O reequilíbrio econômico-financeiro de contratos públicos em decorrência da variação cambial

Camillo Giamundo 

Em contratos com o Poder Público, quando orçamentos são baseados em moedas estrangeiras, a flutuação cambial deve ser suportada pelo contratado. No entanto, aumentos excessivos na cotação podem justificar ajustes para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro.

Sabe-se que em determinados contratos firmados com o Poder Público envolvendo empreendimentos de infraestrutura, insumos e bens importados, por vezes o orçamento e a proposta comercial dos licitantes estarão fixados ou embasados em moedas estrangeiras (principalmente dólar ou euro). Nessas situações, o art. 92, inciso XV, da lei de licitações (lei 14.133/21) prevê a necessidade de o contrato dispor as condições de importação e a data e a taxa de câmbio para conversão, tendo sido entendimento do Tribunal de Contas da União que a mera flutuação cambial, dentro dos limites normais de volatilidade, deve ser suportada pelo particular contratado, arcando com os riscos do negócio e os custos associados à sua atividade empresarial.

No entanto, em situações de imprevisibilidade ou previsibilidade cujas consequências sejam difíceis de serem apuradas, a alta expressiva da moeda estrangeira que causa um ônus excessivo ao contratado deve permitir o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato firmado com o Poder Público.

É exatamente a situação que se verifica no atual cenário econômico brasileiro.

Conforme dados fornecidos pelo boletim do Banco Central, em seu site, o Brasil encerrou o mês de agosto/23 com a cotação de compra do dólar no valor de R$ 4,92 e o euro no valor de R$ 5,33 (31/8/23). De lá para cá, em 12 meses, a cotação de ambas as moedas deu um salto de mais de 14% de aumento, encerrando o dólar, no mês de agosto/24, a R$ 5,49 e o euro a R$ 6,13 (26/8/24).

As moedas seguem tendência de alta nos últimos meses, impactadas não só pelo cenário internacional, envolvendo eleições americanas, expectativa de corte de juros, conflitos diplomáticos, entre outros, como também pelo cenário nacional, envolvendo alcance de meta fiscal e demais questões políticas que impactam na variação cambial.

Em termos práticos, viu-se que ao longo dos últimos doze meses, essa variação cambial teve um impacto significativo nas transações comerciais internacionais e, para o propósito deste artigo, pode ser motivo de desequilíbrio econômico nos contratos públicos firmados com base em orçamento estrangeiro.

Situações como essa demandam a aplicação da teoria da imprevisão, que se aplica a eventos externos ao contrato, imprevisíveis ou previsíveis com consequências incalculáveis, que afetam o equilíbrio econômico-financeiro de forma alheia à vontade das partes.

A título de exemplo, o TCU, por meio do acórdão 8.032/23, sob relatoria do ministro Benjamin Zymler, pontuou que “(…) variações cambiais com o potencial de ensejar uma onerosidade excessiva a qualquer das partes podem redundar na necessidade de termo aditivo para a recomposição do equilíbrio contratual“, e ainda que “possa existir certa previsibilidade na flutuação do câmbio, e mesmo que possa existir um viés de alta ou de baixa da moeda estrangeira – em virtude das observações recentes do valor cambial – existirá sempre uma imponderação na sua cotação. Esse é, senão, o caso clássico de fato previsível, mas de consequências incalculáveis“.

O acórdão 1.431/17, de relatoria do ministro Vital do Rêgo, já ponderava que devem ser observados parâmetros e definições, especialmente para contratos cujo objeto principal seja a prestação de serviços no Brasil, com importação de bens ou serviços, para se considerar a variação cambial um fator apto a ensejar a recomposição de preços em contratos públicos, a saber:

  • tratar-se de um fato cujas consequências sejam incalculáveis e não previsíveis pelo gestor médio na celebração do contrato;
  • causar uma ruptura severa na equação econômico-financeira, impondo ônus excessivo a uma das partes;
  • A elevação dos custos deve retardar ou impedir a execução do contrato.

Em notável precedente sobre esse caso, o STJ já se posicionou pela indenização da empresa contratada em razão da desvalorização cambial da moeda brasileira, no ano de 1999. No REsp 1.433.434, o ministro Sérgio Kukina destacou que a mudança “abrupta” na política cambial, naquele caso concreto, caracterizou-se como situação extraordinária, sendo justa a repactuação dos termos ou, visto que o contrato já tinha sido cumprido, a indenização pelas perdas sofridas.

E nem poderia ser diferente. O dever de o Poder Público ressarcir o contratado pelo desequilíbrio da equação econômico-financeira da avença decorre dos preceitos constitucionais, trazidos pelo art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, que assegura ao particular que contrata com a Administração Pública a manutenção “das condições efetivas da proposta“, bem como o art. 124, inc. II, “d” da lei 14.133/21 (lei de licitações e contratos administrativos), por sua vez, dispõe sobre a possibilidade de alteração dos contratos administrativos “para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado“.

Essa postura é coerente com o dever do Poder Público de ressarcir o contratado pelo desequilíbrio da equação econômico-financeira, conforme estabelecido pelo art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que garante ao particular contratado pela Administração Pública a manutenção das condições efetivas da proposta, bem como pelo art. 104, §2º, da lei 14.133/21, que dispõe sobre a necessidade de que as cláusulas econômico-financeiras do contrato sejam revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.

