por Giamundo Neto Advogados | dez 2, 2024 | Notícias
Escritório recebe destaque em Cível, Regulatório, Concorrencial, Arbitragem e Trabalhista; seis sócios são reconhecidos no ranking
O Giamundo Neto Advogados figura entre os escritórios mais admirados do Brasil segundo a publicação Análise Advocacia 2025. A banca foi destacada em cinco áreas – Cível, Regulatório, Concorrencial, Arbitragem e Trabalhista –, com reconhecimento especial no setor de Construção e Engenharia, além de figurar entre os mais admirados de São Paulo.
Seis sócios foram reconhecidos entre os advogados mais admirados do país: Christian Fernandes Rosa (Compliance e Construção e Engenharia), Rodrigo Bertoccelli (Compliance), Davi Madalon Fraga (Regulatório), Mariana Dias Capozoli (Trabalhista), Thays Chrystina Munhoz de Freitas e Phillipe Ambrosio Castro e Silva (ambos em Construção e Engenharia).
por Giamundo Neto Advogados | nov 7, 2024 | Notícias
Discussão aconteceu durante painel sobre crescimento econômico sustentável do 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção,
Especialistas em compliance e políticas de ESG (governança ambiental social e corporativa) avaliaram em painel nesta terça, 5, em São Paulo, que a ausência de programas de integridade pode comprometer e afastar investidores, já que a decisão de apostar ou não em um projeto inclui a precificação detalhada de riscos. A discussão aconteceu durante painel sobre crescimento econômico sustentável do 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, promovido pelo Estadão e pelo Instituto Não Aceito Corrupção (Inac).
Painel discutiu integridade e desenvolvimento durante 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, promovido pelo Estadão e pelo Inac Foto: Werther Santana/Estadão
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“A gente se pergunta: ‘será que pagar uma propina não é mais barato do que arcar com a burocracia que se cria para o controle de corrupção?’. A questão é que (ações como) pagar o almoço de um fiscal, por exemplo, vem seguido de outros riscos, como a cassação de uma licença, por exemplo”, disse Natasha Schmitt, advogada e vice-presidente do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (Ceid). “O investidor vê isso como risco. E ele precifica todos os riscos. Com isso, acaba desistindo desse investimento quando não há um programa sólido de integridade”.
Também participaram do painel o presidente do Ceid, Rodrigo Bertoccelli, e o Diretor Institucional e Desenvolvimento de Negócios da companhia espanhola Acciona, Brenno Machado Nogueira. A discussão foi mediada por Renée Pereira, editora-assistente de Economia do Estadão. “A integridade é uma realidade. Quinze anos atrás, termos como esse ou compliance não estavam em nosso vocabulário”, disse Bertoccelli.
O presidente do Ceid afirmou que, para as empresas, não basta mais falar em integridade e ter um programa “para inglês ver”. “Temos ferramentas para medir a efetividade dessas medidas. Órgãos de controle, bancos de fomento e o capital estão cada vez mais atentos. Ter um bom programa de integridade é uma estratégia de negócio. Numa licitação, antigamente a lei dispunha que se houvesse empate num processo licitatório, sorteava-se a vencedora. Agora, quem tiver o melhor programa de integridade passa a ser a vencedora. A nova lei de licitação abre uma nova fronteira para que tenhamos contratos públicos mais sustentáveis do ponto de vista social, de governança e ambiental.”
Os especialistas do Ceid lembraram que o estabelecimento de políticas de integridade dentro das empresas precisa partir “de cima para baixo”. “A integridade precisa vir das diretorias, dos CEOs”, disse Natasha. Para Bertoccelli, a alta administração precisa demonstrar e comprovar compromisso “efetivo e absoluto”. “Isso não significa que o CEO tenha que apenas sustentar que não tolera discriminação, por exemplo. A empresa precisa demonstrar que tem meios e recursos para bancar isso”.
