por Giamundo Neto Advogados | jun 21, 2024 | Notícias, Sem categoria
Por: Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni
No último dia 14 de junho, passou a vigorar a Portaria TCU nº 370/2024, que regulamenta a adoção, pelo Tribunal de Contas da União, da medida cautelar de indisponibilidade de bens em processos conduzidos pela Corte de Contas federal. Antes disposta de forma bastante sucinta no artigo 274, do Regimento Interno do TCU, a cautelar de indisponibilidade agora recebe uma disciplina própria por meio do normativo recém-publicado e que pode contribuir com o aprimoramento dos procedimentos adotados pelo tribunal.
A medida de indisponibilidade, de caráter cautelar, tem por fim assegurar o ressarcimento do dano em apuração e, em razão disso, apenas poderá ser adotada em procedimentos já convertidos em tomada de contas especial, fase procedimental em que são individualizadas as responsabilidades e é quantificado o dano (artigo 3º, caput e §1º). A vigência da cautelar não poderá superar o prazo de um ano, sendo certo que qualquer operação concretizada nesse período relativamente ao bem ou direito indisponibilizado — alienação, oneração, transferência etc. — será ineficaz em relação ao TCU (artigo 3º, §2º).
Requisitos, valor e abrangência
Dada a mencionada cautelaridade da medida, o artigo 4º estabelece os requisitos para a sua concessão, de modo que a indisponibilidade apenas será autorizada se presentes (1) indícios suficientes da existência do dano; (2) quantificação do dano; (3) evidências da responsabilidade do agente; e (4) risco ao resultado útil do processo, caracterizado por circunstâncias que denotem fundado receio de frustração do ressarcimento.
Trata-se, assim, da especificação dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, estabelecidos no Código de Processo Civil, cuja aplicação subsidiária é expressamente autorizada pelo artigo 1º, parágrafo único do normativo — como também das regras de constrição cautelar de bens previstas na Lei de Improbidade Administrativa e sobre a ação cautelar fiscal e à execução pela Fazenda Pública.
O valor indisponibilizado corresponderá ao débito em apuração, atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora, podendo ser definido, inclusive, por estimativa, sem que esse montante vincule a apuração em curso (artigo 5º). Nos processos em que houver a indicação de responsáveis solidários, o valor poderá ser garantido por bens e direitos de um ou vários responsáveis, limitando-se ao valor total do débito em apuração (artigo 5º).
Em termos de abrangência, a medida de indisponibilidade alcançará “qualquer ativo do patrimônio do responsável, corpóreo ou incorpóreo, móvel, imóvel ou semovente, ou relação jurídica a ele atinente, dotado de valor econômico” (definição de “bem” e “direito” trazida pelo artigo 2º), incluindo aplicações financeiras (artigo 13) e ressalvando-se aqueles bens considerados impenhoráveis ou inalienáveis (artigos 11 e 12). Por outro lado, não estão alcançados pela medida os órgãos ou entidades da administração pública, empresas com falência decretada ou em recuperação judicial, neste último caso apenas quanto aos bens necessários ao cumprimento do plano de recuperação homologado (artigo 7º).
Procedimento
Para o processamento e acompanhamento da indisponibilidade, será autuado procedimento apartado, vinculado ao processo principal, no âmbito do qual correrão as temáticas especificamente relacionadas à medida (artigo 8º). Apesar de não previsto no Regimento Interno — que, como mencionado, era bastante sucinto quanto ao tema —, esse já era o procedimento adotado pelo TCU nesses casos, agora com uma disciplina de contraditório (defesa e recursos) bem mais completa e condizente com a gravidade da medida, incluindo a possibilidade de participação de terceiros eventualmente afetados pela cautelar (os artigos 22 a 31 tratam de toda a matéria relacionada ao processamento de defesas e recursos em face da indisponibilidade).
A localização dos bens a serem indisponibilizados será realizada mediante diligências e utilização de bancos de dados que contenham informações financeiras, os quais deverão ser regularmente informados no caso de adoção da medida (artigos 9º e 10). Para fins de publicidade, o TCU providenciará a averbação e o registro da indisponibilidade nos competentes registros — imobiliário, de títulos e documentos etc. (artigo 14).
Quando a medida recair sobre bens e direitos que não tenham um montante previamente identificado, o TCU poderá realizar a avaliação do seu valor, mediante emprego de critérios não exaustivos que vão desde a base de cálculo de bens imóveis usada para a aferição de tributos incidentes até a definição do preço médio de mercado (artigos 15 e 16). Trata-se de aspecto que certamente demandará atenção e debate, a fim de evitar subavaliação e adoção de constrições superiores ao mínimo necessário, sobretudo diante da observância ao princípio da menor onerosidade, adotado pela autorizada aplicação subsidiária das regras do CPC e da legislação sobre improbidade administrativa [1].
Substituição de bens, cessação dos efeitos e nova medida
Como de praxe nas medidas de caráter provisório, há ampla possibilidade de modificação da indisponibilidade durante a sua vigência — cujo prazo máximo é de um ano, como se mencionou (artigos 17 a 21). Importante regramento foi criado para as situações que autorizam que o responsável que tenha seus bens constritos requeira a substituição por outros bens ou mesmo por garantias (fiança ou seguro garantia), as quais terão um acréscimo de 30% sobre o valor do débito em apuração — o que pode, inclusive, ser um impeditivo para o uso dessa modalidade, mesmo sendo ela menos onerosa e bastante segura em termos de eventual necessidade de execução.
