Quando Sicro e Sinapi não são suficientes: como formular referenciais de preço?

por Davi Madalon Fraga

A boa prática de orçamentação em obras públicas prescreve que o orçamento de referência para as licitações e contratos deve ser formulado a partir dos referenciais oficiais de preços, notadamente o Sicro e o Sinapi, conforme determinação dos art. 4º e 5º do Decreto 7.983/2013.

Sabe-se que esses sistemas de referências de preços, elaborados por órgãos da própria Administração Pública, são específicos para determinados tipos de obra – rodoviárias, no caso do Sicro, e civis comuns, no caso do Sinapi –, que contemplam as variações de custos de insumos e mão de obra nas diversas regiões do país, bem como passam por atualizações constantes, prestando-se, sem dúvidas, a balizar de maneira fidedigna a orçamentação dos empreendimentos públicos que acontecem no Brasil.

Contudo, em determinadas situações, algumas espécies de serviços, dada a sua complexidade, ou para certas modalidades de contratação e até mesmo tipos peculiares de obras, a adoção indiscriminada dos referenciais constantes desses sistemas pode não ser a melhor prática para representar os custos que serão efetivamente incorridos no decorrer da implantação de determinado projeto.

Essas situações são rotineiramente identificadas pelos órgãos licitantes da Administração Pública, que precisam identificar alternativas escorreitas para saneá-las, evitando que os preços sejam maiores que aqueles praticados pelo mercado e, assim, garantir a prática de valores competitivos e preservar o Erário.

Trata-se de procedimento que deve ser realizado com muito critério, de maneira transparente, conforme critérios objetivos, devidamente formalizado em competentes processos administrativos, para que sejam evitados questionamentos futuros por parte dos órgãos de controle.

O mesmo se aplica quando da formulação de preço para inclusão de serviço novo a contrato já em curso, nas hipóteses em que tal item não encontre equivalente nos sistemas de preço referenciais oficiais. Afinal, os mesmos princípios que pautam a elaboração de um orçamento para balizar uma licitação são aqueles a serem aplicados para incorporação de novos valores a uma contratação em andamento.

Para trazer maior segurança jurídica a essa espécie de situação e conferir grau de confiança e confiabilidade aos gestores públicos e particulares envolvidos na contratação, o Tribunal de Contas da União vem construindo e firmando sua jurisprudência com orientações para a forma como essa precificação – de itens, serviços e obras não compatíveis com os sistemas de preço referenciais – deve ocorrer.

Recentemente, foi publicado o Acórdão 2401/2022, por meio do qual o plenário da Corte de Contas sintetizou e consolidou essas orientações:

  • fazer constar formalmente nos autos do processo de precificação os parâmetros de busca introduzidos (as palavras chaves, o período, as especificações etc.) com a impressão da página da web e outros os documentos, bem como os dados inerentes à pesquisa, a exemplo do responsável pela pesquisa, órgão consultado, número da licitação, nome do vendedor, meio de consulta, data da pesquisa, URL do site, CNPJ do fornecedor, quantidade, valor, especificação do objeto e demais condições de pagamento e entrega;
  • na cotação direta com os fornecedores, somente admitir os preços cujas datas não se diferenciem em mais de cento e oitenta dias, ou seja, nenhuma proposta direta de fornecedor deve conter diferença de data maior que cento e oitenta dias quando comparadas às demais em um grupo de pesquisa de preços junto a fornecedores no mesmo processo;
  • para a obtenção do resultado da pesquisa de preços, não considerar os preços inexequíveis ou os excessivamente elevados, conforme critérios fundamentados e descritos no processo administrativo;
  • buscar, na pesquisa de mercado, o mínimo de três cotações de fornecedores distintos e, caso não seja possível obter esse número de cotações, elaborar justificativa circunstanciada.

