Artigo: Os critérios de julgamento na nova Lei de Licitações (arts. 33 a 39)

por Camillo Giamundo

A Lei nº 8.666/93 não havia dedicado capítulo ou seção específica para os critérios de julgamento, como fez a Lei nº 14.133/21. As definições e instruções de avaliação das propostas nos certames estavam vinculadas aos “tipos de licitação”, expressão não mais utilizada no novo diploma legal.

Na Lei 8.666/93, o artigo 44 dispunha que, no julgamento das propostas, a Comissão deve levar em consideração critérios objetivos, previamente definidos no edital ou convite, e que não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos na lei.

No artigo 45, o diploma legal previa que, além dos critérios objetivos, previamente definidos no edital, a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite deveria, quando do julgamento das propostas, realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação: (i) menor preço; (ii) melhor técnica; (iii) técnica e preço; e (iv) maior lance ou oferta, em casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.

Com a atualização, a Lei nº 14.133/21 manteve similares os quatros critérios acima identificados, trazendo ainda, em seu artigo 33 e incisos II e VI, os critérios de maior desconto e maior retorno econômico.

Apesar da novidade da previsão legal, os novos critérios estabelecidos na Lei nº 14.133/21, a bem da verdade, apenas tipificam práticas já costumeiras em certames licitatórios, sendo oportuna a sua inclusão e previsão.

A definição do critério de julgamento enseja a vinculação da Administração Pública licitante quanto à análise e seleção das propostas, especificamente quanto ao foco específico pretendido e priorizado quando da escolha.

Isso porque, a título exemplificativo, embora em uma licitação que utilize o critério de julgamento de “menor preço” haverá previsão de atendimento a requisitos mínimos de qualificação técnica por parte dos proponentes, em um certame em que se adotar o critério “técnica e preço”, tais exigências deverão ter uma importância, complexidade e definição muito mais aprofundada.

A importância da definição do critério de julgamento, portanto, vincula a Administração Pública, que deverá estipular regras claras, objetivas e adequadas ao “tipo” por ela selecionado e que melhor se adeque ao objeto da futura contratação, evitando-se subjetivismos, dúvidas e incertezas quanto ao procedimento a ser seguido não apenas por ela, mas pelos proponentes interessados.

 

  • Menor preço (Art. 33, inc. I)

A antiga Lei nº 8.666/93, em seu art. 45, §1º, inciso I, definia “menor preço” como sendo o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração em que se determinava vencedor o licitante que apresentasse a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertasse o menor preço.

O critério “menor preço” foi mantido, no artigo 33, inciso I, da Lei nº 14.133/21, e o conceito de tal julgamento ganhou destaque no artigo 34, ao preconizar que o julgamento por menor preço “considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação”.

Significa dizer que, na nova Lei nº 14.133/21, a preocupação do legislador é clara: não basta que a proposta do licitante seja a mais econômica. Ela só será a mais vantajosa se o proponente também atender aos parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação.

A novidade trazida pela Lei nº 14.133/21 diz respeito ao §1º do art. 33, que dispõe que os custos indiretos relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, desde que objetivamente mensuráveis, conforme disposto em regulamento.

Além disso, a adoção do critério de julgamento pelo menor preço também deve observar, quando do recebimento, análise e julgamento das propostas dos licitantes, o disposto no artigo 23 da Lei nº 14.133/21 (sem correspondência com a Lei 8.666/93), que preconiza que o valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.

É de se destacar que, da leitura das novidades do diploma legal, tem-se a seguinte conclusão: nem sempre o preço nominalmente mais baixo poderá significar a proposta mais vantajosa. Há que se observar (i) a compatibilidade com os valores de mercado – evitando-se valores inexequíveis e irreais –, e (ii) o atendimento a parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação – fator este que interfere na identificação do preço e da vantajosidade da proposta –, em busca do atendimento do objetivo de menor dispêndio para a Administração.

 

  • Maior desconto (Art. 33, inc. II)

O critério de “maior desconto”, apesar de não previsto na extinta Lei nº 8.666/93, não é bem uma novidade legislativa. Isso porque, a Lei Federal nº 12.462, de 04 de agosto de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, em seu artigo 18, inciso I, já previa o critério “maior desconto”, equiparando-o ao critério de “menor preço”, devendo ser considerado o menor dispêndio para a Administração Pública, tendo como referência o preço global fixado no instrumento convocatório, sendo o desconto estendido aos eventuais termos aditivos (art. 19, §2º), e que, em caso de obras ou serviços de engenharia, o percentual aplicado deve incidir linearmente sobre os preços de todos os itens do orçamento estimado pelo instrumento convocatório (art. 19, §3º).

