O relatório da International Energy Agency alerta sobre a necessidade de expansão dos investimentos em infraestrutura para armazenamento e transporte de hidrogênio renovável

por Giuseppe Giamundo Neto e Joaquim Augusto Melo de Queiroz

O período que antecede à realização da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP) usualmente movimenta a agenda parlamentar nacional. O ano de 2023 não fugiu à regra. Na semana anterior à COP, intensificaram-se as articulações para a aprovação na Câmara dos Deputados de projetos de lei associados à denominada pauta verde.

Essas propostas estão inseridas no contexto de transição energética para economias com baixa emissão de carbono. E os eventos climáticos extremos, decorrentes do aquecimento global, têm feito soar o alerta da necessidade de mudanças. A cidade de São Paulo, por exemplo, experimentou violentas ondas de calor em novembro de 2023. Temporais e vendavais flagelaram as redes de distribuição de energia elétrica, trazendo caos à população ao longo de dias. O mesmo ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, castigada por enchentes, mortes e com a sua população sem energia elétrica. Há urgência inegável para a implementação de novas políticas públicas que enderecem o desafio climático. E os corredores do Congresso Nacional têm reverberado essa percepção.

Após negociações entre os líderes partidários, o Projeto de Lei (PL) nº 2308/2023 foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Em resumo, o projeto visa à instituição do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, conhecido no jargão popular como hidrogênio verde (ou renovável). O tema vem ganhando destaque nas manchetes. E há grande expectativa de que possa fomentar novos investimentos nesse segmento.

O recente memorando de entendimentos formalizado entre os governos alemão e do Piauí, com o fito de implantar usina de produção de hidrogênio renovável em larga escala, ilustra bem essa tendência. A notícia causou alvoroço pelos números grandiosos da empreitada, ainda que represente apenas uma etapa preliminar do projeto. Há uma sensação de corrida contra o tempo. E ela vem acompanhada de intensos debates sobre a necessidade de concessão, e a extensão, de subsídios para a consolidação deste setor. Questões polêmicas. E com defensores aguerridos para as diversas correntes envolvidas.

Enquanto a matéria prossegue para análise pelo Senado, um ponto sensível merece reflexão. Trata-se da necessidade de investimentos na infraestrutura portuária para o desenvolvimento de projetos dessa envergadura. Nos últimos anos, as tratativas para a concepção de projetos de hidrogênio renovável vêm se multiplicando. O Hub de Hidrogênio Verde do Complexo do Porto de Pecém, no Ceará, desponta nesse sentido. Isso porque ele desfruta de parceria com o Porto de Rotterdam, além de já existirem memorandos de entendimento assinados. Projetos no Porto de Açu, no Rio de Janeiro, também ganharam fôlego com os acordos firmados em 2023. O mesmo ocorre em relação ao Hub do Porto de Suape, em Pernambuco.

A despeito das negociações em curso, a infraestrutura desses portos deverá ser modernizada. Sobretudo se considerada a correlação entre a produção de hidrogênio renovável e o desenvolvimento da indústria eólica offshore. Estudo técnico patrocinado pela Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) aponta que a rede portuária existente não demandaria a construção de novos portos. Em realidade, obras para a melhoria da infraestrutura portuária existente já seriam suficientes. Dentre elas, o estudo assinala a criação de terminais específicos e dedicados à indústria eólica offshore, a aplicação de soluções da indústria 4.0 na infraestrutura e a realização de obras para eventuais adaptações necessárias, tendo em vista a dimensão e os pesos das cargas (vide a execução de serviços de O&M).

Conquanto essas sejam questões que repercutem na análise de viabilidade econômico-financeira desse tipo de projeto, o que se nota é a escassa discussão sobre o tema. O embate quase sempre se concentra na pertinência, ou não, de estabelecimento de subsídios para a produção de hidrogênio renovável e para as usinas eólicas offshore.

O momento é de atenção. Em relatório divulgado pela International Energy Agency (IEA) em 11 de janeiro, houve a sinalização de que projetos para a produção de hidrogênio renovável na América Latina estão atrasados. A situação é mais crítica no Chile e no Brasil. E esse cenário pode significar a perda de competitividade de projetos nacionais frente a projetos adiantados na China. O relatório da IEA alerta ainda sobre a necessidade de expansão dos investimentos em infraestrutura para armazenamento e transporte de hidrogênio renovável.

Há aqui, portanto, uma oportunidade fecunda para a modernização da infraestrutura portuária nacional. Sabe-se que o transporte do hidrogênio renovável representa parcela crítica na cesta de custos para a produção e comercialização desse insumo energético. A existência de uma infraestrutura portuária moderna, apta a disponibilizar uma gestão eficiente desse modal, pode conferir o tônus decisivo para ganhos de competitividade da sua produção no país.

Nessa conjuntura, seria recomendável o desenho de políticas públicas atentas a esse componente da infraestrutura portuária brasileira. Ganhariam a indústria de construção, com a encomenda de novos projetos, a indústria portuária, com a modernização de suas instalações, e o setor energético, com a redução dos custos de produção do hidrogênio renovável.

Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 24.01.2024.