Adotando-se esse roteiro de providências, garante-se a lisura do procedimento de precificação, permite-se ao gestor público ter segurança na decisão de contratar um preço não constante dos sistemas referenciais, traz-se maior confiança ao contrato celebrado, e, ao final, garante-se a proteção do Erário.

Artigo originalmente publicado no Portal da Infra, em 21.12.2022.

Giamundo Neto integra consórcio contratado pela CEF para modelagem de dois projetos de gestão de resíduos sólidos, um em MG e outro em SP

Giamundo Neto integra consórcio contratado pela CEF para modelagem de dois projetos de gestão de resíduos sólidos, um em MG e outro em SP

Em Divinópolis, na última quinta-feira (31/03), ocorreu o encontro oficial para apresentar a equipe técnica vencedora do edital da Caixa Econômica Federal, contratada pela referida instituição financeira para serviços de consultoria de modelagem e estruturação de projeto de gestão de resíduos sólidos e limpeza urbana para o Consórcio Intermunicipal de Aterro Sanitário do Centro Oeste Mineiro – CIAS Centro Oeste.

A equipe de consultores é formada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), pela assessoria de engenharia Planos Engenharia e pelos escritórios de advocacia Felsberg e Giamundo Neto Advogados (GNA).

Os consultores têm como objetivo estruturar todo o projeto, com a análise de viabilidade econômico-financeira, estudos de engenharia e exame dos impactos socioambientais, bem como a análise dos principais aspectos jurídicos e regulatórios, além do apoio na preparação dos documentos licitatórios.

Com base nas informações apuradas, o CIAS recebe a indicação da modelagem que atende às exigências da região e, dessa forma, estará apto a buscar parceiros e recursos, no âmbito dos Programas de Parceria de Investimentos (PPI), do governo federal.

O projeto abrange 35 municípios, pertencentes a CIAS Centro Oeste. São eles: Abaeté, Araújos, Bambuí, Biquinhas, Bom Despacho, Carmo do Cajuru, Cedro do Abaeté, Conceição do Pará, Córrego Danta, Divinópolis, Dores do Indaiá, Estrela do Indaiá, Igaratinga, Leandro Ferreira, Luz, Maravilhas, Martinho Campos, Moema, Morada Nova de Minas, Nova Serrana, Onça de Pitangui, Paineiras, Papagaios, Pequi, Perdigão, Pedra do Indaiá, Pitangui, Pompéu, Quartel Geral, Santo Antônio do Monte, São Gonçalo do Pará, São José da Varginha, São Sebastião do Oeste, Serra da Saudade e Tapiraí, e beneficiará cerca de 600 mil pessoas. 

Já no próximo dia 12/04 está programada a apresentação, em Ribeirão Preto, da equipe ao Consórcio de Municípios da Mogiana – CMM, para o início dos trabalhos nesta outra frente.

A MP 1065/2021 do Marco Legal do Transporte Ferroviário: medida necessária ao desenvolvimento do Brasil

por Camillo Giamundo e Gabriela Soeltl

Um novo marco legal do transporte ferroviário, anunciado como um dos mais importantes projetos estratégicos para o país, foi estabelecido pela Medida Provisória 1065/2021, publicada no último dia 30 de agosto, tendo como propósito a regulação da exploração da malha nacional, incluindo as ferrovias privadas.

Além de criar as figuras do Operador Ferroviário Independente e da Administradora Ferroviária, pessoas jurídicas responsáveis pela prestação de serviços de logística e de transporte ferroviário, respectivamente, o principal aspecto da MP é a desburocratização do procedimento de autorização para construção de novas ferrovias, visando facilitar a exploração, pela iniciativa privada, de linhas curtas (“short lines”), e assim promover a atração de investimentos privados ao setor, o que também será realizado por meio do Programa de Autorizações Ferroviárias (PAF). Outro objetivo intrínseco da medida é o aumento da capacidade desse tipo de modal no país, com a consequente redução dos custos de logística, ampliação da concorrência e a entrada de novos players.