Além da superação do prazo de um ano, também fazem cessar os efeitos da medida a sua revogação, o ressarcimento integral do dano, o reconhecimento da ausência de dano ou exclusão do responsável do processo, a extinção do processo sem resolução do mérito e o parcelamento da dívida, porém, gradualmente aos pagamentos realizados (artigo 34). O decurso do prazo, no entanto, não impede que o TCU adote nova medida por igual período, presente novo fundamento, o que impõe ao Tribunal ônus de justificar, de forma diversa, os pressupostos da indisponibilidade, não apenas renovando fundamentos anteriormente esposados (artigo 34, §3º).
Considerações finais
Por fim, o normativo também regula a figura do arresto, consistente na “apreensão e depósito de bens ou na constrição de direitos do responsável, mediante ação judicial promovida pelo órgão ou entidade credora do ressarcimento” (artigo 2º, III). Nesse caso, a medida será solicitada pelo Plenário, por intermédio do Ministério Público junto ao TCU, à Advocacia-Geral da União ou à entidade credora do ressarcimento, dado tratar-se de instrumento jurisdicional (artigos 37 a 40).
De forma geral, a Portaria TCU nº 370/2024, ao detalhar as medidas de indisponibilidade e arresto de bens, representa um avanço normativo significativo que incorpora diversas práticas já adotadas pelo TCU, mas que ainda não eram necessariamente claras aos seus jurisdicionados. De pronto, visualizam-se alguns desafios relacionados aos critérios de avaliação de bens e à adoção de medidas substitutivas com acréscimos financeiros, o que somente será confirmado na aplicação prática do instituto a partir dessa nova normatização. Em nossa visão, trata-se de uma boa oportunidade para que o Tribunal de Contas da União afira de forma rigorosa a eficácia dessas medidas, isto é, se efetivamente mitigam o risco à recuperação de eventual dano, ou se apenas representam reforço vazio de competências institucionais sem funcionalidade prática.
[1] Sobre o tema, vide o artigo de Mudrovitsch e Nóbrega, publicado nesta plataforma: MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt; NÓBREGA, Guilherme Pupe da. Bloqueio, execução e menor onerosidade. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2024-jun-19/a-indisponibilidade-de-bens-regulamentada-pelo-tcu/#_ftnref1
por Giamundo Neto Advogados | jun 19, 2024 | Sem categoria
Veto em trecho de lei sancionada distorce comando constitucional que atribui ao Estado o dever de promoção da saúde
Com a iminência da sanção do novo marco leCom a iminência da sanção do novo marco legal para pesquisas clínicas no país, pesquisadores e investidores dedicados a buscar cura a milhões de pacientes que sofrem com doenças devastadoras tinham uma grande esperança. Imaginava-se que a nova lei traria segurança jurídica, agilidade e previsibilidade para a atração de novos investimentos para a realização de estudos clínicos no Brasil.gal para pesquisas clínicas no país, pesquisadores e investidores dedicados a buscar cura a milhões de pacientes que sofrem com doenças devastadoras tinham uma grande esperança. Imaginava-se que a nova lei traria segurança jurídica, agilidade e previsibilidade para a atração de novos investimentos para a realização de estudos clínicos no Brasil.
A lei foi sancionada no início do mês pela Presidência da República (Lei 14.874/24). Trouxe avanços significativos, é verdade, e a sua publicação deve ser exaltada. Contudo, um dos vetos da Presidência frustrou tanto pesquisadores quanto pacientes. Isso porque fará com que o país desperdice oportunidades preciosas para a realização de novas pesquisas clínicas, particularmente no caso de medicamentos para o tratamento de doenças raras e ultrarraras. Disclaimer: serão apresentadas visões polêmicas neste artigo.
Após quase uma década de debates intensos e profícuos na sociedade brasileira, o Poder Legislativo havia consolidado, ao início de maio, o texto do PL 6007/2023. Dentre as previsões mais relevantes estava o estabelecimento de regras claras sobre a dinâmica para destravar a aprovação de novas pesquisas para o desenvolvimento de terapias e medicamentos.
Esclareceu-se, por exemplo, as hipóteses em que o patrocinador do estudo tinha a obrigação de garantir o acesso gratuito da nova terapia para os participantes da pesquisa. E as circunstâncias excepcionais que permitiriam a sua interrupção. Dentre elas, a fixação do prazo de 5 anos, contado a partir da disponibilização comercial do medicamento inovador no país. A regra se mostrava razoável. Havia sido lapidada após anos de intensos debates, com a participação da sociedade civil e longa tramitação do projeto no Senado e na Câmara dos Deputados.
A razoabilidade dessa regra advém de uma compreensão holística do processo de pesquisa de uma nova terapia. Para tanto, é essencial entender todo este arco, o qual se inicia com as primeiras pesquisas laboratoriais, em etapa necessária para identificar potenciais compostos e moléculas.
Uma vez identificados compostos promissores, são conduzidos ensaios in vitro e testes em animais, seguindo diretrizes éticas em pesquisa, para se avaliar parâmetros de segurança e eficácia do composto pesquisado. Somente então se inicia a etapa clínica, composta por três fases iniciais.
A fase I, direcionada a um grupo reduzido de voluntários sadios, destina-se a averiguar principalmente questões de segurança. A fase II tem por objetivo constatar a eficácia da terapia, com a participação de pessoas com enfermidades. A fase III busca analisar o risco-benefício do tratamento, com a realização de amplos estudos com centenas ou milhares de pacientes, em estudos randômicos, multicentros e com a utilização de controle comparativo via placebo.
Vencidas todas estas etapas, em raras ocasiões, o medicamento se mostrará seguro e eficaz para utilização pelos pacientes. A fase IV, pós-comercialização, se inicia após a aprovação da terapia pela agência reguladora, com o fito de monitorar efeitos e reações adversas não esperadas.