Diretor da Acciona diz que contratos precisam ter flexibilidade: ‘É mais oneroso relicitar do que negociar’
Diretor Institucional e Desenvolvimento de Negócios na Acciona, que é a empresa responsável pela Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, Nogueira afirmou que programas de transparência e ética têm sido fundamentais na relação com o poder público. “Temos participado de vários projetos de concessões e PPPs (parcerias público-privadas) onde o diálogo tem sido muito transparente. Essa interação gera confiança e investimentos. Integridade gera um ambiente de confiança que atrai investimentos e geral desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Nogueira também comentou a paralisação de obras por imbróglios jurídicos. “O diálogo precisa estar em aberto. O poder concedente ao mesmo que tem que fiscalizar, precisa entender que modificações ocorrem. O contrato não é uma pedra, tem que ter flexibilidade de negociações durante os anos da concessão. Devemos lembrar que talvez seja mais oneroso para o Estado uma relicitação do que uma negociação”.
Publicado originalmente no Estadão.
por Giamundo Neto Advogados | nov 7, 2024 | Notícias
A energia elétrica no Brasil não é privatizada, mas concedida a empresas privadas através de licitação, conforme estabelece a legislação. A operação do serviço é transferida a um particular por tempo determinado, porém a titularidade permanece sob controle do Estado.
A seguir, entenda como funciona o processo de concessão e o papel do Estado na supervisão e regulação desse serviço essencial.
Energia elétrica não é privatizada
A energia no Brasil só pode ser concedida. A concessão é um mecanismo pelo qual o Estado transfere a execução de um serviço público a um particular por tempo determinado, após um processo de licitação. Conforme as leis brasileiras, os serviços de geração, transmissão e distribuição de energia podem ser concedidos à iniciativa privada, mas não privatizados.
Concessão não é privatização. De acordo com a Constituição de 1988, na privatização o governo vende definitivamente uma empresa ou um ativo público para a iniciativa privada, enquanto, na concessão, o serviço público continua sendo de titularidade do Estado, apenas explorado por um particular. Isso significa que o Estado ainda detém a responsabilidade sobre o serviço, mesmo que sua operação esteja nas mãos de uma empresa privada.
A concessão é regulamentada pela Lei das Concessões de 1995. Entre os princípios fundamentais da lei estão a continuidade do serviço; sua atualização tecnológica; o acesso universal que as pessoas devem ter ao serviço; a modicidade das tarifas, ou seja, que elas se mantenham acessíveis; entre outros.
A eficiência na gestão de recursos é outra exigência essencial. Christian Fernandes Rosa, especialista em Gestão Econômica, ressalta que embora a Lei das Concessões não aborde especificamente a qualidade do serviço ela não deixa de ser importante.
Regulação é crucial para equilibrar o interesse público e o privado. Agências reguladoras, como a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), são responsáveis por fiscalizar e garantir que as concessionárias cumpram suas obrigações.
Estado pode intervir na concessão
União, estados, Distrito Federal ou municípios podem intervir na concessão. A Lei das Concessões garante que quem concede o serviço público pode assumir temporariamente a gestão do serviço concedido em caso de falhas no cumprimento do contrato ou da má prestação do serviço.
Ao final da intervenção, o serviço é devolvido à concessionária, salvo exceções. A devolução ocorre a menos que a concessão seja extinta por outros motivos, como caducidade ou falência da concessionária. O objetivo é restabelecer o serviço conforme o contrato.
O processo de intervenção é formalizado por decreto. Ele deve especificar a designação do interventor, o prazo da intervenção, os objetivos e os limites da medida.
A intervenção é uma medida excepcional e só ocorre em situações graves. Utilizada apenas em casos de grave descumprimento contratual ou risco de interrupção dos serviços, a intervenção é considerada um recurso extremo, aplicável quando as demais tentativas de resolução falharam.
