por Giamundo Neto Advogados | fev 29, 2024 | Licitações
por Camillo Giamundo
A Lei nº 8.666/93 não havia dedicado capítulo ou seção específica para os critérios de julgamento, como fez a Lei nº 14.133/21. As definições e instruções de avaliação das propostas nos certames estavam vinculadas aos “tipos de licitação”, expressão não mais utilizada no novo diploma legal.
Na Lei 8.666/93, o artigo 44 dispunha que, no julgamento das propostas, a Comissão deve levar em consideração critérios objetivos, previamente definidos no edital ou convite, e que não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos na lei.
No artigo 45, o diploma legal previa que, além dos critérios objetivos, previamente definidos no edital, a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite deveria, quando do julgamento das propostas, realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação: (i) menor preço; (ii) melhor técnica; (iii) técnica e preço; e (iv) maior lance ou oferta, em casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.
Com a atualização, a Lei nº 14.133/21 manteve similares os quatros critérios acima identificados, trazendo ainda, em seu artigo 33 e incisos II e VI, os critérios de maior desconto e maior retorno econômico.
Apesar da novidade da previsão legal, os novos critérios estabelecidos na Lei nº 14.133/21, a bem da verdade, apenas tipificam práticas já costumeiras em certames licitatórios, sendo oportuna a sua inclusão e previsão.
A definição do critério de julgamento enseja a vinculação da Administração Pública licitante quanto à análise e seleção das propostas, especificamente quanto ao foco específico pretendido e priorizado quando da escolha.
Isso porque, a título exemplificativo, embora em uma licitação que utilize o critério de julgamento de “menor preço” haverá previsão de atendimento a requisitos mínimos de qualificação técnica por parte dos proponentes, em um certame em que se adotar o critério “técnica e preço”, tais exigências deverão ter uma importância, complexidade e definição muito mais aprofundada.
A importância da definição do critério de julgamento, portanto, vincula a Administração Pública, que deverá estipular regras claras, objetivas e adequadas ao “tipo” por ela selecionado e que melhor se adeque ao objeto da futura contratação, evitando-se subjetivismos, dúvidas e incertezas quanto ao procedimento a ser seguido não apenas por ela, mas pelos proponentes interessados.
- Menor preço (Art. 33, inc. I)
A antiga Lei nº 8.666/93, em seu art. 45, §1º, inciso I, definia “menor preço” como sendo o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração em que se determinava vencedor o licitante que apresentasse a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertasse o menor preço.
O critério “menor preço” foi mantido, no artigo 33, inciso I, da Lei nº 14.133/21, e o conceito de tal julgamento ganhou destaque no artigo 34, ao preconizar que o julgamento por menor preço “considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação”.
Significa dizer que, na nova Lei nº 14.133/21, a preocupação do legislador é clara: não basta que a proposta do licitante seja a mais econômica. Ela só será a mais vantajosa se o proponente também atender aos parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação.
A novidade trazida pela Lei nº 14.133/21 diz respeito ao §1º do art. 33, que dispõe que os custos indiretos relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, desde que objetivamente mensuráveis, conforme disposto em regulamento.
Além disso, a adoção do critério de julgamento pelo menor preço também deve observar, quando do recebimento, análise e julgamento das propostas dos licitantes, o disposto no artigo 23 da Lei nº 14.133/21 (sem correspondência com a Lei 8.666/93), que preconiza que o valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.
É de se destacar que, da leitura das novidades do diploma legal, tem-se a seguinte conclusão: nem sempre o preço nominalmente mais baixo poderá significar a proposta mais vantajosa. Há que se observar (i) a compatibilidade com os valores de mercado – evitando-se valores inexequíveis e irreais –, e (ii) o atendimento a parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação – fator este que interfere na identificação do preço e da vantajosidade da proposta –, em busca do atendimento do objetivo de menor dispêndio para a Administração.
- Maior desconto (Art. 33, inc. II)
O critério de “maior desconto”, apesar de não previsto na extinta Lei nº 8.666/93, não é bem uma novidade legislativa. Isso porque, a Lei Federal nº 12.462, de 04 de agosto de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, em seu artigo 18, inciso I, já previa o critério “maior desconto”, equiparando-o ao critério de “menor preço”, devendo ser considerado o menor dispêndio para a Administração Pública, tendo como referência o preço global fixado no instrumento convocatório, sendo o desconto estendido aos eventuais termos aditivos (art. 19, §2º), e que, em caso de obras ou serviços de engenharia, o percentual aplicado deve incidir linearmente sobre os preços de todos os itens do orçamento estimado pelo instrumento convocatório (art. 19, §3º).
Também a Lei Federal nº 13.303, de 30 de junho de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, das sociedades de economia mista e suas subsidiárias, em seu artigo 54, inciso II, trouxe o critério de julgamento de “maior desconto”, trazendo um adendo de que o percentual oferecido nas propostas ou lances vencedores se estendem a eventuais aditivos (§4º, inciso I).