Como se vê, a descoberta de uma nova terapia impõe um longo e tortuoso caminho a ser percorrido. Este processo é permeado por múltiplas incertezas e exige o desembolso de expressivos investimentos até que a invenção possa, eventualmente, se traduzir em um tratamento seguro, eficaz e de qualidade.
Não raro, bilhões de reais são desembolsados, muitas vezes a fundo perdido, ao longo de dezenas de anos. E não há qualquer garantia de que o tempo e os recursos dispendidos serão convertidos em um tratamento inovador em proveito dos pacientes. É uma aposta arriscada. Na maior parte das vezes, infrutífera e deficitária.
Este contexto faz sobressair a necessidade de um equilíbrio. De um lado, garantir o acesso da terapia aos pacientes que se predispuseram a participar da pesquisa. Sem eles, não haveria invenção. De outro, assegurar o incentivo econômico para que a pesquisa possa ser realizada no país. Especialmente, em um cenário em que o Brasil amarga uma posição de insignificância no ranking dos países que mais realizaram pesquisas clínicas.
Havia lógica, portanto, na previsão de que após 5 anos da disponibilização comercial do medicamento, pudesse ser cessado o fornecimento gratuito ao participante da pesquisa. De fato, se a terapia está acessível no mercado, o paciente não deveria ficar desassistido. Sobretudo em razão da previsão constitucional do direito à saúde (art. 196 da Constituição Federal), que impõe ao Estado o dever de garantir ao cidadão o acesso ao devido tratamento.
A despeito disso, a Presidência da República decidiu vetar a regra que estipulava esse prazo. Optou-se por impor aos pesquisadores e patrocinadores uma obrigação civil de natureza perpétua: a de fornecerem aos participantes do estudo clínico, gratuitamente e de moto vitalício, o medicamento pesquisado, mesmo que já se encontre acessível no mercado.
Trocando em miúdos, o veto ao inciso VI do art. 33 da lei transfere aos pesquisadores dever que, a rigor, incumbe ao Sistema Único de Saúde (SUS), por força do art. 196 da Constituição Federal. O veto ainda subverte a prescrição constitucional de que que o Sistema Único de Saúde deve ser financiado com recursos públicos, e não privados (art. 198, parágrafo 1º, da Constituição Federal).
Trata-se de uma escolha política que distorce o comando constitucional que atribui ao Estado o dever de promoção da saúde. Criou-se, por lei, e ao contrário do texto constitucional, uma extensão descabida de uma obrigação que não encontra sequer fundamentos consistentes na mensagem de veto elaborada pela Presidência da República.
Note-se, nesse sentido, que a própria mensagem de veto incorre em nítida contradição. Isso porque justifica a necessidade de efetividade do preceito constitucional de atendimento integral das ações e serviços públicos na transferência ao ente privado deste dever que cabe ao Estado[1].
A deturpação da vontade democrática emanada do Congresso Nacional não apenas eiva de inconstitucionalidade o novo marco legal das pesquisas clínicas, como eleva ao patamar de lei uma omissão que já existia na Resolução RDC 38/13 da Anvisa.
Esta norma, de natureza infralegal, havia inaugurado aos particulares o instituto da obrigação civil perpétua no direito da saúde. De todo modo, permitia discussões acerca da efetiva extensão da obrigação de fornecimento gratuito do medicamento pós-estudo, especialmente no caso de doenças raras, o que, imaginava-se, seria esclarecido com o texto enviado para sanção presidencial. Não foi o que ocorreu, no entanto. E o sinal emitido aos pesquisadores foi o de que o país poderia ser mais estável para o fomento científico.
O que a mensagem de veto não diz, mas é possível depreender-se, é a verdadeira motivação que o ensejou. E ela é de natureza econômica. Após a concessão do registro sanitário do medicamento pesquisado pela Anvisa, e a sua disponibilização comercial a partir da fixação de seu preço pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), inicia-se um período em que ele não está, de imediato, disponível no SUS.
Isso porque o medicamento precisa passar por um processo para a sua inclusão (incorporação) no SUS, cuja decisão cabe ao Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). O processo é usualmente moroso. E nos casos de incorporação de medicamentos para o tratamento de doenças raras e ultrarraras ele é ainda mais demorado. Há um motivo velado para isso: estes medicamentos são de alto custo.
O Ministério da Saúde não possui interesse em incorporá-los ao SUS, em razão do seu impacto orçamentário, sendo preferível relegar o fornecimento destes medicamentos para os casos específicos em que houver a propositura de ações judiciais pelos pacientes, visando obrigar o Estado a fornecê-los.
Nesse contexto, o veto presidencial parece ter um claro objetivo: blindar o Estado de eventuais ações judiciais que o obrigariam a fornecer o medicamento no interregno entre a aprovação do seu registro sanitário e a sua incorporação no SUS. O mecanismo para tanto é forçar a transferência desse dever constitucional ao pesquisador, sob o pretexto de não deixar o paciente desamparado após a conclusão do estudo clínico. A manobra é engenhosa e busca induzir a erro a opinião pública.
É preciso dar a nomenclatura apropriada a esta imposição. Trata-se de obrigação civil de natureza vitalícia. E é difícil identificar outra obrigação de natureza perpétua no Brasil. No ordenamento jurídico, há exemplos de direitos e obrigações que sofrem limitação pelo transcurso temporal, como direitos autorais e de propriedade intelectual e obrigações de Direito de Família.
Em outras esferas ainda mais sensíveis, como matérias de Direito Penal, há clara orientação em sentido contrário às perpetuidades. Ora, se mesmo em temas que permeiam a ordem pública — pilar basilar da República — as responsabilidades não são perpétuas, não há razoabilidade em se transferir ao patrocinador um ônus desproporcional aos benefícios que ele obtém, e aos que proporciona para coletividade, ao realizar uma pesquisa clínica no país.