O poder público tem um papel fundamental no processo de concessão, pois, embora a gestão de determinados serviços seja delegada ao setor privado, a titularidade dos serviços públicos continua sendo da administração pública. A regulação e a fiscalização, portanto, são essenciais para assegurar que o interesse público prevaleça sobre o lucro privado.Christian Fernandes Rosa, advogado especialista em Gestão Econômica no Giamundo Neto Advogados
É possível encerrar o contrato
Contrato pode ser encerrado. Quando a concessionária não cumpre total ou parcialmente o contrato, o poder concedente (União, estado ou município) pode instaurar um processo administrativo para comprovar a inadimplência, garantindo o direito à ampla defesa. As causas incluem prestação inadequada de serviço, descumprimento de cláusulas e perda das condições técnicas ou econômicas necessárias.
Má prestação de serviço é uma das principais causas para encerramento de contrato. A ineficiência na execução do serviço concedido, aliada ao descumprimento de cláusulas contratuais, pode levar à extinção da concessão. Paralisação injustificada e sonegação de tributos também estão entre os motivos.
A empresa terá a oportunidade de se defender durante um processo administrativo. Ela pode alegar, por exemplo, que fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o descumprimento ou minimizar os danos.Christian Fernandes Rosa, advogado especialista em Gestão Econômica no Giamundo Neto Advogados
Encerramento só ocorre após outras punições. Christian Fernandes Rosa explica que o encerramento do contrato não ocorre por um único incidente. “Isso exige uma sequência de falhas que demonstrem uma violação contínua das obrigações contratuais”, pontua.
Outras medidas além do encerramento da concessão podem ser aplicadas. O poder concedente pode optar por medidas alternativas para corrigir falhas antes de encerrar o contrato, como a intervenção, aplicação de multas e penalidades contratuais, exigência de regularização e ação judicial.
A exigência de um plano de regularização permite à concessionária corrigir falhas. Essa medida é uma oportunidade de ajustamento em um prazo determinado, podendo evitar penalidades mais severas.
E onde entra a Aneel
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) é responsável por regular e fiscalizar o setor elétrico no Brasil. Vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a agência tem a função de supervisionar o cumprimento dos contratos de concessão, aprovar regras de comercialização e aplicar penalidades às concessionárias.
A fiscalização do setor elétrico é uma das maiores atribuições da Aneel. Devido à complexidade e à quantidade de concessionárias, a agência firma convênios com órgãos estaduais para ajudar na fiscalização, mantendo, no entanto, o controle e a coordenação dessas atividades descentralizadas.
Aneel tem o poder de aplicar multas às concessionárias. As penalidades podem chegar a até 2% do faturamento dos últimos 12 meses da concessionária ou do valor da energia produzida, em casos de autoprodução ou produção independente.
É essencial verificar se essas concessionárias estão cumprindo suas obrigações de desempenho e, se necessário, realizar revisões contratuais. Esse processo faz parte da gestão contínua de concessões, garantindo que eventuais falhas sejam corrigidas sem que todo o sistema seja afetado.Christian Fernandes Rosa, advogado especialista em Gestão Econômica no Giamundo Neto Advogados
Publicado originalmente no Uol.
por Giamundo Neto Advogados | nov 6, 2024 | Notícias
Participantes de painel sobre acordos de colaboração entre empresas e Estado defendem o instrumento, mas avaliam que ele ainda enfrenta desconhecimento e desaprovação por parte da opinião pública
O diretor do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (Ceid) Giuseppe Giamundo Neto defendeu nesta terça, 5, em São Paulo, o instituto dos acordos de leniência, quando empresas e Estado firmam um acordo para disponibilizar informações e meios de prova sobre atos ilícitos, e reconheceu que o instrumento enfrenta ainda desconhecimento e, com isso, desaprovação por parte da opinião pública.
