerca de 70% em 2021 — exemplifica Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer).

Romaria em Brasília

Ao GLOBO, o Ministério de Infraestrutura e a ANTT confirmaram que têm tratado do tema com as concessionárias, mas informaram que, até o momento, não chegou nenhum pedido formal de revisão contratual. Porém, essa escalada de preços não cria um problema só para os contratos de concessões. Também encarecem as operações de construtoras que executam obras públicas. As empresas do setor tem feito romaria em Brasília em busca de reajustes nos contratos.

“O Ministério da Infraestrutura acompanha as eventuais variações de preços de insumos que possam afetar o setor. O sistema de orçamentação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é baseado no Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), cuja atualização é periódica e é amplamente utilizado como referencial de custos para obras rodoviárias”, informou a pasta em nota.

A Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa) informa que acompanha com apreensão a escalada dos preços dos insumos para a construção civil, com aumentos expressivos desde meados de 2020.

“As concessionárias do setor têm de cumprir metas contratuais de investimento em ampliação da infraestrutura e a alta, em alguns casos de mais de 50%, observada nos preços de materiais pesados impacta fortemente as previsões de custos estabelecidas nesses contratos de concessão”, afirma em nota.

 

Aeroporto foi devolvido

Parte dos aeroportos administrados pela iniciativa privada conseguiu reequilibrar contratos neste ano, após o forte impacto dos primeiros anos da pandemia. Uma das empresas que pediu revisão e não teve êxito, a Changi decidiu partir para uma medida mais drástica: devolver a concessão do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio.

A decisão acabou levando o governo a tirar o Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio, do pacote de terminais a serem concedidos neste ano, atrasando ainda mais investimentos no setor. Os terminais cariocas só devem ir a leilão no ano que vem.

O advogado Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto, acredita que o cenário pode gerar disputas na Justiça: — Quando há inflação no custo das obras, normalmente, não há espaço para repasse automático nos contratos firmados com os poderes públicos, que estão amarrados nos termos dos editais que os precederam. Isso pode levar a uma onda de judicialização desses contratos em busca do reequilíbrio econômico.

Especialista em contratos de infraestrutura, Giuseppe Giamundo Neto defende revisão. — Trata-se de uma problemática que atinge boa parte das concessões de infraestrutura com obras em desenvolvimento. Houve descolamentos inesperados dos padrões históricos de índices relacionados a materiais como asfalto, aço galvanizado, cimento Portland, dentre outros. É algo extraordinário e absolutamente imprevisível, que tem onerando demasiadamente o fluxo de caixa, daí a necessidade de imediata correção — argumenta o sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

Ernesto Tzirulnik, especialista em contratos de infraestrutura e doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP, avalia que a alta nos insumos se encaixa no critério de fator “imprevisível ou de consequências incalculáveis”, com entendimento, segundo ele, já consolidado do Tribunal de Contas da União (TCU).

 

Matéria de Eliane Oliveira, originalmente publicada em 18.07.2022, no O Globo (https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2022/07/alta-de-custos-pode-atrasar-obras-de-infraestrutura-e-concessionarias-tentam-rever-contratos.ghtml)

Para analistas, leilão conjunto é oportunidade no RJ

Licitação em bloco de Santos Dumont e Galeão em 2023 é viável e pode fortalecer Estado como “hub” nacional

A licitação conjunta dos aeroportos Santos Dumont e Galeão, no segundo semestre do ano que vem, é positiva não apenas para o Rio de Janeiro, mas para o sistema de aviação civil do país. E há tempo hábil para se desenhar uma modelagem que permita a licitação dos dois ativos em 2023.

Essa é a visão de especialistas consultados pelo Valor, segundo os quais é possível o leilão no ano que vem mesmo com uma possível mudança de governo. Segundo eles, a união dos dois aeroportos em um único bloco vai criar um sistema capaz de fortalecer a cidade como um “hub” de distribuição interna, sem que se corra o risco de aumento tarifário.

A decisão de licitar os dois aeroportos em um único bloco em 2023 foi anunciada pelo ministro Tarcísio Freitas após a concessionária RioGaleão, cujo controlador é a cingapuriana Changi, confirmar pedido de relicitação.

Para Delmo Pinho, ex-secretário de Transportes do Rio e representante da Fecomércio-RJ no grupo de trabalho que discutia com o governo federal a modelagem para a licitação do Santos Dumont, “é muito ruim para o país quando um grande operador internacional sai” de uma concessão.

Mas Pinho pondera que a saída da Changi criou um cenário mais favorável para o Rio voltar a ser “hub” relevante na aviação nacional. “O novo dono da concessão não vai dar tiro no pé e o resultado pode ser excelente para Rio e Brasil. Teremos concorrente de peso num mercado importantíssimo e trabalhando de forma cooperada”.

Para ele, é possível licitar os dois aeroportos conjuntamente no 2º semestre de 2023, mesmo considerando possível mudança de governo após as eleições. “Uma modelagem bem feita e de consenso não se muda. Temos esse ano para chegar a um consenso”, ressalta, lembrando que é preciso uma cláusula de barreira que impeça participação de concessionários de  ativos como Guarulhos, Viracopos e Brasília no leilão. “Temos que impor cláusulas de barreira para evitar monopólio privado.”

Eduardo Rebuzzi, representante da Associação Comercial do Rio no grupo de trabalho do Santos Dumont, nega que dois aeroportos geridos pelo mesmo concessionário signifique risco de monopólio. “Uma vez adquiridos pela mesma empresa, é óbvio que [concessionários] vão procurar criar equilíbrio entre os dois aeroportos”, diz.

