por Giamundo Neto Advogados | jan 10, 2024 | Tribunal de Contas
por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni
Considerando a amplitude das atribuições previstas no artigo 71 da Constituição Federal, o Tribunal de Contas da União sempre avaliou os atos praticados e os contratos celebrados por empresas estatais, independentemente da natureza assumida, considerando-as, para todos os fins, jurisdicionadas do controle de contas.
No entanto, no final do ano passado, o TCU proferiu precedente de relevo sobre o tema, afastando a sua competência para apreciar atos e contratos de estatais desestatizadas, ainda que o processo envolvesse a apuração de suposto dano ao erário, por considerar que não mais deteria jurisdição sobre a responsável e sobre a matéria tratada nos autos.
O caso envolvia uma auditoria operacional promovida na sociedade de propósito específico Norte Energia S.A. (Nesa), que atuou como concessionária responsável pela construção, operação e manutenção da usina hidrelétrica Belo Monte, cujo controle era detido pela Eletrobras, recentemente desestatizada. O objeto específico do processo TC nº 017.053/2015-3 era a avaliação da regularidade e da efetividade dos controles exercidos sobre investimentos e contratos firmados pela companhia, em especial no que diz respeito à possibilidade de superavaliação de investimentos na UHE Belo Monte.
Em trâmite desde 2015, o processo também apurava fatos relacionados à operação “lava jato”, tendo sido apontados achados relacionados a indícios de falhas de estruturação do leilão de energia, desvio de finalidade na participação societária da Eletrobras na Nesa, ausência de transparência, inconsistências em aditivo celebrado e superfaturamento das obras.
No voto do Acórdão nº 2.158/2023-Plenário, o ministro Antônio Anastasia, relator do processo, asseverou que “a partir da privatização da Eletrobras, materializada em 17/6/2022, houve alteração significativa da conjuntura das empresas envolvidas, que deixaram de fazer parte do rol de unidades jurisdicionadas ao TCU”. Diante dessa ausência de jurisdição, a instauração de tomada de contas especial para apuração dos indícios de superfaturamento e respectiva responsabilização dos envolvidos restaria obstada, em razão da ausência de condições de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Ainda em termos de justificativa do arquivamento dos autos, apontou-se que o dano eventualmente advindo à Eletrobras, que já seria indireto, visto que atuava como acionista da efetiva concessionária dos serviços, passaria a ser de segunda ordem, uma vez que a União, após o processo de desestatização, deteria participação minoritária na companhia.
Também restou afastada nesse acórdão a responsabilidade que eventualmente poderia subsistir aos gestores, relativamente a atos praticados anteriormente à desestatização, por força de outro precedente sobre o tema (Acórdão nº 1.134/2023-Plenário), no qual restou consignada a possibilidade desse tipo de apuração. No caso de ex-gestores da Nesa e Eletrobras, a falta de apuração decorreu de circunstâncias fáticas do caso concreto, visto que os achados de auditoria se sustentavam em fatos ocorridos ainda em 2010, sobre os quais sequer havia sido elaborada matriz de responsabilização.
O precedente em questão, que tratou especificamente da possibilidade de instauração de processos de tomada de contas especial em vista do superveniente processo de desestatização da Eletrobras, fixou o entendimento de que após a desestatização “deixam de existir os pressupostos de constituição e de desenvolvimento de TCE no intuito de obter reparação de dano, seja daquele diretamente sofrido pela sociedade empresária, seja daquele direta ou indiretamente sofrido pelo acionista estatal federal”. Por outro lado, estabeleceu-se que os gestores poderiam eventualmente ser sancionados pelo TCU em razão de condutas irregulares praticadas antes da desestatização, assim como terem suas contas julgadas irregulares (desde que no prazo prescricional).
Ponto de destaque desse acórdão está no voto do ministro Benjamin Zymler, relator do processo, em que se faz um relevante escorço histórico pela jurisprudência da Corte de Contas federal, resgatando precedentes desde a década de 90 até período mais recente, nos quais o TCU conteve sua atuação em razão dessa superveniente perda de jurisdição. São citados, nesse sentido, casos envolvendo conhecidas estatais privatizadas, tais como a Cosipa e a Telesp, no estado de São Paulo [1]; diversas empresas do setor de telecomunicações, nas privatizações do início dos anos 2000 [2]; e mais recentemente da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras [3].
Assim, embora não discutida com muita frequência, a matéria resta consolidada no TCU, que em relevante postura de contenção e mesmo de economia de recursos públicos circunscreve sua atuação e esforços a casos em que há efetivo risco ao erário, sem implicação ao controle adequado, que fica sob o exercício dos acionistas e interesse privado, não compatível com a atuação da Corte de Contas [4].