“A opinião pública em geral tem uma visão negativa desse instrumento, que é de preservação da empresa. Sob vários aspectos, ele precisa ser enxergado de outra maneira, porque ele é positivo. Há o reconhecimento do ilícito, o compartilhamento de informações sobre isso com o Estado e, com isso, a facilitação da persecução”, disse Giamundo. “O acordo de leniência não pode ser visto como ‘a sanção que seria aplicada e deixou de ser’, ou ‘a empresa que deveria fechar e não fechou’. Essa é uma posição bastante ignorante. Quem pratica ilícitos não é a pessoa jurídica, são as pessoas físicas.”
A declaração foi dada no painel sobre acordos de colaboração entre empresas e Estado no 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, realizado pelo Estadão e pelo Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). A discussão também contou com a participação do controlador-geral do município de São Paulo, Daniel Falcão, e do secretário de Integridade da Controladoria-Geral da União (CGU), Marcelo Pontes Viana. A conversa foi mediada pelo coordenador de Política do Estadão em São Paulo, Ricardo Corrêa.
Os participantes do painel sobre acordos de colaboração entre empresas e Estado no 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção Os participantes do painel sobre acordos de colaboração entre empresas e Estado no 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção
Viana expôs números da CGU a respeito dos acordos de leniência firmados desde o estabelecimento da Lei Anticorrupção, em 2013. De 90 propostas, foram 29 acordos firmados, chegando a um montante de R$ 19 bilhões em valores pactuados para serem devolvidos ao Estado.
“O acordo de leniência é recente, mas a cultura de resoluções negociadas e consensuais fora do ambiente de litígio é também relativamente nova no Brasil. O objetivo primeiro dessas resoluções é obter maior eficiência. Em dez anos, reconhecemos que queremos cada vez mais aprimorar este instrumento. Um dos aprimoramentos necessários é melhorar a articulação institucional”, disse Viana.
Giamundo considera que os acordos de leniência no Brasil vivem um momento de “quase maturidade”. “O arcabouço existe, mas ainda há um pouco de insegurança no que diz respeito a quem deve ser procurado. E é complexa a avaliação da empresa sobre fazer ou não acordo. Esse cálculo é sempre de custo-benefício. ‘É benéfico e vantajoso eu firmar este acordo e ficar sujeito a implicações e sanções?’. Estamos na quase maturidade dos acordos de leniência.”
À frente da controladoria-geral municipal em São Paulo, Falcão relembrou que os primeiros acordos de leniência na cidade foram feitos em contato constante com a CGU, já que não havia a experiência sobre esse procedimento em São Paulo. “Tivemos que criar essa expertise na CGM. A vantagem deste instrumento para a empresa é que ela sai de ‘ficha limpa’, podendo firmar contratos. Temos duas leniências assinadas, vários julgamentos antecipados.”
Ele também ressaltou que o acordo de leniência não se traduz em impunidade. “A empresa sofre na carne. Vai continuar existindo, vai poder firmar contratos, mas sofre. O lucro que ela teve nas operações fraudulentas o Estado recebe de volta, além das multas.” Falcão informou que a CGM firmou acordos de diversos tipos com empresas de diferentes tamanhos. Os valores vão de R$ 70 mil a R$ 10 milhões.
O Seminário Caminhos Contra a Corrupção se consolidou como um dos principais espaços de debate nacional sobre transparência, integridade, compliance, ESG e o universo anticorrupção. Quase 80 mil pessoas acompanharam as duas últimas edições, em 2022 e 2023. Os painéis e conferências deste ano estão sendo transmitidos ao vivo no site do Estadão. Confira a programação completa.
Publicado originalmente no Estadão.
por Giamundo Neto Advogados | set 24, 2024 | Notícias
A nova lei de licitações autorizou a exigência da carta de solidariedade, com o fim de assegurar a execução do contrato nas hipóteses em que quem atue como licitante não seja o fabricante direto daquele bem, mas seu revendedor ou distribuidor.
Como se sabe, a nova lei de licitações, embora não seja considerada disruptiva, introduz diversas inovações com relação à legislação anterior, assim como consolida regras que antes se encontravam esparsas, a exemplo daquelas previstas na “lei do pregão” (lei federal 10.520/02), no “Regime Diferenciado de Contratações” (lei federal 12.462/11) e na jurisprudência do controle. Nesse artigo, são lançadas algumas considerações sobre como a nova lei formulou a exigência de carta de solidariedade e sobre o (ainda) omisso limite dessa solidariedade.