Além disso, o direito ao reequilíbrio também se baseia no princípio jurídico que proíbe o enriquecimento sem causa, expresso no artigo 884 do Código Civil, pois a Administração se beneficiaria dos serviços prestados pelo contratado sem remunerá-lo adequadamente.

Assim, entende-se plenamente possível, diante do atual cenário econômico nacional e mundial, a necessidade de se avaliar contratos públicos que tenham sua base orçamentária em moeda estrangeira, ponderando a incidência da teoria da imprevisão, haja vista a alta volatilidade e crescimento da moeda americana e do euro frente ao real brasileiro, de modo que, dependendo do caso específico, o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é um dever do Poder Público e um direito do contratado, sendo necessária a adoção de medidas jurídicas para garantir esse direito caso não seja possível obter uma solução pela via administrativa.

Publicado originalmente no Migalhas.

Implementação da política de resíduos sólidos pode promover avanços em diferentes setores

Legislação estimula coleta seletiva e economia circular; dificuldades de infraestrutura seguem como entraves

Aprovada em 2010 pelo Congresso Nacional, a Política Nacional de Resíduos Sólidos incentiva práticas que se alinham ao conceito de economia circular, como a logística reversa e a coleta seletiva, que pode promover avanços na reciclagem de materiais, ampliando a possibilidade de novas iniciativas no setor. Ainda assim, a implementação efetiva da norma esbarra na pouca infraestrutura, principalmente em municípios menores.

Entre as dificuldades, o prazo para o fim dos lixões expirou no último dia 2, mas tais estruturas seguem potencializando focos de contaminação e configuram um incômodo também para as pretensões do Brasil como protagonista na agenda ambiental, a um ano da COP30, que será realizada em Belém (PA). Para entender melhor o contexto que envolve a legislação, a Esfera Brasil ouviu especialistas em infraestrutura e direito ambiental.

Para o advogado Daniel Almeida Stein, sócio do setor de infraestrutura no Giamundo Neto Advogados, a lei oferece grande incentivo a soluções consorciadas, em razão do ganho de escala para sustentabilidade econômica dos projetos e da multiplicação do impacto sobre o meio ambiente, mas a harmonização entre políticas federal, estadual, regional e municipal de resíduos e dos próprios interesses dos respectivos entes públicos representa um grande desafio para a estruturação de projetos.

“Outros desafios são a determinação do objeto da prestação dos serviços numa eventual contratação, face à multiplicidade de frentes que a questão dos resíduos abrange, e a conciliação de interesses na determinação de tarifas para os serviços, pois atualmente, em muitos municípios, o serviço não é cobrado ou é cobrado de forma muito ineficiente”, detalhou.

Redução da burocracia

Conceito cada vez mais presente nos debates de políticas públicas de sustentabilidade, a economia circular abarca a redução do desperdício e otimização dos recursos, mantendo produtos, materiais e recursos em uso pelo maior tempo possível. Segundo João Emmanuel Cordeiro Lima, sócio da Nascimento e Mourão Advogados e professor de Direito Ambiental da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a legislação, especialmente em matéria ambiental e tributária, precisa incentivar que os resíduos retornem para a cadeia produtiva.

“Em matéria ambiental, isso pode ser feito por meio da redução de burocracias desnecessárias que atualmente ainda incidem sobre algumas operações de gestão e gerenciamento de resíduos. Já no campo tributário, é preciso garantir um tratamento que incentive os agentes econômicos a reciclar, reutilizar e adquirir bens reciclados. Atualmente, em alguns casos, o que existe é justamente o contrário. A aquisição de bens nessa condição é mais cara e mais complexa”, frisou.

A regulamentação do setor e o estímulo à economia circular também guardam oportunidades de novos negócios. “Muito daquilo que é descartado e considerado sem valor possui grande valor econômico e, ao se ressignificar esse conceito por meio da reciclagem e da reutilização, o principal impacto gerado é uma menor pressão para exploração de recursos naturais”, acredita a advogada Ana Chagas, sócia da área de Direito Ambiental, ESG e Mudanças Climáticas do Simões Pires Advogados.

“Temos visto o aumento da conscientização da população em relação ao consumo de produtos mais sustentáveis e um maior investimento em programas de educação ambiental para sensibilizar a população sobre a importância da gestão correta dos resíduos pode aumentar a demanda por produtos e serviços sustentáveis. Uma sociedade bem informada tende a apoiar e consumir de empresas que adotam práticas sustentáveis”, acrescentou a advogada.

Publicado originalmente na Exame.

Garantias contratuais a cargo do poder público em concessões e PPPs

Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni

Embora o debate sobre as garantias prestadas pelo particular nos contratos firmados com a administração pública seja bastante consolidado, com uma regulação igualmente ampla, o caminho inverso, isto é, a temática das garantias prestadas pelo poder público, passa por uma discussão bem mais restrita, geralmente com um léxico próprio ao Direito da Infraestrutura, que muitas vezes dificulta uma compreensão mais ampla dessa noção e de suas possibilidades. A ideia desse artigo é discutir, de forma mais abrangente, o que são, quais as modalidades e como funcionam as garantias contratuais a cargo do poder público.

Também denominada por “garantia soberana”, a garantia prestada pelo poder concedente possui tanto uma finalidade comum, atinente a evitar ou mitigar o risco de inadimplemento público, como extracontratual, ao atrair o capital privado a projetos de longo prazo e maior risco. Com o risco controlado por esse instrumento, além de outros comumente previstos, como a matriz de risco, o interesse de investidores e financiadores pode ser majorado por um cenário de maior segurança e estabilidade.