O posicionamento, por fim, também se coaduna ao regime atualmente idealizado para as empresas estatais que, não obstante ainda se submetam ao influxo de normas do Direito Público, principalmente nos casos em que sua atuação esteja mais voltada aos serviços públicos, são cada vez mais aproximadas de um regime de Direito Privado e às diferentes regras de compliance que reduzem a necessidade de atenção do controle externo.
[1] Acórdãos 4/1994-2ª Câmara (min. Lincoln da Rocha), 59/1995-Plenário (mi. Fernando Gonçalves) e 161/1995-Plenário (min. José Antônio de Macedo), referentes à Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), bem como o Acórdão nº 196/1999-Plenário (min. Valmir Campelo), referente à Telecomunicações de São Paulo S.A. (Telesp).
[2] Conforme Acórdãos 295/2000-2ª Câmara (min. Ademar Ghisi), 351/2000-2ª Câmara (min. Adylson Motta), 430/2000-2ª Câmara (min. Valmir Campelo) e 240/2000- Plenário (min. Adylson Motta), referentes à Telecomunicações de Goiás S.A. (Telegoiás), da Telecomunicações do Ceará (Teleceará) e da Telecomunicações de Sergipe S.A. (Telesergipe).
[3] Acórdão 3.079/2020-Plenário (min. Augusto Nardes).
[4] Como bem destacado no voto, a temática permanece sob o controle de entidades de regulação privada, a exemplo da Comissão de Valores Mobiliários, além da atuação do Ministério Público Federal.
Artigo originalmente publicado no Portal ConJur, em 10.01.2024.
por Giamundo Neto Advogados | set 20, 2023 | Tribunal de Contas
por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni
O julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.899 pelo Supremo Tribunal Federal, que fixou, em Repercussão Geral, o Tema 899, definindo a prescritibilidade das pretensões dos Tribunais de Contas, certamente foi um divisor de águas acerca da matéria, impondo às Cortes de Contas repensarem a forma com que conduziam os processos de controle sob a sua jurisdição.
Mesmo com alguma resistência inicial, em parte ocasionada pela própria indefinição do julgado do STF acerca da amplitude da decisão — se a prescrição referenciada alcançava apenas a execução das decisões ou também a própria ação de controle —, os Tribunais de Contas iniciaram um movimento de regulamentação interna do tema.
Uma importante contribuição nesse sentido adveio da atuação dos órgãos representativos desses tribunais, na figura da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), do Instituto Rui Barbosa, do CNPTC (Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas) e da Abracom (Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios) que, em conjunto, editaram a Nota Recomendatória nº 02/2023 [1], recomendando o reconhecimento e adoção da prescrição das pretensões punitiva e ressarcitória pelos tribunais.
Certamente a regulamentação de maior destaque adveio do Tribunal de Contas da União, dada a referência para os demais órgãos de controle. A Resolução nº 344/2022, publicada em 11/10/2022, dispõe de forma detalhada acerca do prazo quinquenal para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento, indicando seus marcos iniciais, possíveis interrupções e suspensões, e demais regras de aplicação interna.
Também optaram por regular a matéria por meio de normativos internos próprios os Tribunais de Contas do Ceará [2], do Maranhão [3], do Pará [4], da Paraíba [5], do Distrito Federal [6], dos Municípios de Goiás [7] e do Município de São Paulo [8].
Dentre os tribunais que passaram a prever a prescrição de forma expressa, somente para o Tribunal de Contas do Amazonas houve a alteração diretamente no texto da Constituição Estadual, cuja Emenda nº 132/2022, ao incluir o artigo 40, §4º à norma, passou a contemplar a prescrição punitiva e ressarcitória das fiscalizações a cargo do tribunal.
Já os Tribunais de Contas do Piauí [9], de Santa Catarina [10] e dos municípios do Pará [11] promoveram alterações em sua própria Lei Orgânica, passando a prever a prescrição também de forma ampla. No caso desse último (TCM-PA), também já foram promovidas alterações em seu regimento interno para comportar as novas disposições da Lei Orgânica.
No caso do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul, as alterações para a previsão da prescrição foram feitas diretamente em sua Lei Orgânica [12]. O Tribunal de Contas de Mato Grosso, por sua vez, possui todo um Código de Processo de Controle Externo, que recentemente passou por alterações para contemplar a prescrição [13].
Importante notar que muitos tribunais já possuíam regulamentação específica antes do precedente do Supremo Tribunal Federal, mas apenas no que tange à prescrição da pretensão punitiva. É o caso dos Tribunais de Contas de Alagoas [14], do Espírito Santo [15], de Goiás [16], de Minas Gerais [17], de Pernambuco [18], do Rio Grande do Norte [19], de Roraima [20], de Sergipe [21] e dos municípios da Bahia [22].
Alguns poucos tribunais mantêm a temática regulada apenas por julgados com força vinculante. É o caso do Tribunal de Contas da Bahia (Verbete de Súmula 17), do Paraná (Prejulgado nº 26), de Rondônia (Decisão Normativa 01/2018/TCE-RO) e do Município do Rio de Janeiro (Enunciados 166, 362, 382 e 410). Com exceção deste último, todos os julgados mencionados contemplam apenas a prescrição da pretensão punitiva.