Conceitualmente, a carta de solidariedade é um documento em formato de declaração, assinado pelo fabricante de um bem em favor de quem, como licitante, queira realizar o fornecimento de seu produto à Administração Pública1. Do seu conceito, extrai-se que a carta de solidariedade é adotada em certames voltados a compras públicas, e busca estabelecer algum compartilhamento de responsabilidades pelo fornecimento realizado ao Poder Público.
Embora não tenha sido possível identificar exatamente onde e quando teria surgido essa exigência, fato é que a carta de solidariedade era exigida em diversas licitações muito antes de alguma regulamentação. Com frequência, os tribunais de contas deparavam-se com análises de editais nos quais a carta de solidariedade era apresentada como uma exigência de caráter restritivo, formando-se, em razão disso, um entendimento de que, além de excepcional, esse tipo de solicitação deveria se ater apenas ao vencedor do certame, não configurando, assim, um requisito de habilitação2.
Com a edição da lei federal 12.462/11, que instituía o RDC – Regime Diferenciado de Contratações Públicas, a exigência de carta de solidariedade foi positivada, sendo autorizado ao gestor, nas licitações para aquisições de bens, “solicitar, motivadamente, carta de solidariedade emitida pelo fabricante, que assegure a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor” (art. 7º, inciso IV, da lei 12.462/11).
Como se denota, um aspecto importante apresentado na regulamentação e que incorporava a orientação da jurisprudência dos tribunais de contas era a explícita determinação de motivação dessa exigência, demonstrando que a solicitação de carta de solidariedade, nos editais de licitação, não poderia ser tratada como um requisito corriqueiro, cabendo ao gestor a incumbência de justificar a necessidade dessa providência.
A Lei Federal nº 14.133/2021 (NLLC – “nova lei de licitações”) seguiu similar redação, estabelecendo, em seu art. 41, inciso IV que, de forma excepcional, poderá a Administração Pública, nas compras realizadas, “solicitar, motivadamente, carta de solidariedade emitida pelo fabricante, que assegure a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor”.
Portanto, na linha das práticas administrativas já consolidadas antes da edição da norma, a NLLC reforçou a excepcionalidade da carta da solidariedade, autorizando sua exigência, de forma motivada, com o fim de assegurar a execução do contrato nas hipóteses em que quem atue como licitante não seja o fabricante direto daquele bem, mas seu revendedor ou distribuidor.
Contudo, um ponto que não fica esclarecido na legislação e que gera uma série de dúvidas práticas diz respeito ao limite da responsabilidade estabelecida por esse documento, seguindo-se, sobretudo, a máxima legal de que “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes” (art. 265, do Código Civil). Nesse sentido, sendo a carta de solidariedade uma exigência imposta ao licitante — involuntária, portanto — e não tendo a lei fixado os limites dessa responsabilidade, entender o seu alcance parece relevante para a proteção dos licitantes (administração e contratado), sobretudo para os casos de inadimplemento contratual.
Ao que nos parece, por parte da Administração Pública, o interesse nesse tipo de exigência é o de justamente estabelecer uma solidariedade entre fabricante e licitante pela execução do contrato, de modo que não haja qualquer tipo de escusa por desabastecimento do produto sob a alegação de que esse seria um problema da fabricação, não atribuído ao revendedor ou distribuidor. Por outro lado, na prática, a redação das cartas de solidariedade é bastante simplória e não costuma atribuir tamanha extensão a essa solidariedade, salvo se os modelos do edital forem redigidos com essa abertura.