Em realidade, o patrocinador deveria receber estímulos e incentivos, e dispor de maior segurança jurídica, na medida em que investe massivamente para o incremento da saúde da população, o que traz economia ao Erário no longo prazo, fomentando pesquisas para o impulso das ciências da vida.
O veto se revela ainda mais problemático em relação aos estudos para a pesquisa de tratamentos de doenças ultrarraras. Estas pesquisas gozavam de limitação de 5 anos de fornecimento pós-registro, por força do art. 3 parágrafo 1º, da Resolução CNS 563/17[2]. Com o veto, há o sério risco de que novas interpretações sejam dadas, trazendo ainda mais instabilidade regulatória, afastando novos estudos nesse campo.
Há, ainda, importante pergunta sem resposta acerca da obrigação de fornecimento de medicamentos para estudos já em curso ou encerrados. Estes casos deveriam seguir o enunciado do art. 33 inciso VII[3], na eventualidade destas terapias serem incorporadas no SUS, ou, como alguns defendem, seria mantida ao patrocinador do estudo a obrigação civil perpétua? O debate não é simples. E a discussão aqui apresentada não tenciona fulminar os direitos dos participantes de pesquisas clínicas.
Estes voluntários aceitaram participar de estudos pioneiros em prol da ciência, e na maior parte das vezes vivem sem a esperança de melhoria de sua qualidade de vida, ou pior, com prognósticos terríveis de evolução de seus quadros clínicos. Não anseiam, portanto, garantias perpétuas: almejam que a pesquisa científica possa ocorrer no país e, assim, lhes viabilizar qualidade de vida de forma digna.
O que se propõe é que o recurso que seria dispendido para o fornecimento da terapia de forma gratuita e vitalícia, mesmo após a sua disponibilização comercial (quando esta obrigação deveria ser, a rigor, do Estado), seja aplicado para financiar novas pesquisas. Estes novos estudos trariam benefícios para a ciência e a indústria nacional e, principalmente, melhorariam a saúde e a qualidade de vida dos pacientes brasileiros.
Muito se fala do custo de inovar, mas pouco se discute o fardo da ausência de inovação científica no país. Quanto o mundo teria perdido se outros países impusessem a mesma obrigação perpétua? Terapias hoje tidas como consolidadas poderiam nunca ter sido descobertas, caso os pesquisadores e patrocinadores dos países desenvolvedores tivessem de suportar obrigações similares.
Talvez esta seja uma das razões pela qual o Brasil, possuidor de tantas riquezas naturais, biodiversidade e quadros científicos de destaque atuando no exterior, tenha repertório tímido na criação de terapias revolucionárias na área da saúde, comparativamente a países como os Estados Unidos da América e diversos integrantes da União Europeia.
Há, todavia, uma última possibilidade de revisão desta conjuntura. O veto da Presidência da República está sob escrutínio do Congresso Nacional. Ele deverá ser avaliado até o dia 28 de junho, para não sobrestar a pauta. É fundamental, portanto, que este debate prossiga até esta deliberação, com ampla participação e discussões técnicas sobre estas questões que não são triviais.
[1] “Portanto, para conferir efetividade ao preceito constitucional de atendimento integral das ações e serviços públicos de saúde, o medicamento experimental deve continuar a ser fornecido, aos participantes de pesquisa, independentemente de sua disponibilidade comercial pela iniciativa privada”.
[2] Art. 3º Nas pesquisas em doenças ultrarraras, o patrocinador deve se responsabilizar e assegurar a todos os participantes de pesquisa ao final do estudo, o acesso gratuito aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes pelo prazo de cinco anos após obtenção do registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
- 1º No caso de medicamentos, o prazo de 5 (cinco) anos será contado a partir da definição do preço em reais na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
[3] “Art. 33. O fornecimento gratuito do medicamento experimental no âmbito do programa de fornecimento pós-estudo poderá ser interrompido, mediante submissão de justificativa ao CEP, para apreciação, apenas em alguma das seguintes situações:
(…)
VII – disponibilidade do medicamento experimental na rede pública de saúde”.
Publicado originalmente no Jota.
por Giamundo Neto Advogados | mar 15, 2023 | Sem categoria
Matéria originalmente publicada em 14.03.2023, por Lucas Bombana, em Yahoo Finanças, Yahoo Esportes e Acessa.com.
O consórcio Via Appia Fundo de Investimento em Participações foi o vencedor do leilão para a conclusão das obras do trecho norte do Rodoanel. O certame foi realizado na tarde desta terça-feira (14) na sede da B3, em São Paulo.
Segundo a avaliação de especialistas, a disputa foi bem-sucedida, considerando o tamanho dos descontos e a quantidade de participantes, com quatro consórcios interessados.
A gestora Starboard, focada em investimentos em empresas em dificuldades financeiras, é a responsável pelo Via Appia. O grupo vencedor ofereceu desconto de 23,1% sobre o valor a ser pago pelo governo paulista, estimado em R$ 1,4 bilhão, como aporte público para a conclusão das obras.
Como o valor do pedágio não deve ser suficiente para remunerar adequadamente a concessionária, o governo se comprometeu a fazer pagamentos em prestações para compensar as despesas do consórcio vencedor.
O modelo da PPP (Parceria Público-Privada) previa, como um dos critérios para escolher o vencedor, qual consórcio oferecesse o maior desconto sobre estas prestações, previstas em R$ 51,4 milhões por ano.
Duas participantes ofereceram propostas com 100% de desconto. Com isso, a disputa passou para uma segunda fase, entre Via Appia FIP e o consórcio Infraestrutura SP, formado pelas empresas EPR 2 e Voyager Participações.