Por fim, ainda relevante destacar que existem alguns tribunais que não regulamentaram a matéria, embora parte deles eventualmente aplique o instituto em sua jurisprudência, como ocorre com o Tribunal de Contas do Acre, que aplica a Resolução nº 344/2022, do TCU, como referência. Os Tribunais de Contas de Amapá, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo ainda não editaram normas sobre a matéria.
O balanço, portanto, é positivo, e demonstra um esforço importante dos Tribunais de Contas na preservação da segurança jurídica. Com exceção de cinco tribunais, que não regulamentaram o tema, todos os demais apresentam alguma disposição sobre a matéria, seja ela anterior ao precedente do STF (nove tribunais), seja em forma de julgados de força normativa ou equivalente (quatro tribunais), seja pela promoção de adequações em sua legislação (14 tribunais).
[1] Disponível em https://atricon.org.br/wp-content/uploads/2023/04/Nota-Recomendatoria-Conjunta-n-022023.pdf. Acesso em 17/08/2023.
[2] Resolução Administrativa nº 03/2023.
[3] Resolução 383/2023.
[4] Resolução 19503/2023.
[5] Resolução Normativa TC nº 02/2023.
[6] Decisão normativa 05/2022.
[7] Instrução Normativa nº 07/2023.
[8] Resolução TCMSP nº 10/2023.
[9] Artigo 166-A da Lei Orgânica do TCE-PI, acrescido pela Lei nº 7.896/2022.
[10] Artigo 83-A e seguintes da Lei Orgânica do TCE-SC, acrescido pela Lei Complementar nº 819/2023.
[11] Artigo 78-A da Lei Orgânica do TCM-PA, acrescido pela Lei Complementar nº 156/2022.
[12] Artigo 187-A e seguintes do Regimento Interno do TCE-MS (disposições acrescidas pela Resolução TCE- MS nº 188/2023).
[13] Artigo 83 e seguintes da Lei Complementar 752/2022 (“Código de Processo de Controle Externo do Estado de Mato Grosso”).
[14] Artigo 117, da Lei Orgânica do TCE-AL, complementado pela Resolução Normativa nº 3/2019 e pela Súmula 01.
[15] Artigo 71, da Lei Orgânica do TCE-ES e artigo 373 e seguintes do RI-TCE-ES.
[16] Artigo 107-A, da Lei Orgânica do TCE-GO.
[17] Artigo 110-A a 110-G, da Lei Orgânica do TCE-MG, complementados pelos arts. 182-A a 182-H do seu Regimento Interno.
[18] Artigo 73, §6º, da Lei Orgânica do TCE-PE.
[19] Artigo 111 e seguintes da Lei Orgânica do TCE-RN, complementado pelo artigo 327 e seguintes de seu Regimento Interno.
[20] Artigo 61, da Lei Orgânica do TCE-RR, complementada pelo artigo 212 do seu Regimento Interno e pela Portaria 1189/2020.
[21] Artigo 68 e seguintes da Lei Orgânica do TCE-SE.
[22] Artigo 181 e seguintes do Regimento Interno do TCM-BA.
Artigo originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico, em 20 de setembro de 2023.
por Giamundo Neto Advogados | fev 16, 2021 | Direito Administrativo, Tribunal de Contas
por Fernanda Leoni
No último dia 03/02/2021, o Tribunal de Contas da União, em sessão pública do Plenário, fixou entendimento acerca do cálculo adequado para a exigência de garantia adicional quando da celebração de contratos administrativos que derivem de propostas com valores presumidos inexequíveis, conforme definido no Acórdão nº 169/2021.
O entendimento foi manifestado em resposta à consulta formulada pelo Tribunal Federal Regional da 1ª Região acerca da melhor exegese da redação do artigo 48 da Lei Federal nº 8.666/1993 que, ao tratar do tema, trazia uma série de dúvidas em sua aplicação, muitas vezes objeto de crítica pela doutrina e jurisprudência.
Segundo o referido dispositivo legal, as propostas que se apresentassem superiores ao orçamento da licitação ou que fossem consideradas manifestamente inexequíveis seriam desclassificadas do certame, salvo se comprovada a sua viabilidade por meio da demonstração da coerência dos custos de seus insumos com os preços de mercado e da compatibilidade dos seus coeficientes de produtividade com a execução do objeto do contrato.
Para a identificação (ou presunção) da inexequibilidade, o §1º do mesmo dispositivo estabelece um parâmetro objetivo, de modo que serão consideradas inexequíveis as propostas que se mostrarem inferiores a 70% do menor entre os seguintes valores: (i) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado pela administração; ou, (ii) valor orçado pela Administração contratante.