Mas se a carta de solidariedade não assegura uma responsabilidade ampla, qual seria, então, o seu alcance? Em nossa visão, há duas vertentes para essa solidariedade. Uma primeira, atinente à garantia de qualidade dos produtos ofertados ao Poder Público, evitando a perda dos principais atributos do produto de interesse da Administração quando faz a aquisição; e a segunda, relativa ao reforço do compromisso do fabricante quanto à observância de sua relação contratual com revendedores e distribuidores, que não o vincula à contratação pública.
Sobre o primeiro aspecto, há espécie de extensão da solidariedade já existente entre fabricante e fornecedores no âmbito civil, por força das disposições do CDC – Código de Defesa do Consumidor, para que se alcance, também, à Administração Pública. Como aponta Rafael Oliveira, o Estado, como regra, não é considerado um consumidor e, por isso, não estaria naturalmente protegido dos defeitos ou vícios do produto adquirido, de forma que a carta de solidariedade supre a previsão dos arts. 12, 18, 19 e 25 do CDC3. Nesses termos, a solidariedade entre fabricante e revendedor/distribuidor face a administração se direciona à garantia de qualidade do produto vendido4.
Com relação ao segundo aspecto, entende-se adequado o posicionamento esposado pelo tribunal de contas do estado de SP no sentido de que “a carta de solidariedade não significa que o fabricante se torna coobrigado pelo adimplemento da obrigação”, funcionando, em verdade, como uma declaração do fabricante de “que tem conhecimento do certame e se compromete a executar o que lhe incumbe para que o licitante tenha condições de cumprir a obrigação contratual”5. Portanto, o fabricante se compromete com o cumprimento do contrato que celebrou com seu distribuidor ou revendedor, este, sim, responsável perante a administração contratante.
Assim, o limite da responsabilidade assumida pela carta de solidariedade estará definido pelas condições acordadas entre fabricante e distribuidor / revendedor, não sendo razoável que, por uma mera declaração, sejam ampliadas as obrigações de um contrato previamente estabelecido6, principalmente porque isso abrangeria quase que trazer um terceiro — a Administração Pública — para a relação, caso viesse a se entender que, descumprido o contrato pelo licitante, o fabricante restaria responsabilizado por esse objeto (fornecimento).
Diante dos pontos abordados, acredita-se que a exigência de carta de solidariedade, para além dos requisitos legais estabelecidos, deve representar um equilíbrio entre a necessidade de assegurar a qualidade e quantidade dos produtos adquiridos pela Administração Pública e a proteção dos direitos dos licitantes, não sendo razoável a ampliação de responsabilidades não expressamente assumidas, tampouco a vinculação de terceiros a relações das quais não participa diretamente, o que nada reduz as garantias do Poder Público, que ainda terá à sua disposição uma variada gama de ferramentas para o compelir o contratado a responder
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1 ROST, Maria Augusta. As exigências de amostra e de carta de solidariedade. In JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, Cesar A. Guimarães (Coord.). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): comentários à Lei nº 12.462 e ao Decreto nº 7.581. 2ª Ed. rev., amp. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
2 De forma exemplificativa: “9.1. com fundamento nos artigos 235 e 237, inciso VII e parágrafo único, do Regimento Interno/TCU, conhecer da presente Representação, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente: 9.2. determinar à Agência de Promoção de Exportações e Investimentos – Apex-Brasil que, nas próximas licitações: (…) 9.2.4. abstenha-se de exigir, nas licitações realizadas na modalidade pregão, certificados da série ISO 9000 e carta de solidariedade do fabricante, por falta de amparo legal, uma vez que esses expedientes não compõem o rol dos documentos habilitatórios contidos no Capítulo V do seu Regulamento de Licitações e Contratos” (TCU. Acórdão nº 539/2007-Plenário. Relator Min. Marcos Bemquerer. Sessão de 04/04/2007).