Nesta segunda etapa, foi levado em conta o maior desconto sobre o aporte público previsto para finalizar a obra, outro pagamento a ser feito pelo governo. O Via Appia propôs abater 23,1%, e superou o Infraestrutura SP, que descontaria 5,11%.
Também concorreram no leilão o consórcio SP Flow, liderado pela XP, e a Acciona, mas que ofereceram descontos sobre a contraprestação de 60,03% e 12,90%, respectivamente, e não passaram para a segunda fase da disputa.
O certame chegou a ser suspenso pela Justiça às vésperas da data marcada, mas o governo paulista conseguiu derrubar a liminar.
Presente no leilão, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou ter a confiança de que, com o martelo batido, o trecho norte deve estar pronto até junho de 2026.
“É um trecho que está há muito tempo abandonado, que merecia recursos e pessoas para entrar para trabalhar”, afirmou Marcus Bitencourt, sócio da Starboard, que fará seu primeiro investimento em rodovias.
Bitencourt disse ainda que o trecho Leste do Rodoanel, que se conecta ao Norte, é operado por uma empresa em recuperação judicial (SPMar), e que há “sinergia operacional óbvia” entre esses trechos.
“Queremos ter uma boa interação com essa outra companhia para poder ajudar”, afirmou Bitencourt, que não descartou a possibilidade de um investimento da Starboard na SPMar. “Tudo depende do preço.”
Diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella afirma que, do ponto de vista do estado de São Paulo, o resultado do leilão pode ser considerado excelente, “desde que tudo aconteça como está previsto”.
Quintella diz ainda que o fato de as empresas abrirem mão da contraprestação do poder público é uma situação peculiar, e avalia que os participantes do leilão devem ter feito todos os cálculos para confirmar a viabilidade disso.
Sócio da consultoria Radar PPP, Guilherme Naves também afirma que considera o leilão bem-sucedido. “Em nenhum dos 14 leilões de concessões de rodovias nos últimos dois anos, houve a quantidade de licitantes que se apresentaram hoje”, afirma Naves.
Na avaliação do especialista, uma das razões para esse interesse é a boa reputação do governo paulista em concessões rodoviárias.
“Há alguns bons anos essa pauta é levada com extrema seriedade e conduzida por servidores competentes. O resultado está aí: ambiente regulatório estável e percepção de risco político baixa, resultando em propostas financeiras mais interessantes e de competidores de diferentes perfis”, diz o consultor.
Naves afirma também que, embora o governo de Tarcísio tenha méritos, a maior parte do crédito deve ser dado ao governo anterior. “É evidente que um projeto de R$ 3,4 bilhões de investimento privado não vai a leilão em três meses.”
Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, sócio de Giamundo Neto Advogados e especialista em concessões, afirmou que a vitória do FIP Via Appia reforça a percepção de uma tendência de ampliação da participação de fundos e empresas do setor financeiro em projetos de infraestrutura.
“Se no passado havia uma preponderância de empresas da construção civil, mais afeitos aos riscos de engenharia, hoje se percebe uma participação mais relevante de competidores de perfil financeiro. As obras para a conclusão do Rodoanel são desafiadoras e demandarão soluções de engenharia sofisticada, que poderão ser terceirizadas”, afirma Graziano.
As condições anunciadas preveem prazo da concessão de 31 anos, com um valor estimado em investimentos de aproximadamente R$ 3,4 bilhões, segundo o edital publicado em agosto de 2022.
Desse montante, cerca de R$ 2 bilhões devem ser destinados à conclusão das obras, com o restante usado na operação e manutenção da rodovia, que terá a supervisão da Artesp (Agência de Transportes do Estado de São Paulo).
FALTAM 44 KM
A última etapa que falta do anel viário paulista tem 44 km, abrangendo os municípios de Arujá, Guarulhos e São Paulo. Sua entrega deverá desafogar o trânsito na marginal Tietê, ao servir de alternativa para veículos que entram na capital apenas para acessar outras rodovias.
Ao todo, o Rodoanel terá cerca de 176 quilômetros de extensão. O primeiro trecho inaugurado foi o Oeste, em 2002, seguido pelo Sul, em 2010, e pelo Leste, em 2014.
A construção do trecho norte do Rodoanel foi iniciada em 2013 e está paralisada desde 2018. A obra foi orçada inicialmente em R$ 4,3 bilhões, mas, até 2019, já tinha consumido cerca de R$ 6,85 bilhões, tendo se tornado alvo de investigação por suspeitas de superfaturamento e corrupção.
As empreiteiras que integravam os consórcios, como Coesa (ex-OAS) e Mendes Júnior, foram fortemente atingidas financeiramente pela operação Lava Jato, entraram em recuperação judicial e foram declaradas como inidôneas pela União.
Rafael Benini, secretário estadual de Parceria em Investimentos, preferiu não cravar o quanto de obras ainda faltam para concluir o trecho norte do Rodoanel, mas estimativas feitas há cinco anos apontavam para um percentual de 85% dos trabalhos já concluídos.
De acordo com o modelo projetado, o trecho norte do Rodoanel não terá praças de pedágio. Haverá cobrança por sensores que medirão as distâncias percorridas por cada veículo. A previsão inicial é que o valor da tarifa seja de R$ 0,15 por quilômetro rodado.
Um leilão do trecho Norte do Rodoanel chegou a ser agendado pelo governo anterior, de Rodrigo Garcia (PSDB) para abril de 2022, mas foi suspenso um dia antes da data prevista. Segundo o governo da época, a decisão se deu devido às “incertezas geradas pelo cenário macroeconômico interno”.