Veja-se que a inexequibilidade da proposta, extraída dos cálculos acima mencionados, consiste em presunção de natureza relativa, como se extrai do próprio artigo 48, inciso II, da norma, que autoriza o licitante a comprovar a adequação de seus preços. Tal conclusão, inclusive, é reforçada pelo teor da Súmula 262, do TCU, quando estabelece que “o critério definido no artigo 48, II, §1º, ‘a’ e ‘b’ da Lei 8.666/1993 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta”.
Mas há uma segunda hipótese de presunção de inexequibilidade estabelecida pela norma, que autoriza a contratação da licitante, ainda que sem prova da adequação de seus preços, mas desde que reforçada a garantia contratual, que há anos tem a sua aplicação questionada em razão da dificuldade de compreensão da redação do dispositivo legal, que assim estabelece:
Art. 48. Serão desclassificadas:
(…)
§ 1º. Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela administração, ou,
b) valor orçado pela administração.
§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b”, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.
Como bem ressaltou a equipe técnica da SeinfraRodoviaAviação no relatório que compõe o Acórdão nº 169/2021, a leitura do §2º, do artigo 48 autoriza, pelo menos, três diferentes interpretações sobre o que formaria o “valor resultante do parágrafo anterior”, a saber: (i) 70% do menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48; (ii) o menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48; ou, ainda, (iii) 80% do menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48.
Quanto à primeira interpretação, o TCU, calcado no entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, vinha afastando essa compreensão por considerá-la desproporcional. Nesse sentido, o Acórdão nº 2.503/2018-Plenário, precedente relevante sobre o tema, se valia da lição da autora ao ponderar que “a interpretação literal do dispositivo, que levaria a calcular o montante da garantia pela diferença entre 70% do menor valor referido nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do §1º e o valor da correspondente proposta, tem de ser afastada, porque levaria ao absurdo”.
Já a última interpretação era usada no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, autor da consulta, com base na disciplina de Marçal Justen Filho, para quem “o único modo de tornar efetiva a garantia legal é supor que a garantia tem de abranger a diferença entre o valor da proposta e 80% do menor valor apurado segundo o §1º”.
Comparando as duas interpretações comumente adotadas e aplicando-as a exemplos práticos, a equipe técnica da Corte de Contas verificou que a adoção do primeiro critério acabaria por determinar a apresentação de garantia adicional que poderia variar entre 29% e 43% do valor do contrato, percentual bastante diverso daquele estabelecido no artigo 56, da Lei Geral de Licitações (que alcança o limite máximo de 10% do valor do contrato, ainda assim, aplicável somente a contratações de maior vulto e complexidade técnica).
Diante disso, a equipe técnica ponderou que a conclusão que mais condizia com a interpretação lógica e sistemática do §2º do artigo 48 da Lei de Licitações era aquela que estabelecia como cálculo para a garantia adicional a seguinte fórmula “Garantia Adicional = (80% do menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48) – (valor da correspondente proposta)”.
A instrução da equipe técnica, ratificada pelo Ministério Público de Contas, foi acatada pelo Plenário do Tribunal, tendo recebido apenas o voto divergente do ministro Weder de Oliveira, que entendeu pela impossibilidade de conhecimento da consulta dada a possível ilegitimidade da autoridade consulente.
Vale esclarecer, por fim, que em conformidade com o artigo 264, §3º, do Regimento Interno do TCU, a resposta à consulta “tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto”, de forma que o entendimento fixado, a partir da publicação do acórdão, deve ser observado por todos os entes que realizem contratações com recursos de natureza federal.
NOTAS:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Qual a forma de calcular a garantia adicional prevista no art. 48, § 2º, da Lei nº 8.666/93? Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 263, p. 10-16, jan. 2016.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2014. p. 878.
Artigo originalmente publicado no Estadão, no blog Gestão Política e Sociedade, em 12.02.2021.
por Giamundo Neto Advogados | maio 14, 2020 | Direito Administrativo, Tribunal de Contas
por Fernanda Leoni
O texto tem como base o julgamento de irregularidade por acessoriedade pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Considerações iniciais
Desde 2008[1], o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo vem consolidando em sua jurisprudência a aplicação de técnica decisória que denomina de julgamento por acessoriedade, a permitir a análise conjunta da licitação, contrato administrativo decorrente e eventuais termos aditivos.
Segundo a lógica empregada pelo Tribunal, acaso identificada qualquer irregularidade no procedimento de licitação, o contrato daí advindo será igualmente considerado irregular, sem que se faça qualquer avaliação precisa sobre o instrumento contratual. O mesmo se diga com relação aos aditivos contratuais quando comparados ao contrato, sendo certo que eventual achado de auditoria que acometa a regularidade do instrumento contratual automaticamente alcançará os respectivos aditamentos.