Também a Lei Federal nº 13.303, de 30 de junho de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, das sociedades de economia mista e suas subsidiárias, em seu artigo 54, inciso II, trouxe o critério de julgamento de “maior desconto”, trazendo um adendo de que o percentual oferecido nas propostas ou lances vencedores se estendem a eventuais aditivos (§4º, inciso I).

E, por último, o Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019, que regulamenta o pregão eletrônico para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal, que em seu artigo 7º também previu como critério de julgamento o “maior desconto”.

A Lei nº 14.133/21, por sua vez, instituiu o maior desconto como um dos critérios de julgamento, prevendo que o preço estimado ou o máximo aceitável constará do edital da licitação (art. 24, parágrafo único), e que terá como referência o preço global fixado no edital de licitação, de modo que o desconto será estendido aos eventuais termos aditivos (art. 34, §2º).

Logo, e a partir da nova Lei de Licitações, o proponente deverá se atentar, quando da oferta do desconto, que o percentual aplicado restará vinculado até o encerramento do contrato, mesmo em sede de novos aditamentos.

Embora não seja o tema do presente artigo e afeto aos critérios de julgamento, entende-se que a regra da aplicação do mesmo percentual desconto, incidente na proposta vencedora, em futuros aditivos não é condição absoluta.

Isso porque, verificado que o desconto, ao tempo futuro, não mais representar os valores praticados de mercado, deve ele ser reconsiderado, evitando-se a onerosidade excessiva do particular contratado.

 

  • Melhor técnica ou conteúdo artístico (Art. 33, inc. III)

Critério utilizado para contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística, a melhor técnica ou conteúdo artístico consiste na avaliação exclusiva das propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes, devendo o edital definir o prêmio ou a remuneração que será atribuída aos vencedores (art. 35, Lei nº 14.133/21).

Quando do julgamento das propostas, deve-se seguir o procedimento previsto no art. 37 da Lei 14.133/21, sendo inicialmente a verificação da capacitação e experiência técnica do proponente, por meio de atestados técnicos.

Deverão ser atribuídas, ainda, notas a quesitos de natureza qualitativa, por banca avaliadora designada para esse fim, de acordo com orientações e limites definidos no edital, devendo ser considerados a demonstração de conhecimento do objeto, a metodologia e o programa de trabalho, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues.

A banca avaliadora deverá ser composta por, no mínimo, três membros e pode ser composta por servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública ou por contratação de profissionais de conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital, desde que seus trabalhos sejam supervisionados por profissionais designados pela autoridade competente.

A última etapa do julgamento consiste na atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores, e que deve ser aferida por meio de documentos comprobatórios (art. 88, § 3º da Lei 14.133/21) e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

A Lei 8.666/93 não previa a expressão “melhor conteúdo artístico”, adotada no novo diploma legal. A inclusão é oportuna, na medida em que se busca diminuir a contratação por inexigibilidade no setor artístico e passa a conferir maior competitividade na disputa, com requisitos a serem obedecidos e atendidos pela Administração Pública na escolha do conteúdo buscado.

 

  • Técnica e preço (Art. 33, inc. IV)

Já previsto na extinta Lei nº 8.666/93 (art. 45, §1º, inc. III), o critério de julgamento pela técnica e preço foi mantido na nova lei de licitações, e leva em consideração a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos a serem previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta.

O critério de julgamento pela técnica e preço deve ser escolhido, pela Administração, quando o estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos nas licitações.

Note-se que os fatores objetivos de pontuação são obrigatórios e vinculatórios, atendendo ao princípio do julgamento objetivo, consagrado no artigo 5º da Lei nº 14.133/21, que conjuga a um só tempo os princípios da isonomia, impessoalidade e vinculação ao instrumento convocatório – o qual deverá nortear toda a realização do procedimento licitatório, e de onde se extrai que o julgamento deverá ser pautada pelos critérios objetivamente fixados no edital.

Significa dizer que não há espaço para o subjetivismo, para a avaliação da proposta do licitante com base em valores e critérios obscuros, não palpáveis ou de difícil aferição.