Para aumentar o interesse pelo projeto e evitar uma nova suspensão do leilão, houve agora um aumento da taxa interna de retorno oferecida aos investidores, de 8,93% para 9,99% ao ano.
por Giamundo Neto Advogados | mar 15, 2023 | Sem categoria
Matéria originalmente publicada em 14.03.2023, por Lucas Bombana, na Folha de São Paulo
O consórcio Via Appia Fundo de Investimento em Participações foi o vencedor do leilão para a conclusão das obras do trecho norte do Rodoanel, realizado na tarde desta terça-feira (14) na sede da B3, em São Paulo.
A gestora Starboard, que atua em situações consideradas estressadas, usualmente de empresas em dificuldade financeira, é a responsável pelo Via Appia.
Foi oferecido um desconto de 23,1% sobre o valor previsto para ser pago pelo governo do Estado de São Paulo, como aporte público para a conclusão das obras, que poderia chegar a R$ 1,4 bilhão.
Como o valor do pedágio não deve ser suficiente para remunerar adequadamente a concessionária, o governo se comprometeu a fazer pagamentos em prestações para compensar as despesas do consórcio vencedor.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PL), com Marcos Bittencourt e Brendon Ramos, do Consórcio Via Appia, no leilão do Rodoanel Norte – Rubens Cavallari/Folhapress
Assim, o modelo da PPP (Parceria Público Privada) previa, como um dos critérios para escolher o vencedor, qual consórcio desse o maior desconto sobre estas prestações, previstas em R$ 51,4 milhões por ano.
Duas participantes, contudo, ofereceram propostas que previam dar 100% de desconto a esta contraprestação. Com isso, a disputa passou para uma segunda fase, entre Via Appia FIP e o consórcio Infraestrutura SP, formado pelas empresas EPR 2 e Voyager Participações.
Nesta segunda etapa, foi levado em conta o maior desconto sobre o aporte público previsto para finalizar a obra, outro pagamento a ser feito pelo governo. O Via Appia propôs abater 23,1%, e superou o Infraestrutura SP, que descontaria 5,11%.
Também concorreram no leilão o consórcio SP Flow, liderado pela XP, e a Acciona, mas que ofereceram descontos sobre a contraprestação de 60,03% e 12,90%, respectivamente, e não passaram para a segunda fase da disputa.
O certame chegou a ser suspenso pela Justiça às vésperas da data marcada, mas o governo paulista conseguiu derrubar a liminar.
Presente no leilão, o governador Tarcísio de Freitas (PL) afirmou ter a confiança de que, com o leilão, o trecho norte do rodoanel deve estar pronto dentro do prazo esperado, em junho de 2026.
As condições anunciadas preveem prazo da concessão de 31 anos, com um valor estimado em investimentos de aproximadamente R$ 3,4 bilhões, segundo o edital publicado em agosto de 2022.
Desse montante, cerca de R$ 2 bilhões devem ser destinados à conclusão das obras, com o restante usado na operação e manutenção da rodovia, que terá a supervisão da Artesp (Agência de Transportes do Estado de São Paulo).
“É um trecho que está há muito tempo abandonado, que merecia recursos e pessoas para entrar para trabalhar”, afirmou Marcus Bitencourt, sócio da Starboard, acrescentando que a se trata do primeiro investimento da gestora em rodovias.
Bitencourt disse ainda que o trecho Leste do rodoanel, que se conecta ao Norte, é operado por uma empresa em recuperação judicial (SPMar), e que há “sinergia operacional óbvia” entre esses trechos quando eles estiverem construídos.
“Queremos ter uma boa interação com essa outra companhia para poder ajudar”, afirmou Bitencourt, que não descartou a possibilidade de um investimento da Starboard na SPMar. “Tudo depende do preço.”
Obras inacabadas do trecho norte do Rodoanel, próximo à rodovia Fernão Dias, em São Paulo – Danilo Verpa – 13.mar.2023/Folhapress
Um caso considerado de sucesso estruturado pela gestora foi o da 3R Petroleum. A empresa é uma resultante de alguns investimentos da Starboard no setor, entre eles a aquisição da Ouro Preto Óleo e Gás, petroleira fundada por Rodolfo Landim, presidente do Flamengo.
A Starboard também tem entre os investimentos bem sucedidos em carteira a Gemini Energy, companhia do setor de transmissão elétrica vendida em 2022 para a Energisa por cerca de R$ 820 milhões. Já uma aposta do grupo que não trouxe o resultado esperado foi na varejista Máquina de Vendas, detentora da marca Ricardo Eletro, da qual a Starboard se tornou uma das principais credoras no início de 2019, mas que, pressionada pela pandemia, entrou em recuperação judicial em outubro de 2020.
A última etapa que falta do anel viário tem 44 km, abrangendo os municípios de Arujá, Guarulhos e São Paulo. Sua entrega deverá desafogar o trânsito na marginal Tietê, ao servir de alternativa para veículos que apenas cruzam a capital para acessar outras rodovias.
Ao todo, o rodoanel terá cerca de 176 quilômetros de extensão. O primeiro trecho inaugurado foi o Oeste, em 2002, seguido pelo Sul, em 2010, e pelo Leste, em 2014.
De acordo com o modelo projetado, o trecho norte do Rodoanel não terá praças de pedágio, com a cobrança se dando por meio de sensores que calculam o valor devido com base na quilometragem de cada veículo. A previsão inicial é que o valor da tarifa seja de R$ 0,15 por quilômetro rodado.
Para os motoristas com o dispositivo tag, a cobrança do pedágio se dará pelo próprio aparelho. Para aqueles que não possuem o dispositivo, será necessário acessar o site da concessionária para fazer o pagamento, em um prazo de até 15 dias após o tráfego pela rodovia. Passado esse intervalo, será enviado ao motorista um boleto para que o débito seja quitado. Se o pagamento não for realizado no prazo, será emitida uma multa por evasão do pedágio.