Essa orientação, também denominada como princípio da acessoriedade, ao que se identifica da jurisprudência do TCE/SP, foi construída a partir da noção presente no Código Civil de que os bens, quando reciprocamente considerados, são classificados em principais e acessórios, estando estes últimos vinculados ao principal e, por conseguinte, aptos a seguirem o mesmo destino que for aplicado ao primeiro[2].
Nesse sentido, ao avaliar a regularidade de termo de re-ratificação contratual, ponderou o Tribunal que tal ato, por configurar-se como extensão do negócio principal, estaria contaminado por eventuais vícios do instrumento originário, tendo o Conselheiro Relator ressaltado que tal situação “encontrava-se bem definida no artigo 59 do antigo Código Civil (‘salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal’), cujo teor, embora não esteja expressamente repetido no novo Código, encontra guarida no artigo 92, que mantém o princípio de que a coisa acessória segue a sorte da principal”[3].
Inobstante a disciplina estar inicialmente voltada aos bens – conceito que não abrange os negócios jurídicos, independentemente de sua qualificação –, o princípio accessorium sequitur suum principale está presente em todo o Código Civil e também se dirige ao campo das obrigações.
Mas para que se avalie a pertinência da aplicação desta regra aos atos e contratos analisados pelo Tribunal de Contas, há a necessidade de aprofundamento de alguns conceitos gerais.
A aplicação da regra da acessoriedade no Direito Privado
Como pontuado acima, a classificação entre os bens principais e acessórios se extrai do artigo 92, do Código Civil, que determina que “principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal”.
O Código Civil de 1916 estabelecia quanto ao tema que “salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal” (artigo 59, do Código Civil de 1916) e, embora ausente regra expressa no atual Codex neste sentido, a doutrina civilista compreende que tal regra permanece vigente[4].
Como se extrai dos dispositivos legais em comento, a acessoriedade decorre de uma relação de dependência que incide na existência do bem. Por isso, a noção de que o bem principal existe por si só, de forma abstrata ou concreta, não dependendo de qualquer outro fato para permanecer no mundo jurídico, enquanto o bem acessório depende necessariamente da existência do principal para coexistir no ordenamento jurídico e, uma vez extinto o principal, não lhe cabe sorte diversa.
No âmbito do Direito Civil, essa relação de dependência não se extingue na temática dos bens, sendo que “a acessoriedade pode existir entre coisas e entre direitos, pessoais ou reais”[5], aplicando-se, igualmente, à temática dos contratos:
Os contratos principais são os que têm existência autônoma, independentemente de outro. São, até mesmo por força dos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual, a regra geral no sistema jurídico. Por exceção, existem determinadas relações contratuais cuja existência jurídica pressupõe a de outros contratos, a qual servem. É o caso típico da fiança, caução, penhor, hipoteca e anticrese[6].
Logo, a classificação empregada para os bens pode ser dirigida aos contratos privados que, mesmo excepcionalmente, podem ser designados como principais ou acessórios, a depender do tipo de relação de dependência que entre eles se forme.
A aplicação da regra da acessoriedade no Direito Público
A Lei de Licitações e Contratos Administrativos, limitando-se a um campo bem menos abrangente do que o Código Civil, não trouxe qualquer regramento sobre o tema, até mesmo porque incidem sobre as relações jurídico-administrativas, de forma excepcional, as disposições gerais de Direito Privado[7].
A princípio, sendo a acessoriedade regra atinente à disciplina da teoria geral dos contratos, nada impediria que essa distinção fosse aplicada aos contratos administrativos, desde que pertinente à avaliação realizada. Nesse sentido, cite-se, por exemplo, a natureza acessória do contrato de garantia de execução de obras comparativamente ao contrato administrativo para a execução de uma obra pública (artigo 56, da Lei n° 8.666/1993).
No entanto, o reconhecimento de que acessoriedade poderia ser aplicada às relações jurídicas de Direito Público – e notadamente aos contratos administrativos – não implica reconhecer a adequação do emprego desse conceito para o julgamento de irregularidade realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Ao menos não sem o aprofundamento de outras abordagens, conforme tópicos seguintes.
Da (in)existência de acessoriedade entre a licitação e o contrato administrativo
Partindo-se da premissa de que a regra da acessoriedade teria aplicação no campo do Direito Público, cumpre analisar se a relação de dependência necessária para a sua incidência está presente nas avaliações realizadas pelo TCE/SP, mais precisamente se existe dependência entre o contrato administrativo e a licitação da qual tenha derivado.
A licitação, de acordo com a clássica lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, consiste em “procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados”[8]. Pela ideia de procedimento administrativo, extrai-se, também, que a licitação nada mais é do a “sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo”[9].
O contrato administrativo, por sua vez, é “um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”[10]. Antes de administrativo, trata-se de um contrato, uma relação jurídica estabelecida entre uma ou mais partes e que, em razão de sua natureza, se afasta do conceito de ato administrativo atinente às licitações.
