por Luiz Fernando Plens de Quevedo
Ainda no 1º dia do mês de abril de 2020, foi publicada a MP 936 que, além de instituir o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, flexibilizou as regras para a redução da jornada de trabalho, com respectiva redução salarial, bem como flexibilizou o procedimento necessário à suspensão do contrato de trabalho, o que se deu através da exclusão da obrigatória submissão da questão à negociação coletiva. Ou seja, a MP possibilitou que, como resultado da negociação entabulada diretamente entre empregado e empregador, seja possível reduzir jornada de trabalho e salário por até noventa dias ou suspender o contrato de trabalho por até sessenta dias, sem que a participação do sindicato seja necessária para dar validade ao ato jurídico.
Vencida a ansiedade pela publicação de medida em substituição ao revogado art. 18, da MP 927/2020, que havia ensaiado a hipótese de suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses, sem prever, contudo, contraprestação alguma ao trabalhador. Agora, após a publicação da MP 936/2020, a ansiedade foi transferida para a necessária apreciação do tema pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que, sem dúvida alguma, a MP 936/2020 vai de encontro ao inciso XIII, art. 7º da Constituição – “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” –, e foi exatamente isso o que se viu nas primeiras linhas da decisão proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski em 06.04.2020, segunda-feira: “num exame ainda perfuntório da inicial, próprio desta fase processual, parece-me que assiste razão, em parte, ao partido político que a subscreve”, ao se dirigir ao Partido Rede Sustentabilidade, responsável pela distribuição, ainda em 02.04.2020, da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 6363-DF, com pedido de Medida Cautelar.
O fundamento jurídico da ADIN é a inconstitucionalidade da MP 936/2020, por violação direta aos incisos VI, XIII e XXVI, art. 7°, e incisos XXX e VI, art. 8º, da Constituição Federal. Pretende-se, assim, a declaração de inconstitucionalidade da MP 936/2020, especificamente: “a fim de afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho”.
Na decisão proferida apenas cinco dias após a publicação da MP 936/202, o Ministro Ricardo Lewandowski trouxe a posição pública da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT. Destacou-se orientação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ao reconhecer a fragilidade dos empregadores diante da pandemia, cujo efeito colateral repercute na precarização das relações de trabalho. Ainda assim, a OIT ratificou histórica posição que, promovida desde 1919, tem como premissa a defesa do diálogo social tripartite, envolvendo governo, representantes dos empregados e representantes dos empregadores, como medida viável ao enfrentamento dos abalos causados pela crise no mundo do trabalho.
O Ministro ainda buscou exemplos na experiência internacional para a hipótese especifica da atual pandemia. Tudo isso para voltar à conclusão inicial da evidente inconstitucionalidade da previsão contida na MP 936/2020, a autorizar que a redução da jornada e do salário, bem como a suspensão do contrato de trabalho, se façam lícitas sem assistência sindical, haja vista a evidente “assimetria do poder de barganha.”
Contudo, e diante da singularidade dos tempos vividos, o novo redirecionamento da decisão proferida pelo STF deu-se na proporção da necessária cautela com a qual o Poder Judiciário deverá atuar diante das “graves proporções assumidas pela pandemia da Covid-19”. Ao final, o direcionamento da decisão localiza-se na seguinte passagem: “No entanto, não é dado aos juízes, independentemente da instância a que pertençam, seja por inércia, comodidade ou tibieza, abdicar de seu elevado múnus de guardiães dos direitos fundamentais, sobretudo em momentos de crise ou emergência.”
Diante da perspectiva singular da norma e do fato, reconheceu-se, em sede cautelar, a inconstitucionalidade da MP 936/2020. Contudo, “buscando preservara ao máximo o texto normativo sob ataque”, o qual “certamente editado com o melhor dos propósitos”, foi deferida a cautelar pretendida pelos autores da ADIN, mas não com o efeito almejado.
Em síntese, a modulação da decisão, ainda precária, proferida pelo Relator da ADIN no STF, Ministro Ricardo Lewandowski, encontrou na própria MP 936/2020, a saída para o imbróglio.
O § 4º do art. 11 da MP 936/2020 exige que, sendo celebrado acordo individual para redução do salário ou suspensão do contrato, “deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”. A decisão do STF, deferiu a Medida Cautelar para incluir, à exigência legal de informação ao sindicato, condição para que se alcance a plena validade jurídica, nos termos da qual “os acordos individuais somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados”
Assim, após celebrar o acordo individual de redução salarial e/ou suspensão do contrato e trabalho, deverá o empregador comunicar o fato ao sindicato. Ao sindicato será devido, no prazo de quatro dias, manifestar sua concordância pelo acordo ou expor suas intenções coletivas pela negociação de acordo coletivo sobre o tema. Na ausência de resposta do sindicato, presume-se sua concordância, convalidando-se, assim, a plena validade jurídica do acordo individual celebrado entre empregado e empregador.
Não existe, contudo, previsão de consequência ao Governo Federal, que, no mesmo prazo de dez dias, deverá receber notícia do acordo individual celebrado, oportunidade em que incluirá o empregado como beneficiário do Programa de Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que passará a receber o benefício em 30 dias.