Lei 11.079/2005 ampliou possibilidades

A Lei Federal nº 8.987/1995, que regula as concessões e permissões de serviços públicos, já estabelecia essa possibilidade de forma tímida, ao prever, no inciso V de seu artigo 23, que dentre as cláusulas essenciais dos contratos de concessão estariam reguladas as matérias atinentes “aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações”. Contudo, foi a Lei Federal nº 11.079/2005, que regula as parcerias público-privadas, que ampliou as possibilidades sobre o tema.

De acordo com o artigo 8º da norma, as obrigações assumidas pela administração pública em contrato de PPP poderiam ser garantidas mediante (1) a vinculação de receitas; (2) a instituição ou utilização de fundos especiais; (3) a contratação de seguro-garantia com companhias seguradoras que não sejam controladas pelo poder público; (4) a garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras; (5) as garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; bem como (6) outros mecanismos admitidos em lei.

Vinculação de receitas e uso de fundos especiais

Dentre as modalidades previstas, certamente a vinculação de receitas é a que gera maior debate, tendo sua constitucionalidade muitas vezes questionada. Por se tratar de garantia de natureza orçamentária, em que receitas públicas são afetadas especificamente para a cobertura de obrigações do contrato firmado, muito já se discutiu sobre uma eventual burla ao sistema de precatórios ou o comprometimento de outras obrigações públicas. Atualmente, entende-se que a efetividade desse tipo de garantia está muito mais voltada ao afastamento de riscos políticos do que financeiros, na medida em que a liberação desses recursos passa por uma série de entraves de ordem prática [1].

Também como uma garantia inerentemente pública e igualmente questionada está a criação ou uso de fundos especiais, nos quais ficam reservados recursos públicos com uma destinação específica, em muito se assemelhando à modalidade anterior. Para alguns doutrinadores, a previsão de instituição ou utilização desses fundos não trouxe à tona uma forma de garantia propriamente dita, mas uma “modalidade de pagamento com vinculação orçamentária”, configurando garantias objetivas, e não subjetivas, como costumeiramente ocorre com essa figura jurídica [2].

Fundo garantidor e seguro-garantia

Nessa mesma toada estão as garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade, cuja diferença central com relação ao item anteriormente analisado diz respeito à concessão de personalidade jurídica a tais entes, o que inclusive confere vantagens ao contratado para fins de execução dos valores eventualmente inadimplidos pelo poder público, que não se submetem ao regime de precatórios. A temática foi regulamentada por diferentes entes federativos, para além da disciplina da União, que criou o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP).

Já a contratação de seguro-garantia e a prestação de garantias por parte de organismos internacionais ou instituições financeiras, mais conhecidas por serem adotadas em outras modalidades de contratação pública, entram numa categorização de garantia fidejussória, em que um terceiro, mediante remuneração, assume o risco de indenizar o beneficiário em caso de eventual mora ou inadimplemento do poder público. Apesar de amplamente conhecidas pelo mercado, são empregadas com menor frequência pelo poder concedente, muito possivelmente por envolver um custo direto e recorrente para a sua manutenção.

Além de estabelecer modalidades específicas, a Lei de PPPs, como mencionado, também autorizou o uso de “outros mecanismos admitidos em lei”, conferindo flexibilidade para formatos de garantia compatíveis com modelagens mais modernas de concessões e parcerias público-privadas. Assim, ademais daquelas garantias mais conhecidas no Direito Privado [3], como a fiança, o penhor, a hipoteca e a alienação fiduciárias, também se conferiu abertura para formas mais inovadoras, como a cessão fiduciária dos direitos creditórios detidos contra a instituição financeira depositária dos recursos oriundos dos FPE e FPM [4] e a utilização de parcela do ganho de eficiência como fonte de recursos para conta garantia [5].

Considerações finais

De modo geral, ainda que não se possa descartar os desafios associados às garantias soberanas, a exemplo da majoração do risco fiscal e da ampliação da moral hazard, não há dúvidas de que os benefícios delas advindos são relevantes, possibilitando, sobretudo, a atração de investimentos privados, com a consequente viabilização de importantes projetos públicos, aprimoramento de serviços públicos e desenvolvimento econômico e social. A ampliação de seu uso, acompanhada de instrumentos de controle e boas práticas de governança, certamente ampliará modelagens de parcerias mais robustas e confiáveis, o que deve ser antecedido de uma compreensão mais ampla desses diferentes institutos, seus desafios e oportunidades.

 


[1] RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à lei de PPP – Parceria Público-Privada: fundamentos econômico-jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 226.

[2] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria público-privada. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 365.

[3] Sobre o tema, vide: SCHIRATO, Vitor Rhein. Os sistemas de garantia nas parcerias público-privadas. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 10, n. 109, p. 2955, jan. 2011.

[4] Para a compreensão dessa modalidade de garantia, vide: SILVA, Fernanda Alen Gonçalves da, GARCIA, Daniel; FAJARDO, Gabriel. A constitucionalidade de garantias públicas de PPPs estruturadas com receitas oriundas dos FPE e FPM (Fundos de Participação dos Estados e Municípios). Portal Infra. Disponível em: https://agenciainfra.com/blog/a-constitucionalidade-de-garantias-publicas-de-ppps-estruturadas-com-receitas-oriundas-dos-fpe-e-fpm-fundos-de-participacao-dos-estados-e-municipios/. Acesso em 29/7/2024.