O que caracteriza um contrato administrativo, portanto, não é a situação de advir de um procedimento licitatório, fato que embora relevante não é digno de nota para fins de conceituação do instituto. Também é administrativo o contrato emergencial advindo de contratação direta por dispensa (artigo 24, inciso IV, da Lei Geral de Licitações) ou o contrato decorrente de credenciamento por inexigibilidade (artigo 25, da Lei Geral de Licitações).
A nota distintiva para a definição dos contratos como administrativos também não está na presença da Administração Pública enquanto contraente, sendo reconhecida a possibilidade de que entes públicos celebrem contratos privados. Será a estreita submissão à lei e a possibilidade de instabilização do vínculo contratual pela variação do interesse público que qualificará determinado contrato como administrativo.
Isso quer dizer que embora a licitação seja, em regra, a fonte originária dos contratos administrativos, não haverá uma imediata relação de dependência entre um e outro, a ponto de que eventual irregularidade presente no procedimento de licitação macule a validade do respectivo contrato.
Nesse sentido, o legislador houve por bem traçar uma linha cronológica entre esses atos e negócios jurídicos, que corresponde ao procedimento de homologação do certame, previsto no artigo 43, inciso VI, da Lei n° 8.666/1993, seguido da adjudicação do objeto do contrato ao vencedor da licitação.
O ato de homologação, como pondera Carlos Ari Sundfeld, tem duplo conteúdo, sendo que “de uma parte, declara a sua validade, sua conformidade com os ditames normativos” e “de outro, decide pela contratação”[11]. Trata-se, em outros termos, do julgamento, pela Administração, da legalidade de todo o procedimento licitatório, sendo certo que “estando ele de acordo com a lei e o edital, a autoridade superior determinará a adjudicação do objeto licitado ao proponente classificado em primeiro lugar, mas se verificar qualquer ilegalidade deixará de homologar o julgamento e invalidará o ato irregular ou todo o procedimento, conforme o caso”[12].
Logo, o ato de homologação, por si só, é espécie de controle da legalidade da licitação, de forma que dele não poderá sobrevir qualquer irregularidade a macular o contrato decorrente. Diante da irregularidade cabe à autoridade a sua convalidação ou a sua invalidação, a depender da escala de gravidade do vício identificado, como esclarece Hely Lopes Meirelles:
A autoridade terá diante de si três alternativas: confirmar o julgamento, homologando-o; ordenar a retificação da classificação no todo ou em parte, se verificar irregularidade corrigível no julgamento; ou anular o julgamento, ou todo o procedimento licitatório, se deparar irregularidade insanável e prejudicial ao certame em qualquer fase da licitação[13].
Com isso, parece correto afirmar que a identificação de eventual irregularidade da licitação não poderá alcançar o contrato dela decorrente, posto que o ato de homologação, enquanto típico controle interno, sanará o vício ainda na fase licitatória. Por esse aspecto, não há acessoriedade que faça eventual irregularidade do certame ser transposta ao contrato administrativo.
Dessa forma, não nos parece que a técnica decisória ou princípio da acessoriedade possa ser aplicada como fundamento da declaração de irregularidade do contrato por vício ou falha eventualmente encontrada na licitação, tendo em vista a ausência de uma relação de dependência a afetar a existência de um ou outro, salvo nas hipóteses específicas de nulidade, que serão abordadas em tópico distinto.
A discussão de acessoriedade entre o contrato e seus aditivos
Ponderou-se anteriormente que a acessoriedade também é aplicada pelo TCE/SP para julgar a regularidade de aditivos em relação ao respectivo contrato, sendo que a irregularidade que acometa esse último eventualmente alcançaria os aditamentos celebrados, tornando-os igualmente irregulares.
Partindo do pressuposto de que a acessoriedade é aplicada quando existente relação de dependência entre os bens, direitos ou negócios jurídicos reciprocamente avaliados, há, de fato, uma dificuldade de análise voltada à compreensão do tema.
Isso porque, a conexão existente entre os termos aditivos e o contrato do qual derivam não é necessariamente de dependência, posto que instrumentalizam uma mesma relação jurídica. O contrato e os aditivos são, antes de mais nada, um tipo de instrumento apto a formalizar um negócio jurídico.
A diferença pode ser sútil, mas se mostra relevante para a avaliação ora realizada. Enquanto a acessoriedade alcança relações jurídicas diversas, mas conexas por um vínculo de dependência; o liame entre um instrumento de contrato e seus aditivos é de continuidade, tratam-se, ambos, de mecanismos inerentes a um mesmo negócio jurídico.
Mas se contrato e aditivo formalizam instrumentos de uma única (e mesma) relação jurídica, poder-se-ia sustentar que a dependência sequer seria necessária, não havendo razão para se invocar a acessoriedade, pois presente vício no contrato, seus aditivos seriam automaticamente contaminados por tratarem do mesmo negócio jurídico. E, sim, a resposta pode ser positiva, a depender da análise do caso propriamente dito.