O edital deverá dispor, de maneira clara e objetiva, os critérios que serão levados em consideração quando da avaliação das propostas, identificando os pontos a serem apresentados pelos proponentes para justificar a gradação de notas ou do julgamento de qual proposta é a mais adequada ao objeto do futuro contrato.

Quanto à aferição da pontuação dos proponentes, a Lei nº 14.133/21 prevê que as propostas técnicas deverão ser avaliadas e ponderadas e, em seguida, as propostas de preço, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica.

Tal proporção e percentuais de avaliação da proposta técnica e da proposta comercial não eram previstos na Lei nº 8.666/93, porém eram de usual e comum utilização pelos entes licitantes, reconhecidos inclusive pelo Tribunal de Contas da União.

O julgamento das propostas segue a mesma dinâmica do critério melhor técnica ou conteúdo artístico, prevista no art. 37 da Lei 14.133/21, a partir da verificação da capacitação e experiência técnica do proponente por meio de atestados técnicos, com atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa, por banca avaliadora designada para esse fim, de acordo com orientações e limites definidos no edital, considerando-se a demonstração de conhecimento do objeto licitado, a metodologia e o programa de trabalho previstos, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues.

Não menos importante, a última etapa do julgamento da proposta técnica deve levar em consideração a atribuição de nota por desempenho do licitante em contratações anteriores, a ser aferida via documentos comprobatórios (art. 88, § 3º da Lei 14.133/21).

Ainda, a pontuação referente à qualificação técnico-profissional, tal como no caso de certames que utilizem o critério da melhor técnica, exigirá que a execução do respectivo contrato tenha participação direta e pessoal do profissional correspondente (art. 38).

Por fim, há um importante destaque da nova lei de licitações, em seu artigo 34, de que o julgamento por técnica e preço também considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação. A princípio, a leitura do dispositivo em questão e o procedimento de julgamento pelo critério técnica e preço poderia levar à confusão de conceitos: afinal, a Administração deve considerar a média ponderada das notas técnica e comercial – que nem sempre representa o menor valor proposto dentre os licitantes – ou o menor valor dentre todas as propostas de preço?

A resposta está no significado de “menor dispêndio”, que não é sinônimo de “menor preço”. Menor dispêndio é a conjunção de diversos fatores, a saber: (i) a compatibilidade com os valores de mercado – evitando-se valores inexequíveis e irreais –, e (ii) o atendimento a parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação – fator este que interfere na identificação do preço e da vantajosidade da proposta –, em busca do atendimento do objetivo de menor dispêndio para a Administração.

Nem sempre um licitante que apresenta o menor preço demonstrará o melhor e mais suficiente conhecimento do objeto licitado, da metodologia e do programa de trabalho previstos, da qualificação das equipes técnicas e da relação dos produtos que serão entregues. Assim como aquele que demonstrar domínio e preponderância dos aspectos técnicos, frente aos demais licitantes, pode não lograr apresentar o melhor preço. A chave está no atendimento mais satisfatório, conforme percentuais de ponderação, do objeto licitado.

 

  • Maior lance, no caso de leilão (Art. 33, inc. V)

A Lei nº 8.666/93 previa o critério de “maior lance ou oferta – nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso”, tendo a redação da nova lei de licitações alterado para “maior lance, no caso de leilão”.

O leilão é a modalidade de licitação que a Administração Pública pretende alienar bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance (art. 6º, inciso XL). Daí a incidência do critério de julgamento de maior lance, em que o maior retorno financeiro representa o objetivo da licitação promovida.

Importante observar que a definição trazida pelo art. 6º, inciso XL, da Lei nº 14.133/21, acabou por excluir a previsão de leilão para concessão de direito real de uso, até então prevista na Lei nº 8.666/93. Significa dizer que o novo diploma legal prevê o critério da maior proposta financeira (maior lance) apenas a bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos, e não aos casos de concessão de direito real de uso.

 

  • Maior retorno econômico (Art. 33, inc. VI)

Assim como as alterações trazidas pela nova Lei de Licitações, o maior retorno econômico não é bem uma novidade em certames licitatórios. A Lei nº 12.462/11, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, bem como a Lei nº 13.303/16, que trata das empresas estatais, já previam tal critério de julgamento.

Com a atualização da lei de licitações, o critério de maior retorno econômico passa a ser norma geral, já que não havia previsão na então Lei nº 8.666/93.