[5] Sobre o tema: OLIVEIRA, Rogério Ceron de, SILVA, Maíra Madrid Barbosa da; SELLIN, Victor Bueno. Estruturação de garantias sob ambiente de restrições fiscais: a utilização de parcela do ganho de eficiência como fonte de recursos para conta garantia (escrow account). Cadernos da Escola Paulista de Contas Públicas. V. 77, 2021.

Publicado originalmente no Conjur.

Superação da Doutrina Chevron nos EUA e seus impactos no Brasil

Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni

Conhecida, no Brasil, como Doutrina Chevron, o caso Chevron U.S.A., Inc. vs. Natural Resources Defense Council, Inc., decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1984, estabelecia limites para o controle jurisdicional dos atos praticados pelas agências reguladoras. No precedente, que envolvia a interpretação de disposições da Clean Air Act — legislação ambiental acerca da emissão de poluentes no ar —, a Suprema Corte estabeleceu que essas agências, enquanto entes de natureza técnica, deveriam fornecer o sentido de disposições ambíguas da lei, cujas decisões, munidas de certa reserva de conhecimento especializado, não deveriam ser revisitadas pelo Poder Judiciário.

Essa ideia de “deferência judicial” praticada no sistema jurisdicional norte-americano fundamentava-se na expertise técnica detida pelas agências, na delegação legislativa parcial a tais entes e na necessidade de preservação da eficiência administrativa, uma vez que os atos não seriam, por regra, invalidados judicialmente.

Embora o sistema jurisdicional brasileiro seja bastante diverso do sistema de precedentes, a Doutrina Chevron sempre exerceu certa influência em nosso país, principalmente porque parte essencial da disciplina sobre agências reguladoras bebe dessa fonte. Mesmo diante de uma abertura muito mais ampla à revisão jurisdicional, a ideia de “mérito administrativo” ou de presunção de legitimidade dos atos administrativos costuma ser observada pelo Judiciário nacional na revisão dos atos de regulação praticados por tais agências.

 

Superação da doutrina

No entanto, no final do mês de junho, a Suprema Corte dos EUA superou esse precedente no julgamento do caso Loper Bright Enterprises et.al. vs. Raimondo, Secretary of Commerce et. al., entendendo-se pela possibilidade de o Judiciário rever atos de agências independentes, não lhes competindo o monopólio do preenchimento das lacunas legais, mesmo em matéria técnica.

O caso envolvia empresas do setor de pesca que contestavam a interpretação da legislação federal conferida pelo National Marine Fisheries Service, alegando que a agência havia extrapolado sua autoridade regulamentadora. Na análise realizada, a Suprema Corte decidiu que os tribunais não deveriam mais conceder deferência automática às interpretações das agências administrativas em casos de ambiguidade legal, cabendo-lhes a interpretação direta da lei, sem qualquer reverência especial ao posicionamento das agências.

Dentre as justificativas da decisão, destaca-se a separação de poderes, com ênfase de que a deferência excessiva às agências administrativas poderia ocasionar a transferência indevida do poder legislativo à esfera executiva. Também foi invocada a responsabilidade democrática por parte do Poder Judiciário, ao se considerar que interpretação legal constitui parcela essencial da atividade jurisdicional.

A decisão, portanto, impacta diretamente o Direito norte-americano no que se refere à ideia de “Estado Administrativo”, a partir de um amplo debate que se inicia sobre a redução da autonomia das agências quando se exige um escrutínio mais rigoroso de suas interpretações legais pelos tribunais, além de ampliar o controle judicial, conferindo um papel mais ativo ao Judiciário.

Ainda que não se possa afirmar que a superação da doutrina Chevron pela Suprema Corte dos Estados Unidos em Loper Bright Enterprises vs. Raimondo implica imediata limitação dos poderes normativos das agências reguladoras [1], não se pode afastar o risco palpável de decisões judiciais menos qualificadas sobre matérias técnicas eventualmente submetidas aos tribunais, não necessariamente supridas pelo conhecimento jurídico.

Impacto

No contexto brasileiro, essa mudança, a princípio, pode servir de reflexão sobre a relação entre agências administrativas e o controle judicial, promovendo um diálogo contínuo sobre a melhor forma de equilibrar eficiência administrativa com a garantia de outros preceitos constitucionais.

Em que pese a Doutrina Chevron seja bastante conhecida em nosso Direito Público, e não raramente invocada em decisões judiciais envolvendo o tema, as atribuições do Judiciário brasileiro, em razão de uma reserva de jurisdição bastante amplificada e de um controle jurisdicional mais rigoroso, não são imediata e diretamente impactadas por essa discussão, senão em um campo de debate acadêmico.

Considerando que o Direito brasileiro já possui uma abordagem menos deferente às interpretações administrativas quando em comparação com o sistema estadunidense sob a doutrina Chevron, a decisão do caso Loper Bright parece não trazer grande novidade por aqui, a não ser reforçar a ideia de um controle judicial mais amplo, que, quando entende pertinente, se vale da inafastabilidade da jurisdição para decidir temas de natureza técnica e próprios da regulação.