Contudo, um aprofundamento do tema para a resposta a esse questionamento perpassa necessariamente pela avaliação, ainda que pontual, da teoria das nulidades aplicadas aos atos e contratos administrativos, assim como ao alcance das decisões dos Tribunais de Contas quando apreciam a regularidade destes atos e contratos.
Alguns aspectos relacionados à teoria das nulidades no Direito Administrativo
Não é a pretensão desse artigo retomar toda a ampla análise que vem sendo há muito realizada pela doutrina acerca da aplicação da teoria das nulidades no Direito Administrativo, mas apenas esclarecer alguns aspectos fundamentais à análise do tema em destaque.
Nesse sentido, rememore-se que são muitas as classificações existentes no Direito Público para o tratamento acerca da validade ou invalidade de um ato ou contrato administrativo, sendo aqui adotada a categorização de Celso Antônio Bandeira de Mello.
Para o autor, os atos inválidos são classificados em atos inexistentes, atos nulos e atos anuláveis, a depender do grau de lesividade que representem ao interesse público. Os atos inexistentes são aqueles acometidos de vício que os insira no campo da impossibilidade jurídica, enquanto a distinção entre atos nulos e anuláveis está centrada na possibilidade ou não de sua convalidação e saneamento do vício. O autor também identifica a categoria dos atos irregulares, que apresentam falhas de menor relevância, geralmente relacionadas a algum equívoco de formalização.
A classificação acima apresentada é trabalhada pela doutrina também com relação às consequências jurídicas desses atos. Nesse sentido, os atos inexistentes teriam vícios de notória gravidade, a ponto de sequer produzirem efeitos[14]; os atos nulos, quando assim reconhecidos, teriam seus efeitos desconstituídos com a invalidação; os atos anuláveis poderiam ter seu vício sanado e efeitos convalidados, assim como os atos irregulares[15].
As consequências da identificação de um ato ou contrato inválido, a partir da classificação acima apresentada, tem relação direta com a possibilidade ou não do julgamento por acessoriedade, considerando a ideia de dependência trazida à tona pelo TCESP para a extensão dos efeitos de suas decisões.
A tese da acessoriedade, como já se pontuou, é aplicada ao julgamento da regularidade de um ato ou contrato. Mas, antes de se prosseguir, convém um esclarecimento pontual sobre o julgamento de regularidade.
A Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Lei Complementar n° 709/1993) emprega o julgamento de regularidade somente à competência de julgamento de contas (artigo 71, inciso II, da Constituição Federal), quando lhe autoriza a decidir sobre sua regularidade, regularidade com ressalvas ou irregularidade (artigo 32, da LC).
Tal classificação, portanto, não está voltada para a análise dos atos e contratos isoladamente, mas ao julgamento de contas, que é uma competência específica, dentre tantas outras previstas no artigo 71, da Constituição Federal e no artigo 2°, da Lei Complementar n° 709/1993. Todas as demais atribuições do órgão permanecem submetidas ao julgamento de legalidade, legitimidade e economicidade.
Nesse sentido, identificada qualquer contrariedade do ato (sob controle) à lei, por qualquer das perspectivas acima referenciadas (legalidade, legitimidade ou economicidade), o ato estará viciado, o que, por sua vez, demanda a análise do alcance e lesividade do vício apontado para fins de sua manutenção ou não no ordenamento jurídico.
Como consequência dessa análise, identificada causa de nulidade – que, como visto, demanda a retirada do ato do ordenamento jurídico – poderão seus efeitos alcançar atos que tenham relação de dependência ou, mesmo que assim não se apresentem, tenham correlação entre si.
A Lei de Licitações não desborda dessa realidade ao prever, por exemplo, que “a declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos” (artigo 59), assim como que “a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato” (artigo 49, §2°).
Note-se que a lei é expressa em consignar regra geral do Direito acerca dos efeitos da invalidação dos atos nulos[16], o que não se aplica à identificação de causa de nulidade, passível de convalidação e, com menor razão, às simples irregularidades.
Logo, não é porque a licitação apresentou uma “irregularidade”, no conceito genérico empregado pelo TCE/SP, que o contrato decorrente será contaminado pelo vício. Somente a identificação de uma causa de nulidade, que autoriza a invalidação do ato e de todos os seus efeitos, poderá ter alcance suficiente para abranger o ato seguinte, mesmo que desconsiderada completamente a tese da acessoriedade.
Considerações finais
Apesar de os julgamentos do Tribunal de Contas fazerem menção à análise de regularidade, sua avaliação tem maior amplitude e alcança, em verdade, a avaliação de legalidade do ato / contrato passível de controle. O controle de legalidade – que é apenas um dos possíveis critérios do controle exercido pela Corte de Contas – incide sobre a validade do ato, autorizando, portanto, que tais órgãos identifiquem atos eventualmente inexistentes, nulos e anuláveis (além de meramente irregulares).