O julgamento pelo critério de maior retorno econômico deve ser utilizado exclusivamente para a celebração de contrato de eficiência, em que o contratado tem o compromisso de gerar economia de despesa à Administração, de modo que a sua remuneração estará condicionada ao desempenho eficiente de tal atividade.

O procedimento previsto no novo diploma legal traz, como requisitos dos licitantes, a necessidade de apresentar proposta de trabalho que contemple as obras, os serviços ou os bens, com os respectivos prazos de realização ou fornecimento, bem como a economia que se estima gerar, expressa em unidade de medida associada à obra, ao bem ou ao serviço e em unidade monetária (art. 39, §1º, inc. I, “a” e “b”).

Quanto à proposta comercial, a regra é que deva corresponder ao percentual sobre a economia que se estima gerar durante determinado período, expressa em unidade monetária (art. 39, §1º, inc. II).

Para a Administração Pública, há o compromisso de formular edital que preveja parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo para a remuneração devida ao contratado. Para efeito de julgamento da proposta, o retorno econômico será o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço.

Assim, quando do julgamento das propostas, a Comissão encarregada pelo certame deve aferir o maior retorno econômico a partir da dedução entre a proposta de preço e a economia que o licitante estima gerar, sendo que, nos casos em que não for gerada a economia prevista no contrato de eficiência, a remuneração do contratado será descontada caso o seu desempenho fique abaixo da expectativa firmada na formalização da proposta.

É um meio encontrado pela lei para incentivar o particular contratado a executar o contrato sob o viés e objetivo do interesse público, a partir da economia de recursos, na medida em que sua remuneração será diretamente afetada. O objetivo é fazer com que o particular busque a lucratividade do seu negócio sem se afastar do interesse público naquela contratação.

Ponto de atenção é trazido pelo inciso II do §4º do artigo 39 da Lei nº 14.133/21, que prevê que se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior ao limite máximo estabelecido no contrato, o contratado ficará sujeito, ainda, a outras sanções cabíveis.

É evidente que em cenários imprevisíveis e inevitáveis, em que a economia contratada pode não ser atingida, a sanção deve ser avaliada, caso a caso, observando-se criteriosamente a conduta do particular contratado e se sua proposta de trabalho e de preço correspondiam a uma realidade factível, acometida por situação de difícil – ou de impossível – previsão, como é o caso de crise de mercado decorrente de uma pandemia, por exemplo.

Inexistindo tais hipóteses, o particular contratado deve estar atento quando da elaboração da proposta de trabalho e de preço, para evitar sanções.

Artigo originalmente publicado no Portal Consultor Jurídico, em 29.02.2024.

Formação de preços em contratos de engenharia na nova Lei de Licitações

por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal nº 14.133/2021 ou NLLC), atendendo a um anseio de segurança jurídica e coadunando-se aos entendimentos que já vinham sendo manifestados pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle, trouxe regras mais claras sobre a formação de preços em contratos de obras e serviços de engenharia, criando parâmetros objetivos tanto para a precificação desses empreendimentos como para o controle de sua adequação e compatibilidade com os valores de mercado.

Como regra geral, o artigo 23 estabeleceu que a aferição dos preços de mercado levará em consideração os valores constantes de bancos de dados públicos, sendo observadas, ainda, a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto. Consolida-se, assim, o uso de referências oficiais como equivalentes ou, ao menos, próximas dos preços de mercado, com a necessária adaptação às peculiaridades do local do empreendimento.

Especificamente para as obras e serviços de engenharia — cuja disciplina possivelmente será objeto de regulamento federal e subnacional —, estipulou-se que o valor estimado da contratação, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) referencial e os Encargos Sociais (ES) cabíveis, será definido por alguns parâmetros, cuja ordem de escolha não é facultativa, mas subsidiária (artigo 23, §2º).

O primeiro desses parâmetros se baseia nos custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), para os serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi), para as demais obras e serviços de engenharia. Segue-se precisamente o que já dispunha o Decreto Federal nº 7.983/2013, que estabelece as regras e critérios para a elaboração de orçamento de referência de obras e serviços de engenharia no âmbito federal, de modo que a NLLC adota referências há muito empregadas para o setor de infraestrutura.