[1] Nesse sentido, a posição da profa. Vera Monteiro, em entrevista para a Exame: “Acho excessivo concluir que a derrubada da doutrina Chevron levará ao fim do Estado Administrativo e da atuação normativa das agências reguladoras independentes. O que a Suprema Corte avaliou é que é exagerado afirmar que o judiciário sempre deverá respeitar a interpretação da agência quando a lei for ambígua. Primeiro, porque a ambiguidade na lei pode envolver questão jurídica e, neste caso, o judiciário é o local próprio para decidir o conflito. Depois, porque poderá haver aspectos na decisão da agência que aprova regulação setorial que deveriam ser controláveis pelo judiciário, em decorrência de outra norma federal, o Administrative Procedure Act (1946)”.

Publicado originalmente no Conjur.

Impactos da alteração da lei de improbidade administrativa: Alguns desafios da prática processual

Por Camillo Giamundo

Alterações na lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92) enfrentam desafios judiciais quanto à aplicação retroativa, especialmente em casos de condenação sem provas de ato doloso, destacando-se a necessidade de revisão das petições iniciais para garantir direitos de defesa.

Há quase 3 anos, a lei de improbidade administrativa foi sensivelmente impactada por alterações advindas da lei 14.230/21, sendo possível notar que, apesar de duramente criticadas, com algumas delas com vigência suspensa pelo STF, algumas questões de ordem material e processual vêm sendo ignoradas pelos juízos em que as ações de improbidade tramitam.

Ao julgar o Tema 1.199, de repercussão geral, o STF decidiu pela irretroatividade geral das novas disposições, ressalvadas as hipóteses de ações que veiculam imputação de ato de improbidade culposo, praticado na vigência da redação anterior da lei 8.429/92, e desde que não haja condenação transitada em julgado.

Neste ponto, ainda que a ação esteja em fase recursal perante as instâncias superiores, as alterações da lei devem ter seus efeitos estendidos, especialmente para corrigir as ações em que haja condenação sem a comprovação efetiva do ato doloso por parte do agente público ou privado. Essa revisão fica mais fácil quando a ação de improbidade foi fundamentada no antigo – e agora revogado – inciso I do art. 11 da lei 8.429/92

No entanto, ainda assim, há situações em que a demanda está embasada cumulativamente com outros dispositivos, mas sem a devida indicação e correlação dos tipos com as condutas denunciadas, tal como prevê o art. 17, §10-D da lei de improbidade administrativa. Em casos como este, mostra-se necessária a revisão da petição inicial da ação de improbidade, para adequá-la às novas disposições da LIA e permitir, aos réus, o exercício pleno do contraditório e ampla defesa.

Outro ponto que tem gerado bastante discussão e controvérsia diz respeito à medida de indisponibilidade de bens. Até a alteração legislativa de 2021, o entendimento pacificado pelo STJ era o de que o requisito do perigo na demora que fundamentava a decretação de indisponibilidade de bens era presumido, isto é, independia de prova concreta e da indicação de dilapidação do patrimônio do réu. Com isso, a propositura de ações de improbidade administrativa, em sua maioria, era acompanhada da decretação de indisponibilidade de bens, em valor relativo não só ao dano ao erário apontado como também, de imediato, ao valor de uma suposta e incerta futura multa que pudesse ser aplicada, quando da sentença, sem que houvesse um exercício comprobatório mais profundo e concreto, que indicasse a necessidade de tomada de uma medida tão extrema logo no nascimento de uma ação de improbidade – que costumeiramente tramita por anos até que haja o julgamento, pelo menos, em primeira instância -, sendo mais adequada a tramitação da demanda e a formação do contraditório, para melhor convencimento do juiz sobre a necessidade e oportunidade de providências necessárias para a garantia do resultado de uma eventual e futura condenação.

Nesse ponto, foi salutar a alteração trazida pela lei 14.230/21, em que se dispõe a necessidade de demonstração, no caso concreto, de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução (art. 16, §3º), sendo que o valor a ser indisponibilizado não possa ser superior ao montante indicado como dano ao erário ou enriquecimento ilícito (art. 16, §5º), não podendo-se somar a quantia de uma eventual multa civil (art. 16, §10), como era anteriormente.

Essas alterações legislativas se mostram necessárias e bastante adequadas, na medida em que a indisponibilidade de bens incide comumente no início da ação de improbidade, de modo que a multa civil só pode ser aferível quando da efetiva condenação, ao final da ação, quando já ultrapassada a fase de instrução e de provas, ponderadas todas as hipóteses de atenuação e agravamento das sanções, não se mostrando justa a sua atribuição em uma fase tão preliminar e inicial do processo, como sempre ocorreu.

A controvérsia surgiu a partir do entendimento de que, nas ações originárias na vigência da antiga redação da lei 8.429/92, em que já tivesse ocorrido a decretação de indisponibilidade de bens, não haveria possibilidade de revisão do ato praticado a partir da nova lei, sob a justificativa de irretroatividade da norma processual.

Essa discussão foi levada ao STJ, sob o Tema 1.257, em que se discute se a nova lei pode regular a tutela provisória de indisponibilidade de bens, incluindo a possibilidade de incluir o valor de eventual multa civil. Os processos que envolvem essa matéria estão suspensos até que haja definição, pelo STJ, do entendimento a ser aplicado de forma geral.

Além da revisão do elemento subjetivo do dolo, que deve estar presente na imputação feita nas ações de improbidade, e da controversa discussão acerca da indisponibilidade de bens dos réus, tem sido comum a inobservância, por parte do Poder Judiciário, da aplicação do art. 17, §10-C da LIA, que dispõe expressamente pela necessidade de, após apresentadas as contestações e réplicas, o juiz proferir decisão indicando com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, com a vedação de modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo Ministério Público para, daí então, as partes especificarem as provas que pretendem produzir.