A extensão do tipo de determinação em cada situação, no entanto, difere na prática, seja em relação ao tipo de vício encontrado, seja quanto ao tratamento dos efeitos produzidos. Como se pôde avaliar, a invalidação de um ato e de seus consectários apenas será possível quando identificada causa de nulidade – para as hipóteses de anulabilidade ou irregularidade, o saneamento do vício é o caminho.
Nesse sentido, o emprego da regra da acessoriedade, enquanto técnica de julgamento ou princípio de ponderação, deve ser usada com parcimônia pelos Tribunais de Contas, na medida em que não tem o alcance pretendido e demonstrado especialmente na jurisprudência do TCE/SP, afora a clara problemática relacionada ao direito de defesa das partes, limitado pela ausência de apreciação específica de cada ato praticado.
Por fim, vale a ressalva de que mesmo que identificada causa de nulidade no controle, não cabe aos Tribunais de Contas à invalidação imediata do ato[17], cuja competência se volta especialmente à Administração Pública, não descartada, se for o caso, a responsabilização do agente que venha a descumprir sua determinação.
Referências bibliográficas
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
FREIRE, André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos administrativos inválidos. São Paulo: Malheiros, 2008.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume IV. Tomo I. Contratos: Teoria Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume 1 – Parte Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros.
ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1990.
[1] Existem acórdãos anteriores a essa data, porém, ao que consta da pesquisa de jurisprudência realizada pela ferramenta disponibilizada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a partir do ano de 2008, os acórdãos relacionados ao tema aparecem de forma mais frequente.
[2] Cf. artigo 92, do Código Civil: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal”.
[3] Cf.: TCE/SP. TC n. 13516/026/02. Relator Conselheiro Fúlvio Julião Biazzi. Sessão de 14/09/2009.
[4] Cf.: “A coisa acessória segue lógica e obviamente a principal (RT, 177:151); apesar de inexistir disposição expressa em lei a respeito, esse princípio infere-se da análise do ordenamento jurídico” (DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 137).
[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume 1 – Parte Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 189.
[6] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume IV. Tomo I. Contratos: Teoria Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 70.
[7] Cf. artigo 54, da Lei n° 8.666/1993: “Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.
[8] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 526.
[9] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 487.
[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 621.
[11] SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 178.
[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 280-281.
[13] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 281.
[14] Cf.: “Em suma, os atos inexistentes não introduzem normas jurídicas, eles realmente não existem no sistema jurídico-positivo como atos jurídicos; logo, não serão fontes de efeitos jurídicos (direitos, deveres, pretensões etc.). Ou seja, eles não são atos administrativos, não sendo possível cogitar sequer de sua invalidade (que, repita-se, pressupõe a existência)” (FREIRE, André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos administrativos inválidos. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 77-78).
[15] Cf.: “O princípio da legalidade visa a que a ordem jurídica seja restaurado, mas não estabelece que a ordem jurídica deva ser restaurada pela extinção do ato inválido. Há duas formas de recompor a ordem jurídica violada, em razão dos atos inválidos, quais sejam, a invalidação e a convalidação. Aliás, parece mais consentâneo com a restauração da legalidade, ao menos quando nos deparamos com atos que podem ser repetidos sem vícios, instaurá-la, no presente, pela correção do ato do que por sua fulminação. Assim, o princípio da legalidade não predica necessariamente a invalidação ou a convalidação, uma vez que ambas são formas de recomposição da ordem jurídica violada” (ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1990. p. 54).
[16] Cf. artigo 169, do Código Civil: “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Válida, também, a menção ao artigo 184, do Código Civil, que assim consigna: “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”.
[17] Nesse sentido, válida menção a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema: “De partida, considere-se que o Tribunal de Contas da União não é um tribunal administrativo, no sentido francês, dotado de poder de solução dos conflitos em última instância. O princípio da inafastabilidade da jurisdição impede que haja essa equiparação, além do que os poderes desse órgão estão devidamente delimitados constitucionalmente no art. 71 da Constituição, o qual, na parte de interesse, estabelece: (…) Especificamente no que se refere ao caso dos autos, o inciso IX do art. 71 da Carta Maior fornece o núcleo das prerrogativas do TCU no exame de atos e negócios administrativos. Suas atribuições abrangem a fixação de prazo ao órgão ou à entidade a fim de que adote providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade. (…) De acordo com a jurisprudência do STF em torno desse inciso, ‘o Tribunal de Contas da União, embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos, tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou’” (MS 23.550, redator do acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 4/4/02, Plenário, DJ de 31/10/01). (STF, MS 26000, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/10/2012, Grifos nossos).
Artigo originalmente publicado no portal JUS, em 13.05.2020.