Apesar de se manter uma regra preexistente, as regras que apresentam as técnicas subsidiárias de orçamentação de obras e serviços de engenharia são merecedoras de atenção, pois normatizam importante entendimento do Tribunal de Contas da União que, desde suas previsões iniciais em normas orçamentárias, já adotava os referenciais do Sicro Sinapi como regra, determinando que os gestores justificassem tecnicamente o uso de outras premissas de orçamentação [1].

O segundo parâmetro sustenta-se na utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo Federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo. Trata-se, igualmente, de hipótese que constava do Decreto nº 7.983/2013, com o diferencial de que se torna mais claro cuidar-se de mecanismo subsidiário, cabível às situações em que o Sicro e o Sinapi sejam inaplicáveis ou não adaptáveis à realidade do empreendimento [2].

Já o terceiro parâmetro se coloca como novidade, autorizando a comparação, para fins de orçamentação, com contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de um ano anterior à data da pesquisa de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente. Veja-se que o Decreto nº 7.983/2013 autorizava a consulta a banco de informações de obras e serviços similares, mas restringindo-se à hipótese de análise paramétrica de orçamentos (artigo 17, §4º, do referido regulamento, acrescido em 2019).

Por fim, também se autoriza o uso de pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas como parâmetro de formação de preços, em formato a ser ainda regulamentado. Ao que dispõe a novel legislação, a consulta a essas notas fiscais será uma das funcionalidades do Portal Nacional de Contratações Públicas (artigo 174, §3º, inciso II, da NLLC).

Uma importante ressalva realizada pela norma se refere às contratações realizadas por outros entes federativos e que não envolvam recursos federais, quando outros sistemas de custos serão admitidos, em reforço à autonomia e peculiaridade dos entes subnacionais. Abre-se, assim, espaço para o uso de tabelas igualmente consolidadas no mercado, a exemplo da Tabela empregada pela Secretaria de Infraestrutura Urbana do Município de São Paulo (Tabela Siurb) e pela Secretaria de Infraestrutura do Estado do Ceará (Tabela Seinfra).

Esses mesmos critérios de precificação serão aplicáveis às hipóteses de contratação direta, sendo que na impossibilidade de seu emprego, o contratado deverá comprovar previamente que os preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até um ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.

Para os casos de contratação de obras e serviços de engenharia sob os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, além do emprego desses parâmetros, poderá ser acrescida taxa de remuneração do risco. Ademais, sempre que necessário e o anteprojeto o permitir, a estimativa de preço será baseada em orçamento sintético, balizado no Sicro ou Sinapi, formado a partir de metodologia expedita ou paramétrica, salvo para as parcelas do empreendimento não suficientemente detalhadas no anteprojeto, em que poderá ser usada avaliação aproximada baseada em outras contratações similares. Nesses regimes, a proposta dos licitantes deverá ter o mesmo nível de detalhamento do orçamento sintético.

Como se denota, apesar de a norma não trazer muitas novidades sobre a temática, incorporando, em grande parte, disposições de leis esparsas, normativos infralegais e posições das Cortes de Contas, a organização dos parâmetros gerais é bem-vinda, na medida em que mantém a autonomia dos entes subnacionais para regulamentarem a matéria de acordo com o interesse regional ou local, mas sem perder de vista alguma unificação em prol da segurança das contratações em termos de compatibilidade com os preços de mercado e seu respectivo controle.


[1] Cite-se, nesse sentido, os Acórdãos 2.056/2015, 719/2018 e 1.626/2022, todos do Plenário do TCU.
[2] É o que ocorre, por exemplo, com as obras do setor portuário, que encontram dificuldades na adaptação dessas referências. Esse posicionamento foi adotado pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 2.754/2022-2ª Câmara, sob a relatoria do Ministro André Luís de Carvalho.

Artigo originalmente publicado no Portal ConJur, em 29.11.2023.

As alterações promovidas na etapa de lances do pregão eletrônico – comentários sobre o decreto federal 10.024/19

por Gabriela Soeltl

É tempo de aguardar os efeitos práticos do decreto federal 10.024/19, na ânsia de que esses colaborem com o fortalecimento de uma administração pública voltada à efetividade do objetivo principal de toda e qualquer licitação.

Em vigor há pouco menos de seis meses, o decreto federal 10.024/19 instituiu nova disciplina com relação às licitações promovidas por meio de pregão eletrônico, tendo, a partir das alterações formuladas, positivado a inclusão dos serviços comuns de engenharia, antes expressamente excluídos pelo revogado art. 6º do decreto federal 5.450/20051, regulamentado a possibilidade de dispensa eletrônica, e tornado a modalidade como de uso obrigatório pelos órgãos da administração pública federal direta, autarquias, fundações e fundos especiais.