Um leilão do trecho Norte do Rodoanel chegou a ser agendado pelo governo anterior de Rodrigo Garcia (PSDB) para o mês de abril de 2022, mas foi suspenso um dia antes da data prevista. Segundo o governo da época, a decisão se deu devido às “incertezas geradas pelo cenário macroeconômico interno”.
Para aumentar o interesse pelo projeto e evitar uma nova suspensão do leilão, houve agora um aumento da taxa interna de retorno oferecida aos investidores, de 8,93% para 9,99% ao ano.
Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, sócio de Giamundo Neto Advogados e especialista em concessões, afirmou que a vitória do FIP Via Appia reforça a percepção de uma tendência de ampliação da participação de fundos e empresas do setor financeiro em grandes empreendimentos de infraestrutura.
“Se no passado havia uma preponderância de empresas com origem na construção civil, mais afeitos aos riscos de engenharia e construção, hoje se percebe uma participação mais relevante de competidores de perfil financeiro. As obras necessárias para a conclusão do trecho norte do Rodoanel são desafiadoras e demandarão soluções de engenharia sofisticada, que poderão ser terceirizadas com empresas especializadas, inclusive com a transferência de parte dos riscos de engenharia ao construtor”, afirmou Graziano.
“Houve um amadurecimento grande das condições do negócio, e o governo cedeu bastante porque precisa garantir interessados”, diz Ricardo Levy, sócio da área de infraestrutura do escritório de advocacia Pinheiro Neto.
Levy acrescenta que, em um cenário de juros altos como o atual, é ainda mais desafiador o trabalho de convencimento para atrair empresas interessadas em participar de um negócio de longuíssimo prazo que necessita de investimentos bilionários.
Segundo Levy, aspectos relacionados ao equilíbrio econômico-financeiro durante os 31 anos do projeto, bem como a respeito de eventuais —e prováveis— divergências entre o setor privado e o poder público sobre o estado das obras e a necessidade de investimentos foram endereçados de modo a derrubar as resistências e atrair interessados ao leilão.
Rafael Benini, secretário estadual de Parceria em Investimentos, preferiu não cravar o quanto de obras ainda faltam para concluir o trecho norte do Rodoanel, mas estimativas no momento da interrupção dos trabalhos há cinco anos apontavam para um percentual em torno de 85% dos trabalhos já concluídos.
A construção do trecho norte do Rodoanel foi iniciada em meados de 2013 e está paralisada desde 2018. A obra foi orçada inicialmente em R$ 4,3 bilhões, mas, até 2019, já tinha consumido cerca de R$ 6,85 bilhões, tendo se tornado alvo de investigação por suspeitas de superfaturamento e corrupção.
As empreiteiras que integravam os consórcios, como Coesa (ex-OAS) e Mendes Júnior, foram fortemente atingidas financeiramente pela Lava Jato, entraram em recuperação judicial e foram declaradas como inidôneas pela União.
Na sexta-feira (10), a Coesa chegou a apresentar um mandado de segurança para tentar suspender o leilão, mas teve o pedido negado pela Justiça. A empresa ainda tentou suspender o leilão por meio de um pedido de impugnação no TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), mas que também foi negado. A incorporadora alega que tem direito a indenização devida pelo estado por investimentos que realizou na obra.
por Giamundo Neto Advogados | mar 1, 2023 | Sem categoria
por Davi Madalon Fraga*
Já no abrir das cortinas do ano de 2023, o plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) fixou importantes preceitos relativos à indenização de ativos não amortizados ou depreciados e à relicitação nos casos de encerramento antecipado de contrato de concessão. Por meio do Acórdão 8/2023, de relatoria do ministro Aroldo Cedraz e exarado no âmbito do Processo 028.391/2020-9, o TCU trouxe recomendações à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) em relação à relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), mas cujos princípios e fundamentos podem ser aplicados ao regime dos contratos de concessão de modo geral.
Em relação ao valor da indenização a ser paga à concessionária original, a Corte de Contas indicou a necessidade de que o estudo de levantamento seja realizado de forma precisa, clara e suficiente, com base em dados concretos (e não abstratos). Tal estudo deve ser submetido à empresa de auditoria independente e, posteriormente, à consulta pública. Só então é que os valores deverão ser aprovados pela diretoria colegiada da ANAC e, por fim, submetidos à análise do próprio TCU. O pagamento da indenização ao particular pode ocorrer antes da aprovação pelo TCU.
Além disso, em seu voto, o ministro relator ponderou ser completamente possível (e recomendável) a condução do processo de cálculo da indenização em conjunto com o procedimento de relicitação, uma vez que eventual demora na quantificação do valor a ser indenizado tornaria a substituição do parceiro privado mais morosa, comprometendo a continuidade do serviço público. Contudo, o montante definitivo da indenização deve ter sua apuração concluída e divulgada antes da oferta de propostas pelos licitantes na relicitação, para permitir aos licitantes conhecer o valor da indenização aprovado pela agência reguladora juntamente com a publicação do edital, como meio de garantir a isonomia do certame. Essa medida permitiria que os novos interessados no negócio, ao ingressar no certame, ponderem os riscos envolvidos e apresentem suas propostas em bases equânimes, trazendo mais segurança e previsibilidade à licitação e à futura contratação.
A íntegra do voto do ministro relator e do acórdão pode ser conferida neste link: https://www.agenciainfra.com/blog/relicitacao-em-contratos-de-concessao-duas-importantes-orientacoes-do-tcu/
*Davi Madalon Fraga é especialista em Direito do Estado pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e advogado sênior do Giamundo Neto Advogados.
