por Alexandre Krause Pera e Victoria Zito Santos
Ligada, no passado às pessoas detentoras de empresas comandadas por núcleos familiares, que organizavam estruturas jurídicas para a alternância do comando empresarial a cada geração, a cultura do planejamento patrimonial familiar vem ganhando, nos últimos tempos, força no Brasil, especialmente neste período de tantas incertezas, agudizadas com a pandemia do coronavírus.
Antes deste conturbado período, o brasileiro já vinha, gradualmente, nas últimas décadas, incorporando este tipo de discussão de organização patrimonial na sala de estar, especialmente por conta das vantagens de os herdeiros encontrarem tudo organizado após o evento do falecimento de seus entes.
Contudo, é notável o recente aumento do interesse e busca por assessoria jurídica voltada à estruturação de planejamentos patrimoniais, como revelam os dados extraídos do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), segundo os quais mais de 185 mil atos de transferência de bens, ou seja, inventários, testamentos, partilhas e doações, foram realizados no último semestre de 2020, contabilizando, portanto, 11 mil atos a mais do que o mesmo período de 2019.
Ainda de acordo com o levantamento do CNB/CF, houve crescente procura pelos serviços acima descritos, nas unidades da federação, no segundo semestre de 2020, cabendo destacar os seguintes estados com altos índices: Amapá (75%), Rondônia (23%), Maranhão (21%), Paraná (16%), Distrito Federal (15%), Mato Grosso do Sul (15%), São Paulo (13%), Roraima (9%) e Mato Grosso (9%).
A partir de tais dados, portanto, pode-se afirmar que, na última década, nunca, em um único semestre, tantas pessoas realizaram transmissão de bens como nos últimos seis meses de 2020.
Afora os dados apontados, também é possível notar, no mundo jurídico, o aumento da procura por aconselhamento jurídico relacionado ao planejamento patrimonial, destacando-se as buscas de consultas por holdings patrimoniais, que são empresas que visam organizar bens imóveis e participações societárias, além da obtenção, em alguns casos, de redução da carga tributária; da realização de acordos de sócios para instituição de melhor governança nas empresas familiares; do aconselhamento de doações e testamentos com cláusulas de proteção aos doadores e donatários; da constituição de empresas no exterior; do planejamento feito com seguros de vida, dentre outras.
Algumas são as possíveis explicações para a mudança de comportamento.
A primeira delas é a preocupação do ser humano em organizar o amanhã, quando aqui não mais estaremos, realçada, neste período, pela crise sanitária e o verdadeiro estado de calamidade pública em que vivemos.
A segunda é a atenção com o provável aumento das alíquotas dos impostos estaduais que regulam a transmissão de bens em doação e herança.
E, por fim, a terceira razão pode ser a adesão a novas formas de tecnologia, impostas pela necessidade de isolamento social, das quais se destacam, por exemplo, a plataforma e-notariado, instituída pelo Provimento n.º 100 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que permite a realização de atos notariais por videoconferência, com o colhimento de assinaturas pela via digital.
Sejam quais forem as razões da procura pelo aconselhamento jurídico em relação ao planejamento patrimonial, não há dúvida de que o amadurecimento em relação às discussões neste sentido é benéfico, uma vez que aqueles que o fazem tem ao seu dispor eficazes instrumentos, para que, no futuro, seja cumprida a sua vontade na sucessão.
Artigo originalmente publicado na coluna do Fausto Macedo, do Estadão, em 06.03.2021.