3 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos: teoria e prática. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
4 Nesse sentido: “Com efeito, a exigência da carta de solidariedade concretiza uma das pedras angulares do direito público: o princípio da supremacia do interesse público. É irrelevante o fato de existir solidariedade na responsabilidade civil por vícios no(s) produto(s) ou serviço(s), decorrente de legislação consumerista, uma vez que a confiança do fabricante na empresa licitante garante, de um ponto de vista pragmático, maior efetividade no fornecimento do produto ou serviço licitado, já que, muito provavelmente, não existirão batalhas judiciais para se apurar a responsabilidade por eventuais defeitos em tal fornecimento”. (TRF4, Apelação Cível nº 5018007-26.2012.404.7100/RS, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, j. em 10.12.2014).
5 Cf. comentários à NLLC, disponível em: https://www.tce.sp.gov.br/legislacao-comentada/lei-14133-1o-abril-2021/41. Acesso em 20/09/2024.
6 Ainda que entendendo que a solidariedade exigida seria pela qualidade do produto, o TCU já se posicionou pela possibilidade de ampliação da solidariedade em razão das disposições específicas do edital: “Nota-se que a solidariedade exigida está além da obrigação exigida do fabricante pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), prevista no art. 18, c/c o art. 2º (…). Embora se possa cogitar que não possa (ou não deva) a Administração Pública exigir solidariedade de terceiros em obrigações contratuais, da maneira como foi exigida nessa carta, além de não ter ferido nenhum princípio aplicável às licitações públicas, no caso em tela, se justifica por estar relacionado a equipamentos e software que serão utilizados em atividades investigatórias da Polícia Federal, as quais, pelo sigilo exigido e pela necessidade de funcionamento constante, requer cuidados excepcionais como o ora solicitado” (TCU. Acórdão nº 1.670/2003-P. Relator Min. Lincoln Magalhães da Rocha. Sessão de 05/11/2003).
Publicado originalmente no Migalhas.
por Giamundo Neto Advogados | ago 28, 2024 | Notícias
Camillo Giamundo
Em contratos com o Poder Público, quando orçamentos são baseados em moedas estrangeiras, a flutuação cambial deve ser suportada pelo contratado. No entanto, aumentos excessivos na cotação podem justificar ajustes para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro.
Sabe-se que em determinados contratos firmados com o Poder Público envolvendo empreendimentos de infraestrutura, insumos e bens importados, por vezes o orçamento e a proposta comercial dos licitantes estarão fixados ou embasados em moedas estrangeiras (principalmente dólar ou euro). Nessas situações, o art. 92, inciso XV, da lei de licitações (lei 14.133/21) prevê a necessidade de o contrato dispor as condições de importação e a data e a taxa de câmbio para conversão, tendo sido entendimento do Tribunal de Contas da União que a mera flutuação cambial, dentro dos limites normais de volatilidade, deve ser suportada pelo particular contratado, arcando com os riscos do negócio e os custos associados à sua atividade empresarial.
No entanto, em situações de imprevisibilidade ou previsibilidade cujas consequências sejam difíceis de serem apuradas, a alta expressiva da moeda estrangeira que causa um ônus excessivo ao contratado deve permitir o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato firmado com o Poder Público.
É exatamente a situação que se verifica no atual cenário econômico brasileiro.
Conforme dados fornecidos pelo boletim do Banco Central, em seu site, o Brasil encerrou o mês de agosto/23 com a cotação de compra do dólar no valor de R$ 4,92 e o euro no valor de R$ 5,33 (31/8/23). De lá para cá, em 12 meses, a cotação de ambas as moedas deu um salto de mais de 14% de aumento, encerrando o dólar, no mês de agosto/24, a R$ 5,49 e o euro a R$ 6,13 (26/8/24).
As moedas seguem tendência de alta nos últimos meses, impactadas não só pelo cenário internacional, envolvendo eleições americanas, expectativa de corte de juros, conflitos diplomáticos, entre outros, como também pelo cenário nacional, envolvendo alcance de meta fiscal e demais questões políticas que impactam na variação cambial.