O curto período de vigência ainda não nos permite maiores conclusões sobre os efeitos práticos do novel normativo no âmbito das contratações públicas, contudo, não há como negar que as inovações trazidas eram esperadas e foram bem recebidas pelos profissionais que atuam na área, especialmente pelo fato de que a modalidade é vista como um meio mais célere às compras e serviços necessitados pela administração de um modo geral, conferindo maior eficiência.

E dentre tantas alterações promovidas, este breve estudo busca se debruçar sobre o novo funcionamento da etapa de lances, previsto a partir do art. 30 do decreto federal 10.024/19, e o qual exigirá uma certa adequação por parte dos pregoeiros com relação aos limites de sua atuação e um melhor planejamento estratégico por parte dos proponentes.

No modelo estabelecido pelo revogado decreto federal 5.450/05, após a classificação das propostas pelo pregoeiro, abria-se a fase competitiva, de modo que caberia aos proponentes o lançamento de suas propostas por meio do sistema eletrônico. Nessa sistemática, (i) os demais proponentes seriam imediatamente informados do recebimento de lances, inclusive, com relação ao valor consignado, (ii) poderiam oferecer lances sucessivos, (iii) observando que o licitante somente poderia oferecer lance inferior ao último por ele ofertado, e (iv) os licitantes seriam informados, em tempo real, do valor do menor lance registrado, sendo vedada a identificação do licitante.

O encerramento dessa etapa se daria por decisão do pregoeiro, de modo que o sistema eletrônico encaminharia um aviso de fechamento iminente dos lances, “após o que transcorrerá período de tempo de até trinta minutos, aleatoriamente determinado, findo o qual será automaticamente encerrada a recepção de lances”, isto é, o denominado tempo randômico.

Sendo um tempo aleatório de até trinta minutos, desconhecido dos licitantes e do próprio pregoeiro e que, dado o caráter vazio da disposição, poderia ser estipulado em um ou dois minutos2, venceria o proponente que enviasse o menor lance antes do fechamento do tempo randômico. Por óbvio que a disciplina disposta pelo decreto federal 5.450/05 privilegiava à perspicácia de um proponente e não a eficiência, em seu mais amplo significado, da contratação, além de obstar a competitividade que é inerente ao objetivo dessa previsão, evidenciando as fragilidades do modelo até então vigente.

Nesse sentido, pretendendo criar um modelo mais atento às finalidades da contratação pública na modalidade do pregão eletrônico, é que o decreto federal 10.024/19 segregou os modos de disputa, estabelecendo, em seu art. 31, os modos aberto e o aberto e fechado, a serem escolhidos de maneira discricionária pela administração pública, in verbis:

Art. 31.  Serão adotados para o envio de lances no pregão eletrônico os seguintes modos de disputa:

I – aberto – os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com prorrogações, conforme o critério de julgamento adotado no edital; ou

II – aberto e fechado – os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com lance final e fechado, conforme o critério de julgamento adotado no edital.

Parágrafo único.  No modo de disputa aberto, o edital preverá intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta.

No modo de disputa aberto, o tempo para envio dos lances foi fixado em dez minutos e, após isso, a etapa será prorrogada automaticamente pelo sistema quando houve lance ofertado nos últimos dois minutos do período de duração da sessão pública (art. 32). Por sua vez, a prorrogação automática também terá um prazo fixado de dois minutos e ocorrerá sucessivamente sempre que houver lances enviados nesse período de prorrogação, inclusive quando se tratar de lances intermediários (art. 32, §1º). Caso não existam novos lances na primeira etapa, bem como na respectiva prorrogação, a sessão pública será automaticamente encerrada (art. 32, §2º).

De maneira mais didática, a partir do oitavo minuto da primeira etapa de dez minutos, todos os licitantes sabem que possuem mais dois minutos para cobrir determinado lance. Então, se há o lançamento de um novo preço nesse ínterim, o sistema prorroga a disputa por mais dois minutos e assim sucessivamente.