Para o advogado Luiz Felipe Graziano, sócio do Giamundo Neto Advogados, a licitação em 2023 é “totalmente factível”, mesmo com a dependência de novas etapas, como audiências públicas e análise do Tribunal de Contas da União (TCU). “O combustível para viabilizar a licitação é a convergência de interesses”.

Graziano também lembra que a iniciativa de concessão de ativos aeroportuários começou a ser modelada e realizada ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, passou por Michel Temer e continuou com Jair Bolsonaro. “Como isso atravessou três governos com perfis bem diferentes, é possível que sobreviva a uma alternância de poder.”

Maurício Menezes, sócio do escritório Moreira Menezes Martins, diz que unir os aeroportos “acaba sendo uma solução”, mas pondera que há a necessidade de um “amplíssimo” diálogo com a iniciativa privada. “É uma oportunidade para reflexão sobre a melhor forma [de fazer a modelagem] não apenas pela ótica do setor público, mas principalmente do privado.

Ele ressalta que não haverá competição “deletéria” entre os aeroportos, e acrescenta que há a vantagem da diluição de riscos, com dois ativos grandes no mesmo bloco. Menezes minimiza temores sobre encarecimento de tarifas pois, diz, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) tem poderes para evitar a escalada tarifária.

Em entrevista à “Veja” no fim de semana, o ministro disse que não é o Santos Dumont que rouba passageiros do Galeão, mas o Rio que perde visitantes. A declaração foi rebatida pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, no Twitter, para quem as declarações do ministro a respeito do Galeão “são sempre equivocadas, não condizentes com a verdade e pouco elegantes com o Rio”. Ele pediu para “parar de conversa fiada com o Rio”.

Matéria originalmente publicada em 13.02.2022, por Rafael Rosas, no Valor Econômico.

BNDES acelera projeto de saneamento no Nordeste e prevê R$ 15,5 bilhões

Estimativa é que quatro blocos na região cheguem ao mercado até o fim do ano que vem

Na esteira do leilão de concessões de água e esgoto da região metropolitana de Maceió (AL), cuja arrecadação somou R$ 2 bilhões, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem mais quatro projetos de saneamento no Nordeste previstos para chegar ao mercado entre o quarto trimestre deste ano e o último de 2022. O cronograma inclui a licitação de concessões na Paraíba e em mais dois blocos de municípios em Alagoas, além de uma Parceria Público-Privada no Ceará. O investimento total estimado é de R$ 15,5 bilhões, e a população beneficiada, de 8,28 milhões de habitantes.

Só os investimentos projetados para a PPP dos serviços de coleta e tratamento de esgoto em 23 municípios cearenses totalizam R$ 8,6 bilhões. A previsão é de que o leilão ocorra ainda este ano, entre outubro e dezembro. Dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) indicam que em 2019 pouco mais de um quarto da população cearense era atendida por rede de esgoto.

A opção por uma PPP em vez de uma licitação das concessões de serviços de coleta e tratamento de esgoto levou em consideração uma análise técnica dos indicadores de saneamento, inclusive o acesso da população à água potável, explica Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas do BNDES.

Em Alagoas, outros dois blocos de municípios – além das 13 cidades da região metropolitana incluídas na licitação de setembro – deverão ter concessões leiloadas no primeiro trimestre de 2022, conforme a programação da BNDES. “O ‘efeito demonstração’ vale muito. Todo mundo olha Alagoas e diz: ‘Quero ter igual’”, resume Abrahão. Juntos, os novos blocos somam 89 municípios. A injeção de recursos é estimada em R$ 2,9 bilhões.

Sócio do escritório Giamundo Neto Advogados, Luiz Felipe Graziano destaca a percepção positiva do mercado a respeito da participação da estatal Sabesp (consorciada à Iguá Saneamento) no leilão de Alagoas. “Foi um indicativo muito interessante. Abriu a perspectiva para novos players [participantes]”, opina o advogado. Fundos de investimento buscam operadores privados de menor porte e até empresas estaduais bem administradas para entrar na disputa por concessões, conta Graziano.

A modelagem do processo de entrada da iniciativa privada nos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário está na fase inicial na Paraíba, com a contratação de consultores. “Estamos fechando a contratação com o BNDES, que vai estruturar um projeto nessa importante área da infraestrutura do Estado”, disse o governador da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania).

Em nota, ele esclareceu que o BNDES trabalhará em conjunto com a Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa) para apresentar “a melhor alternativa” de recursos, em parceria com a iniciativa privada. O alcance inicial estabelecido para o projeto é de 96 municípios. A Cagepa presta serviços na maior parte (81,2%) dessas cidades. Pelas contas do BNDES, serão beneficiados 2,2 milhões de habitantes, o equivalente a 55% da população da Paraíba.

Na região Norte, o banco de fomento conversa com os governos de Rondônia e Roraima. Em Rondônia, está em discussão o modelo de contrato que seria assinado entre o BNDES e o Estado – fase anterior à da modelagem. Também estão em estágio inicial as negociações com Roraima.

Pelo menos até o fim de janeiro havia a expectativa de o governo baiano licitar concessões da Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa). Segundo apurou o Valor, o governo estadual comunicou sua desistência ao BNDES. Por e-mail, a Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) da Bahia informou que estuda “a melhor modalidade de contratação para os estudos das concessões dos serviços de saneamento básico.”

Previsto para o segundo trimestre deste ano, o leilão no Acre foi cancelado porque o Estado desistiu de ofertar a concessão plena de seus serviços de saneamento básico.

 

Matéria de autoria do jornalista Rodrigo Carro, do Valor Econômico, publicada em 09.03.2021.