Não apenas em ações de improbidade administrativa, mas nas ações do rito de procedimento ordinário, não é incomum que atos ordinatórios e despachos sejam proferidos para atribuir às partes a tarefa de indicar os pontos controvertidos sobre os quais as provas devam recair e os ônus que incumbem a cada litigante do processo.

Apesar de o CPC/15 ter trazido uma relação de cooperação entre as partes, retirando o juiz da figura de destinatário final da prova, é o magistrado que preside e conduz o processo, cabendo-lhe exercer a função de, após a fase de instrução, resolver as questões processuais pendentes e delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, e não às partes.

Quando se trata de uma ação de improbidade administrativa, cujas sanções e efeitos de uma condenação afetam seriamente a esfera de direitos dos agentes públicos e particulares, o compromisso estatal deve ser ainda mais relevante e imprescindível, evitando-se a continuidade de demandas nitidamente improcedentes e incabíveis, que possam macular a reputação de inocentes.

Em conclusão, as alterações trazidas pela lei 14.230/21 representam um passo significativo na busca pela efetividade e justiça nas ações de improbidade administrativa, estabelecendo requisitos mais rigorosos para a indisponibilidade de bens e exigindo a demonstração do dolo nas imputações feitas aos réus, de modo que a nova redação da LIA visa garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa, fundamentais em um Estado democrático de direito. Contudo, a aplicação correta dessas disposições legais enseja o enfrentamento de desafios, exigindo uma revisão cuidadosa das ações em andamento para que as mudanças se concretizem efetivamente. Somente assim será possível proteger a integridade do sistema judiciário, assegurando que sanções severas sejam aplicadas de maneira justa e fundamentada, privilegiando a segurança jurídica e a efetividade da justiça e do direito.

Publicado originalmente no Migalhas.

 

O direito ao “duplo grau de jurisdição” no âmbito dos Tribunais de Contas

Roberta Cardoso dos Santos

Flávio Cheim Jorge define o recurso como um “remédio voluntário apto a provocar, dentro da mesma relação jurídica processual, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de uma decisão judicial” (JORGE, 2015, p. 2216). Segundo o jurista, os recursos têm a função primordial de sanar eventuais erros em decisões judiciais, bem como saciar o natural inconformismo da personalidade humana frente aos julgamentos que lhes são desfavoráveis.

Na prática, o duplo grau de jurisdição depende da existência de duas decisões sobre a matéria controvertida, cada uma delas proferida por autoridades diversas, sendo uma delas hierarquicamente superior. Além disso, faz-se necessário que ambas sejam válidas, completas e proferidas no mesmo processo.

No mesmo sentido, a Constituição, em seu artigo 5º, inciso LV, é clara ao afirmar que “(…) aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ressalte-se, ainda, que o Código de Processo Civil, em seu artigo 994 e seguintes, dispõe sobre o direito ao “duplo grau de jurisdição”. O diploma legal afirma que são cabíveis os seguintes recursos: apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de divergência.

Portanto, ainda que a Constituição não preveja expressamente tal direito, o CPC, em seu artigo 496, estabelece a reanálise obrigatória em segunda instância das sentenças que sejam desfavoráveis. Sendo assim, ressalta-se que tal dispositivo legal é plenamente aplicável às cortes de contas, quando assegura o direito à interposição de recursos.

 

Apreciação dos recursos nos Tribunais de Contas
Inicialmente, vale discorrer sobre a apreciação dos recursos nos tribunais de contas. Diante disso, Sandro Luiz Nunes, em seu artigo “Os jurisdicionados e os recursos processuais no Tribunal de Contas catarinense”, aborda grandes contribuições sobre a temática em discussão.

Os tipos de decisões proferidas pelas Corte de Contas, de modo geral, estão regulamentadas na Lei Orgânica e no Regimento Interno de cada ente, cabendo ao intérprete observar o tipo de procedimento em que se inserem em razão da especificidade de cada tipo de processo instaurado no âmbito de cada Tribunal de Contas. (NUNES, 2004, p. 163)

No mesmo sentido, o autor ainda descreve sobre a apreciação do acórdão nas cortes de contas:

O acórdão é uma decisão de julgamento proferido pelo Tribunal Pleno ou pelas Câmaras quando da tomada de decisão definitiva no processo de prestação ou tomada de contas, inclusive tomada de contas especial, que, analisando o mérito, julga, ou pela regularidade, ou pela regularidade com ressalvas, ou pela irregularidade das contas, ou ainda, quando da deliberação definitiva resulte a imposição de multa em processo de fiscalização a cargo do Tribunal. (NUNES, 2004, p. 164)

Ademais, faz-se necessário compreender sobre a apreciação das decisões monocráticas nos tribunais de contas, também discutida pelo mesmo autor:

Já a decisão é ato deliberativo do Tribunal Pleno e das Câmaras, podendo ser de natureza preliminar ou definitiva em qualquer processo, exceto nos processos de prestação de contas e tomada de contas especial em que a deliberação definitiva será formalizada por acórdão (NUNES, 2004, p. 164).

Dessa forma, entende-se que os tribunais de contas parcelam sua competência privativa entre as câmaras e até mesmo entre julgadores monocráticos, porém os recursos de suas decisões são julgados pelo plenário ou pelo próprio julgador, como por exemplo, os embargos de declaração. Assim, observa-se que os recursos são julgados no mesmo órgão que proferiu a decisão, o que impossibilita o duplo grau de jurisdição.