Tem-se, assim, um período conhecido e suficiente para que os proponentes possam planejar e estimar as estratégias de preço voltadas à contratação. Se omissos, isto é, não lançarem os seus preços, entende-se que não possuem interesse ou quando muito, foram negligentes, sendo que nessa última hipótese, a responsabilidade não mais recairá sobre a sistemática estabelecida pelo normativo de regência. Há, aqui, a efetiva disputa de preços, permitindo que a administração possa buscar a proposta mais vantajosa.

Ainda sobre o modo de disputa aberto, chama a atenção o disposto no art. 32, §3º,  pois caso não ocorra a prorrogação automática pelo sistema, o pregoeiro poderá, assessorado pela equipe de apoio, e de maneira justificada, admitir o reinício da etapa de lances, em prol da consecução do melhor preço.

Talvez esse seja um dos pontos mais sensíveis dessa nova sistemática, e para coibir práticas que pretendam burlar eventual negligência de determinado licitante, apenas como exemplo, é essencial que a medida seja acompanhada da devida justificativa pelo pregoeiro, com a indicação dos motivos pelos quais entende-se pelo reinício da etapa e de que forma essa dialoga com os critérios objetivos do art. 7º, parágrafo único do decreto federal 10.024/19.

Necessário pontuar, também, agora ao considerar a posição do pregoeiro na condução do certame, que a disposição do art. 32, §3º, em vista da sistemática trazida e de prévio conhecimento dos proponentes, deve ser adotada em situações excepcionais, sob pena de colocar em risco à higidez intentada pelo novo modelo.

Já no modo de disputa aberto e fechado, a etapa de envio de lances terá um prazo de quinze minutos (art. 33). Encerrado esse prazo, o sistema encaminhará o aviso de fechamento iminente dos lances e, transcorrido o período de até dez minutos, aleatoriamente determinado, a recepção de lances será automaticamente encerrada (art. 33, §1º).

Encerrado esse último prazo, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas com valores até dez por cento superiores àquela, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento do prazo (art. 33, §2º).  Na ausência de, no mínimo, três ofertas nas condições imediatamente anteriores, os autores das melhores propostas subsequentes, na ordem de classificação, também poderão oferecer um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o termo desse prazo (art. 33, §3º).

Na ausência de lance final e fechado classificado nos termos dos §2º e §3º, será reiniciada a etapa fechada para que os demais licitantes, na ordem de classificação, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento desse prazo, observado, após essa etapa, a ordem crescente de vantajosidade (art. 33, §4º).

Esse modo de disputa também replicou a previsão do art. 32, §3º, comentado anteriormente e o qual suscita um maior cuidado por parte dos proponentes e do pregoeiro responsável por conduzir o procedimento.

De todo modo, o que se extrai dessas previsões, é que novo modelo proposto pelo decreto federal 5.450/05 rompe, definitivamente, com os óbices relacionados à seleção da proposta mais vantajosa à administração pública contidos no diploma anterior, tornando a disputa muito mais séria, seja do ponto de vista dos proponentes, seja do ponto de vista do pregoeiro e de sua equipe de apoio, personagens que certamente terão que amadurecer a forma de participação e condução dos processos licitatórios.

Há uma inequívoca melhora na performance da administração pública, especialmente com relação à disposição de critérios de disputa que certamente pretendem a vantajosidade das propostas e não os conchavos passíveis de serem criados em um modelo inadequado que vigorava no diploma anterior e que, em nada, atingia as finalidades da lei federal 8.666/93.

É tempo de aguardar os efeitos práticos do decreto federal 10.024/19, na ânsia de que esses colaborem com o fortalecimento de uma Administração Pública voltada à efetividade do objetivo principal de toda e qualquer licitação.

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1 Decreto federal 5.450/2005

Art. 6º A licitação na modalidade de pregão, na forma eletrônica, não se aplica às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral.

2 Essa inconsistência acabou determinando o controle do Tribunal de Contas da União em um caso específico, no qual o tempo randômico foi estipulado em um tempo inferior a cinco minutos. Nessa oportunidade, o TCU informou ao órgão controlado que “a concessão de tempo reduzido para a fase de lances nos pregões eletrônicos, bem como a execução do comando para encerramento da fase de lances enquanto as reduções de preços dos lances sejam significativas, (…) prejudica a obtenção da proposta mais vantajosa, caracterizando descumprimento do art. 3º da lei 8.666/93”. (Acórdão 1.188/2011 – Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, julgado em 11/05/2011).

 

Artigo originalmente publicado no periódico Migalhas, em 17.04.2020.