Em termos práticos, viu-se que ao longo dos últimos doze meses, essa variação cambial teve um impacto significativo nas transações comerciais internacionais e, para o propósito deste artigo, pode ser motivo de desequilíbrio econômico nos contratos públicos firmados com base em orçamento estrangeiro.
Situações como essa demandam a aplicação da teoria da imprevisão, que se aplica a eventos externos ao contrato, imprevisíveis ou previsíveis com consequências incalculáveis, que afetam o equilíbrio econômico-financeiro de forma alheia à vontade das partes.
A título de exemplo, o TCU, por meio do acórdão 8.032/23, sob relatoria do ministro Benjamin Zymler, pontuou que “(…) variações cambiais com o potencial de ensejar uma onerosidade excessiva a qualquer das partes podem redundar na necessidade de termo aditivo para a recomposição do equilíbrio contratual“, e ainda que “possa existir certa previsibilidade na flutuação do câmbio, e mesmo que possa existir um viés de alta ou de baixa da moeda estrangeira – em virtude das observações recentes do valor cambial – existirá sempre uma imponderação na sua cotação. Esse é, senão, o caso clássico de fato previsível, mas de consequências incalculáveis“.
O acórdão 1.431/17, de relatoria do ministro Vital do Rêgo, já ponderava que devem ser observados parâmetros e definições, especialmente para contratos cujo objeto principal seja a prestação de serviços no Brasil, com importação de bens ou serviços, para se considerar a variação cambial um fator apto a ensejar a recomposição de preços em contratos públicos, a saber:
- tratar-se de um fato cujas consequências sejam incalculáveis e não previsíveis pelo gestor médio na celebração do contrato;
- causar uma ruptura severa na equação econômico-financeira, impondo ônus excessivo a uma das partes;
- A elevação dos custos deve retardar ou impedir a execução do contrato.
Em notável precedente sobre esse caso, o STJ já se posicionou pela indenização da empresa contratada em razão da desvalorização cambial da moeda brasileira, no ano de 1999. No REsp 1.433.434, o ministro Sérgio Kukina destacou que a mudança “abrupta” na política cambial, naquele caso concreto, caracterizou-se como situação extraordinária, sendo justa a repactuação dos termos ou, visto que o contrato já tinha sido cumprido, a indenização pelas perdas sofridas.
E nem poderia ser diferente. O dever de o Poder Público ressarcir o contratado pelo desequilíbrio da equação econômico-financeira da avença decorre dos preceitos constitucionais, trazidos pelo art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, que assegura ao particular que contrata com a Administração Pública a manutenção “das condições efetivas da proposta“, bem como o art. 124, inc. II, “d” da lei 14.133/21 (lei de licitações e contratos administrativos), por sua vez, dispõe sobre a possibilidade de alteração dos contratos administrativos “para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado“.
Essa postura é coerente com o dever do Poder Público de ressarcir o contratado pelo desequilíbrio da equação econômico-financeira, conforme estabelecido pelo art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que garante ao particular contratado pela Administração Pública a manutenção das condições efetivas da proposta, bem como pelo art. 104, §2º, da lei 14.133/21, que dispõe sobre a necessidade de que as cláusulas econômico-financeiras do contrato sejam revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
Além disso, o direito ao reequilíbrio também se baseia no princípio jurídico que proíbe o enriquecimento sem causa, expresso no artigo 884 do Código Civil, pois a Administração se beneficiaria dos serviços prestados pelo contratado sem remunerá-lo adequadamente.
Assim, entende-se plenamente possível, diante do atual cenário econômico nacional e mundial, a necessidade de se avaliar contratos públicos que tenham sua base orçamentária em moeda estrangeira, ponderando a incidência da teoria da imprevisão, haja vista a alta volatilidade e crescimento da moeda americana e do euro frente ao real brasileiro, de modo que, dependendo do caso específico, o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é um dever do Poder Público e um direito do contratado, sendo necessária a adoção de medidas jurídicas para garantir esse direito caso não seja possível obter uma solução pela via administrativa.
Publicado originalmente no Migalhas.