Efetividade do direito recursal
Como se esclareceu, o duplo grau de jurisdição requer o reexame completo das causas decididas em primeira instância, por órgão distinto daquele que primeiro analisou, cabendo, nesse sentido, citar os ensinamentos da ministra Cármen Lúcia no julgamento do Mandado de Segurança nº 32.434:

Afirma inexistir ofensa ao juiz natural e duplo grau de jurisdição, argumentando que “a decisão proferida pelo Plenário do TCU pode ser impugnada por recurso dirigido a esse mesmo órgão, nos termos da referida Lei [n. 8.112/1990] (artigos 106 a 109 e 174) e do Regimento Interno da Corte de Contas (art. 15, II), que prevê a competência do Plenário para o julgamento de recursos interpostos contra suas próprias decisões” (fl. 8 do evento 38).

A garantia constitucional do processo do ‘duplo grau de jurisdição’ tem fundamento no inc. LV do art. 5º da Constituição da República e assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, a ampla defesa com os recursos a ela inerentes (v.g., Habeas Corpus n. 94.567/BA, Relator o Ministro Ayres Britto, 1ª Turma, DJe 23.4.2009). Na espécie vertente, o inc. IV do art. 15 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, omitido pela autoridade impetrante nas informações prestadas, estabelece que “[c]ompete privativamente ao Plenário, dirigido pelo Presidente do Tribunal: (…) IV – deliberar sobre os recursos contra decisões adotadas pelo Presidente sobre matéria administrativa”.

(…)

Assim, o ato impugnado desatende o devido processo legal, pelo qual o Estado deve obedecer às próprias regras que institui [1].

A partir do caso em exame, nota-se que a ministra considerou inefetiva a garantia do duplo grau de jurisdição, pois o plenário do Tribunal de Contas da União é incompetente para atuar como instância primária no julgamento da conduta funcional do servidor, sendo que a autoridade competente para o julgamento e a aplicação da pena de demissão seria o presidente do Tribunal de Contas da União, cabendo ao plenário a competência recursal, sob pena de ofensa aos princípios do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição (artigos 28, inciso XXXVIII, e 30, parágrafo único, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União).

Dessa forma, entende-se que o direito recursal é mitigado, mas não afastado, já que o TCU, por exemplo, não permite que o mesmo ministro seja relator da decisão inicial e da final (recursal), ou seja, quando se interpõe um recurso, há a redistribuição do processo para um novo relator, segundo o que prevê o artigo 147 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União:

Art. 147. A distribuição de processos aos ministros e ministros-substitutos obedecerá aos princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio, e será disciplinada em ato normativo.

Em suma, fica claro que o direito recursal nos tribunais de contas, ainda que minorado, é garantido visto que em todas as cortes de contas estão previstos recursos das suas decisões, além da apreciação e redistribuição dos ministros para a análise dos processos.

Principais espécies recursais
Tem-se que é fundamental descrever, de modo geral, sobre as principais espécies recursais nos tribunais de contas.

Sendo assim, o recurso de apelação se adequa à revisão de acórdãos proferidos por qualquer das câmaras e decisões de julgadores singulares. Segundo os artigos 232 e seguintes do Regimento Interno do TCE-PB, interposta a apelação, o relator determinará as providências necessárias à instrução e mandará ouvir o Ministério Público junto ao tribunal. E ainda, não poderá ser relator da apelação quem houver relatado o processo.

De acordo com o artigo 222 e seguintes do Regimento Interno do TCE-BA, o recurso de apelação para reforma de decisão do Tribunal Pleno ou das câmaras será interposto perante o presidente e terá efeito suspensivo. Para tanto, o recurso será distribuído, mediante sorteio, à turma relatora, composta de relator e revisor.

Os recursos de reconsideração são cabíveis em decisões definitivas em processo de prestação ou tomada de contas e funcionam como revisão de julgado. Conforme o artigo 285 do Regimento Interno do TCU, o recurso terá efeito suspensivo, para apreciação do colegiado que houver proferido a decisão recorrida, podendo ser formulado uma só vez e por escrito, pela parte ou pelo Ministério Público junto ao tribunal. Outrossim, não se conhecerá o recurso de reconsideração quando intempestivo, salvo em razão de superveniência de fatos novos.

Em vista disso, segundo o artigo 136 do Regimento Interno do TCE-SC, o recurso de reconsideração com efeito suspensivo será interposto uma só vez, por escrito, pelo responsável ou pelo procurador-geral do Ministério Público junto ao tribunal.

Ademais, os recursos ordinários têm a mesma finalidade, mas são apropriados para em decisões proferidas pelo Tribunal Pleno e Câmara Especial. De acordo com os artigos 143 e seguintes do Regimento Interno do TCE-SP, caberá recurso ordinário uma única vez, que terá efeito suspensivo das decisões finais do auditor, julgador singular e das câmaras. O recurso ordinário, necessita de ser interposto por petição dirigida ao presidente. Em seguida, o presidente, se não o rejeitar in limine, designará relator diverso daquele que prolatou a decisão recorrida.

Salienta-se, por oportuno, que o agravo é um recurso válido para decisões singulares do presidente ou do relator que tenham a funcionalidade de levar a matéria ao colegiado. Conforme o artigo 289 do Regimento Interno do TCU, interposto o agravo, o presidente do tribunal, o presidente de câmara ou o relator poderá reformar o seu despacho ou submeter o feito à apreciação do colegiado competente para o julgamento de mérito do processo.  Caso a decisão agravada seja do tribunal, o relator do agravo será o mesmo que já atuava no processo ou o redator do acórdão recorrido, se este houver sido o autor da proposta de medida cautelar.

