Por Camillo Giamundo e Leonardo Muradian Cundari

A nova lei de licitações (lei 14.133/21), a despeito de conservar boa parte dos dispositivos e ritos previstos na antiga lei (lei 8.666/93), foi responsável por integrar uma série de mecanismos presentes em normas específicas de contratações públicas, como a lei do pregão (lei 10.520/02) e o Regime Diferenciado de Contratações (lei 12.462/11).

Exemplo disso é a contratação integrada e a contratação semi-integrada, modalidades já existentes e, portanto, testadas pela Administração Pública ao longo dos últimos anos, e que foram incorporadas na norma geral de licitações com a finalidade de unificar certos aspectos do procedimento licitatório em uma mesma lei.

Inicialmente prevista nas contratações promovidas pela Petrobras, a contratação integrada passou a ser efetivamente disseminada a partir da edição da lei do regime diferenciado de Contratações, instituído especialmente para acelerar a construção e modernização de estádios e aeroportos com vistas a aprimorar a infraestrutura do país para a recepção da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. A novidade chamou atenção pelo caráter modernizador, apesar de, na prática, o a modalidade sofreu uma série de críticas direcionadas a contratações com superfaturamento ou que não foram entregues.

Dez anos depois de sua positivação, a contratação integrada e semi-integrada foi adotada pela nova lei de licitações, tornando-se importante compreender seu conceito, funções e finalidades.

A contratação integrada é, nos termos da própria lei, um regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

Já a contratação semi-integrada se define da mesma maneira, com exceção do fato que a contratada não elabora nem desenvolve o projeto básico, e sua atuação se inicia a partir do projeto executivo.

Essas modalidades de contratação funcionam conforme o escopo do turn-key, ou “virada de chave”, na qual a contratante, no caso a Administração Pública, recebe a obra já em sua versão final, pronta para iniciar as atividades e cumprir sua finalidade.

A partir disso, percebe-se que o particular contratado fica encarregado de elaborar, desenvolver e executar a maior parte do contrato, o que se mostra uma mudança significativa com relação à antiga lei de licitações: agora, uma mesma empresa poderá ser encarregada de elaborar o projeto e executar a obra, o que até então era vedado pelo art. 9° da antiga lei.

A finalidade destas modalidades está contida no próprio nome do instituto: a integração das etapas da obra ou serviço de engenharia por meio da delegação à iniciativa privada, desde o projeto básico até a entrega em sua forma final. Essa finalidade visa a proporcionar (i) maior padronização no serviço prestado ou na obra executada, tendo em vista a presença de uma mesma empresa ao longo de quase todo o processo; e (ii) redução de custos, uma vez que a fragmentação das contratações demandaria mais de um procedimento licitatório, cada um com um objeto específico, e um maior dispêndio econômico-financeiro em consequência da lógica do “varejo e atacado”, ou seja, contratar serviços de uma mesma empresa pode sair mais barato do que fragmentá-los entre diversas contratadas.

Apesar destes avanços no aspecto da inovação e da modernização de obras públicas, essas modalidades também possuem encargos relevantes às empresas. Decorre da previsão legal que, em razão da delegação do projeto e da execução, boa parte dos encargos e dos riscos ficarão sob responsabilidade do particular contratado, que responderá pelos fatos supervenientes à contratação (art. 22, §4°, nova lei de licitações). No entanto, no tocante aos demais riscos inerentes, sejam eles quais forem, a lei exige que o edital contemple uma matriz de riscos celebrada entre a Administração Pública e a empresa, alocando-os entre ambas.

A matriz de riscos, por sua vez, é uma cláusula contratual obrigatória nas modalidades de contratação aqui discriminadas, na qual deve-se definir os riscos decorrentes da contratação e distribuí-los entre as partes, além de configurar o equilíbrio econômico-financeiro inicial. A partir desta cláusula, em razão desta configuração inicial, hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro serão admissíveis apenas quando a causa não estiver prevista na matriz de riscos, ou seja, quando não houver demarcação prévia de responsabilidade pelo ocorrido.

Sob a ótica da iniciativa privada, deve-se notar que tais modalidades permitem uma margem relativamente maior para sua atuação, contanto que formalmente aprovada pela Administração Pública (arts. 6°, XXVII, “b”, e 46, §3°). Sendo assim, cabe ao particular contratado harmonizar as partes do projeto, do fornecimento de bens, da execução, entre outras etapas delegadas a ela.

Essa categoria de contratação se enquadra na proposta modernizadora da Administração Pública de alcançar metas e resultados mais vantajosos e inovadores, da qual é possível deduzir o uso do método conhecido como performance based accountability, ou seja, a prestação de contas é voltada em maior medida ao resultado final. Ao se modelar como forma de contratação focada nas metas, a própria Lei separa obrigações de meio das obrigações de resultado, justificando-se uma maior liberdade concedida ao particular contratado para inovar.

A experiência com a modalidade de contratação integrada ou semi-integrada, até aqui, se mostrou bastante acertada e positiva no setor de infraestrutura brasileira para os objetivos aos quais foi idealizada, de modo que estando agora expressamente prevista na lei geral de licitações, espera-se que elas contribuam para um maior dinamismo nas contratações públicas, ao mesmo tempo que garantam a segurança jurídica por meio da alocação de riscos previamente estipulada entre contratante e contratada.

Publicado no Migalhas.