Artigo originalmente publicado pelo Portal da Infra, em 01.03.2023.
por Giamundo Neto Advogados | fev 17, 2023 | Sem categoria
por Giuseppe Giamundo Neto, Davi Madalon Fraga e Fernanda Leoni
No Boletim de Jurisprudência 431, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou a ementa do Acórdão 2.770, proferido pelo plenário em sessão realizada em 13/12/2022, em que se registrou que “nos processos de controle externo, a matéria de ordem pública, a exemplo da prescrição da pretensão punitiva ou ressarcitória, não pode ser rediscutida via embargos de declaração ou mediante provocação da parte por simples petição, tampouco pode ser revista de ofício, diante da incidência da preclusão pro judicato”.
O caso tratava de Embargos de Declaração opostos em face de acórdão em Tomada de Contas Especial relacionada a supostas irregularidades em contratos firmados pela Petrobras objetivando a construção da Unidade de Exploração e Produção da Bacia de Campos. Além de invocar o vício de omissão, a peça continha pedido subsidiário para o seu recebimento como simples petição, em consonância à garantia prevista no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal.
Em suma, o Embargante requeria a aplicação do novo entendimento do tribunal acerca do prazo prescricional quinquenal das pretensões punitivas e ressarcitórias. O pedido foi embasado no artigo 10, da Resolução TCU 344/2022, que admite o reconhecimento de prescrição de ofício ou a pedido da parte, em qualquer fase processual. A nova orientação lhe seria benéfica, visto que a posição do TCU até aquele momento era pela imprescritibilidade do débito.
Pontuando que a superveniência de uma nova orientação normativa da corte, ainda que mais justa, não autorizaria o uso abusivo de espécie recursal, o ministro Walton de Alencar, relator do processo, entendeu que os embargos seriam meramente protelatórios e visariam, em verdade, alterar o mérito da decisão proferida anteriormente, a qual considerou o ressarcimento ao erário imprescritível.
Apesar de confirmar a caracterização da prescrição enquanto matéria de ordem pública, o ministro pontuou que o seu reconhecimento apenas seria possível se a matéria ainda não houvesse sido julgada, em razão da preclusão pro judicato, que impediria a rediscussão do tema pela via dos embargos declaratórios. Nesse sentido, sustentou-se em julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual “as matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão pro judicato, razão pela qual não podem ser revisitadas se já foram objeto de anterior manifestação jurisdicional[1]”.
Ao contrário do que possa parecer, não se trata de temática pacífica na esfera processual. A preclusão pro judicato, quando admitida, tem relação com algumas estabilizações a que o juízo fica condicionado[2] — a exemplo da própria coisa julgada —, representando um direito da parte em não ter a segurança do conteúdo decisório afetado. Trata-se, pois, de uma garantia, e não de um condicionamento à atuação procedimental da parte em invocar matéria de ordem pública em qualquer momento e grau de jurisdição.
Para se invocar a preclusão pro judicato, que nada mais é do que espécie de preclusão de natureza consumativa, haveria a necessidade de que a matéria estivesse estabilizada ou, em termos de processo de contas, houvesse a consolidação da coisa julgada administrativa, o que não teria ocorrido no caso avaliado, em que ainda existia a possibilidade de discussão da matéria em sede de declaratórios — uma das medidas aptas à alteração da decisão, por aplicação subsidiária do artigo 494, inciso II, do CPC.
Também importante esclarecer que a Resolução 344/2022, além de não ter estabelecido qualquer regra de transição para o instituto, apenas vedou o reconhecimento da prescrição quinquenal aos processos que já houvessem transitado em julgado quando de sua entrada em vigor[3], reforçando a compreensão de que o normativo tinha aplicação imediata a todo o processo ainda não estabilizado, podendo as partes, enquanto presente abertura à rediscussão, levar a temática ao conhecimento do relator ou plenário.
Como se tudo isso não fosse suficiente, há de se considerar que tratando-se de fato novo, atinente à regulamentação de matéria até então não disciplinada pelo TCU, a parte utilizou-se da primeira oportunidade que tinha para falar nos autos, invocando o que de direito. Com efeito, a preclusão não se opera com relação ao fato superveniente[4], visto que não se trata da rediscussão de um tema esgotado, mas de uma questão nova em debate: a prevalência de uma nova disciplina legal, com vigência imediata, e que privilegia a segurança jurídica[5].
A posição do TCU, portanto, não se mostra acertada. Não se configura preclusão sobre matéria de ordem pública (prescrição) cujo conteúdo ainda não transitou em julgado, ainda que suscitada por meio de declaratórios. A orientação do Tribunal a respeito deve ser modificada, sobretudo diante de sua própria recém editada regulamentação.
[1] Cf. STJ, AgInt no REsp 1.756.189/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 8/6/2020, DJe de 12/6/2020.
[2] Cf.: SCARPINELA BUENO, Cássio. Curso sistematizado de direito processual civil. Vol. 01. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 489.
[3] Cf.: “Art. 18. O disposto nesta resolução aplica-se somente aos processos nos quais não tenha ocorrido o trânsito em julgado no TCU até a data de publicação desta norma”.
[4] Cf.: “A preclusão aqui defendida obviamente não se opera tendo em :, vista fato superveniente. Conforme já se disse, é possível que, por fato superveniente, deixe de existir um requisito de admissibilidade do processo (exemplos: incompetência absoluta superveniente e perda da capacidade processual). Exatamente por tratar-se de fato superveniente, a anterior decisão que reconheceu a regularidade do processo não lhe diz respeito, impondo-se nova decisão, que terá outro objeto: a questão nova” (DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 01. 19ª Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, p. 787).
[5] Cf. artigo 30, da LINDB: “As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas”.
Artigo originalmente publicado por Jota, em 17.02.2023.