A iniciativa é bem-vinda. Embora com grandes possibilidades, o Brasil possui uma malha ferroviária insuficiente e mal distribuída, considerando as dimensões continentais do país. Segundo a exposição de motivos da MP, cerca de 30% das ferrovias encontram-se subutilizadas ou não possuem operação comercial, fato que impõe reflexos na eficiência e participação do setor na economia e infraestrutura brasileira, além de propiciar novas oportunidades de trabalho, reaquecendo todo o mercado nacional, em virtude dos efeitos da pandemia.

A superação dessa deficiência é uma das intenções do novo marco legal, ao possibilitar, por exemplo, a construção de novas ferrovias através de autorização simplificada, sem necessidade de licitação, bem como a revitalização de trechos desativados, devolvidos ou ociosos, para os quais também será permitida a autorização, a partir da abertura de processo de chamamento público.

Ao acolher o instituto como uma possibilidade de exploração pelo regime de direito privado, a MP se alinha aos estados do Mato Grosso, Pará e Minas Gerais, que criaram a autorização ferroviária estadual para incentivar o investimento privado em infraestrutura – e que apresentam resultados positivos -, e repetem experiência semelhante àquela vivenciada nos setores de telecomunicação, portuário e aeroportuário, que contam com a outorga de autorizações aos privados.

No sistema vigente, as ferrovias públicas possuem operação com base em concessão ou permissão, mediante processo licitatório, para construção e exploração dos trechos. Contudo, os entes públicos já avaliavam a incorporação da autorização, conforme arts. 21, XII, “d” e 170 da Constituição Federal, em virtude da burocratização gerada pelos institutos com regime de direito público e a ausência de atratividade ao setor privado.

Pontos sensíveis levantados pela Proposta de Legislação Federal 261/2018, que deu início ao marco instituído pela MP 1065/2021, foram os limites da regulação e o necessário equilíbrio entre os aspectos da autorização, e os direitos e deveres das concessionárias. No atual cenário, em que as ferrovias são exploradas por concessão ou permissão, a inserção de uma nova possibilidade de exploração, agora pelo regime de direito privado, implicaria inegável assimetria regulatória, diante da coexistência de regimes divergentes.

A preocupação foi respondida pela MP 1065/2021 ao estabelecer um procedimento para a migração ao regime de autorização, considerando eventual prejuízo sentido pela concessionária com a operação de ferrovia autorizada. De acordo com o art. 34 da medida provisória, a decisão relativa ao processo de migração – ou adaptação, conforme expressão utilizada pelo dispositivo -, caberá ao Ministério da Infraestrutura, além de ser condicionada à inexistência de multas ou encargos setoriais não pagos à União, manutenção das obrigações financeiras, prestação de serviço adequado e manutenção de serviços de transporte de passageiros no novo contrato de autorização, quando a concessionária já operar linha regular de transporte de passageiros (§5º do art. 34).

De qualquer forma, regulado o processo de migração, a exemplo do que ocorreu no setor de telecomunicações, é possível que a assimetria regulatória oportunize o esvaziamento das concessões ferroviárias, facilitando a adaptação ao regime de autorização, sem prejuízo ao interesse público, em razão das condições a serem cumpridas pela concessionária.

Vê-se que a MP 1065/2021 almeja o crescimento econômico, efetivo e sustentável, do setor de ferrovias nacional, com o estabelecimento de previsões importantes para que as outorgas de autorização ocorram com o comprometimento à segurança jurídica e à eficiência de toda a infraestrutura.

Espera-se que esse seja o objetivo principal da regulação no Brasil, possibilitando que o Direito possa contribuir na correção de falhas de mercado, sem prejuízo da estabilidade das regras econômicas e jurídicas até então vigentes.

 

Artigo originalmente publicado em 09.09.2021, na coluna Gestão, Política & Sociedade, do Estadão.