Além disso, os embargos de declaração são necessários em qualquer decisão e ainda possuem a função de esclarecer julgados. O recurso é cabível quando a decisão apresentar obscuridade, dúvida, contradição ou omitir ponto sobre o qual deveria pronunciar-se o tribunal. Os embargos de declaração suspendem os prazos para cumprimento da decisão embargada e para interposição do recurso.

O recurso de rescisão é cabível contra decisão definitiva do tribunal, transitada em julgado e tem por finalidade rescindir o julgado. Diante disso, a rescisão será considerada pedido autônomo podendo ser requerida uma só vez, até dois anos depois de transitada em julgado a decisão (artigo 248 e seguintes do RI, TCE-AL).

Por último, o recurso de revisão é imprescindível para decisões definitivas transitadas em julgado a fim de rescindir julgados. Para tanto, há também o pedido de reexame que revisa decisões de mérito proferidas em processo concernente a ato sujeito a registro e a fiscalização. Segundo o artigo 123 do TCE-GO, o recurso de revisão não terá efeito suspensivo, interposto por escrito, uma só vez, pelos responsáveis, seus sucessores ou pelo Ministério Público junto ao tribunal. O recurso de revisão fundar-se-á em erro de cálculo nas contas em falsidade ou insuficiência de documentos nos quais se tenha fundamentado a decisão recorrida, ou na superveniência de documentos novos, com eficácia sobre a prova produzida. Logo, a decisão que der provimento ao recurso de revisão ensejará a correção de todo e qualquer erro ou engano apurado.

No mesmo sentido, vale dizer que existem tribunais que possuem previsão recursais que atualmente não são dispostos no atual Código de Processo Civil.

De acordo com o artigo 496 Código de Processo Civil de 1973, o rol de recursos disponíveis às partes são: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso extraordinário, recurso especial e embargos de divergência em recurso especial e extraordinário.

Os embargos de liquidação, disposto no artigo 491 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), estabelece que tal recurso é cabível da decisão que julgar a liquidação, que obedecerá, no que couber, o rito estabelecido para o recurso de revista, com efeito suspensivo. Os embargos terão por objeto, exclusivamente, a liquidação das contas, não sendo conhecidas outras matérias relativas ao julgamento das contas prestadas. Desse modo, o recurso será distribuído ao relator que houver proferido a decisão embargada e serão incluídos em pauta para julgamento no órgão competente.

Uma grande importante mudança proposta no Código de Processo Civil de 2015 é a extinção da espécie de embargos infringentes. O Tribunal de Contas do Estado de Alagoas prevê no seu regimento interno, em seu artigo 242, a aplicabilidade dos embargos infringentes para decisões não unânimes do plenário, especialmente em recurso de revisão, não tendo efeito suspensivo. Dessa maneira, quando admitidos os embargos pelo presidente, será feita, em seguida, sua distribuição ao relator. E a escolha do relator e em conselheiro que não tenha funcionado nessa qualidade no julgamento anterior.

Conclusão
Em primeiro lugar, analisou-se o direito recursal a partir de fundamentos legais dispostos no Código de Processo Civil. E assim, concluiu que o duplo grau de jurisdição requer o reexame completo das causas decididas em primeira instância, por órgão distinto daquele que primeiro analisou.

Ademais, foi realizado um estudo analítico para investigar como os tribunais de contas apreciam os recursos. E como resultado, entendeu-se que o direito recursal é mitigado, mas não afastado, já que cada corte de contas possui em seu regimento interno um dinamismo para que haja a redistribuição do processo para um novo relator, impedindo que o mesmo ministro julgue a decisão inicial e a recursal.

Em razão disso, necessitou-se compreender sobre a efetividade do direito recursal nas cortes de contas. Sendo assim, ficou evidente que nos tribunais de contas estão previstos recursos das suas decisões e, a partir da dinâmica de redistribuição, o seu processo de apreciação é válido, justamente por atender o devido processo legal previsto na Carta Maior.

Por fim, constou-se as principais espécies recursais admitidas pelos tribunais de contas, analisando seu conceito, requisitos e sua aplicabilidade para um melhor entendimento jurídico. Comparando ainda, com a previsão disposta no CPC de 1973 que ainda é admitida pela Corte de Contas do Estado de Alagoas (TCE-AL), como os embargos infringentes que nem sequer são utilizados atualmente.


Referências

BRASIL. Lei Federal nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em: 14/12/2023

BRASIL. Lei Federal nº 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 14/12/2023

CHEIM JORGE. Flávio. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2015.

FABRIS, Elisangêla; BOLDRINI, Marciley. O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E SUA APLICAÇÃO NO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Semana Científica do Direito UFES: Graduação e Pós-graduação, v. 3, n. 3, 2016.

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo Grau de jurisdição no direito processual civil (Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tulio Liebman, 33). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

NUNES, Sandro Luiz. Os Jurisdicionados e os Recursos Processuais no Tribunal de Contas Catarinense. Revista do Tribunal de Contas de Santa Catarina, 2004.

[1] STF, MS 32434, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, 2ª Turma, julgado em 30-09-2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-207  DIVULG 20-10-2014  PUBLIC 21-10-2014.

Publicado originalmente no Conjur.