E, por último, o Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019, que regulamenta o pregão eletrônico para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal, que em seu artigo 7º também previu como critério de julgamento o “maior desconto”.
A Lei nº 14.133/21, por sua vez, instituiu o maior desconto como um dos critérios de julgamento, prevendo que o preço estimado ou o máximo aceitável constará do edital da licitação (art. 24, parágrafo único), e que terá como referência o preço global fixado no edital de licitação, de modo que o desconto será estendido aos eventuais termos aditivos (art. 34, §2º).
Logo, e a partir da nova Lei de Licitações, o proponente deverá se atentar, quando da oferta do desconto, que o percentual aplicado restará vinculado até o encerramento do contrato, mesmo em sede de novos aditamentos.
Embora não seja o tema do presente artigo e afeto aos critérios de julgamento, entende-se que a regra da aplicação do mesmo percentual desconto, incidente na proposta vencedora, em futuros aditivos não é condição absoluta.
Isso porque, verificado que o desconto, ao tempo futuro, não mais representar os valores praticados de mercado, deve ele ser reconsiderado, evitando-se a onerosidade excessiva do particular contratado.
- Melhor técnica ou conteúdo artístico (Art. 33, inc. III)
Critério utilizado para contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística, a melhor técnica ou conteúdo artístico consiste na avaliação exclusiva das propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes, devendo o edital definir o prêmio ou a remuneração que será atribuída aos vencedores (art. 35, Lei nº 14.133/21).
Quando do julgamento das propostas, deve-se seguir o procedimento previsto no art. 37 da Lei 14.133/21, sendo inicialmente a verificação da capacitação e experiência técnica do proponente, por meio de atestados técnicos.
Deverão ser atribuídas, ainda, notas a quesitos de natureza qualitativa, por banca avaliadora designada para esse fim, de acordo com orientações e limites definidos no edital, devendo ser considerados a demonstração de conhecimento do objeto, a metodologia e o programa de trabalho, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues.
A banca avaliadora deverá ser composta por, no mínimo, três membros e pode ser composta por servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública ou por contratação de profissionais de conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital, desde que seus trabalhos sejam supervisionados por profissionais designados pela autoridade competente.
A última etapa do julgamento consiste na atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores, e que deve ser aferida por meio de documentos comprobatórios (art. 88, § 3º da Lei 14.133/21) e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
A Lei 8.666/93 não previa a expressão “melhor conteúdo artístico”, adotada no novo diploma legal. A inclusão é oportuna, na medida em que se busca diminuir a contratação por inexigibilidade no setor artístico e passa a conferir maior competitividade na disputa, com requisitos a serem obedecidos e atendidos pela Administração Pública na escolha do conteúdo buscado.
- Técnica e preço (Art. 33, inc. IV)
Já previsto na extinta Lei nº 8.666/93 (art. 45, §1º, inc. III), o critério de julgamento pela técnica e preço foi mantido na nova lei de licitações, e leva em consideração a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos a serem previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta.
O critério de julgamento pela técnica e preço deve ser escolhido, pela Administração, quando o estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos nas licitações.
Note-se que os fatores objetivos de pontuação são obrigatórios e vinculatórios, atendendo ao princípio do julgamento objetivo, consagrado no artigo 5º da Lei nº 14.133/21, que conjuga a um só tempo os princípios da isonomia, impessoalidade e vinculação ao instrumento convocatório – o qual deverá nortear toda a realização do procedimento licitatório, e de onde se extrai que o julgamento deverá ser pautada pelos critérios objetivamente fixados no edital.
Significa dizer que não há espaço para o subjetivismo, para a avaliação da proposta do licitante com base em valores e critérios obscuros, não palpáveis ou de difícil aferição.
O edital deverá dispor, de maneira clara e objetiva, os critérios que serão levados em consideração quando da avaliação das propostas, identificando os pontos a serem apresentados pelos proponentes para justificar a gradação de notas ou do julgamento de qual proposta é a mais adequada ao objeto do futuro contrato.
Quanto à aferição da pontuação dos proponentes, a Lei nº 14.133/21 prevê que as propostas técnicas deverão ser avaliadas e ponderadas e, em seguida, as propostas de preço, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica.
Tal proporção e percentuais de avaliação da proposta técnica e da proposta comercial não eram previstos na Lei nº 8.666/93, porém eram de usual e comum utilização pelos entes licitantes, reconhecidos inclusive pelo Tribunal de Contas da União.
O julgamento das propostas segue a mesma dinâmica do critério melhor técnica ou conteúdo artístico, prevista no art. 37 da Lei 14.133/21, a partir da verificação da capacitação e experiência técnica do proponente por meio de atestados técnicos, com atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa, por banca avaliadora designada para esse fim, de acordo com orientações e limites definidos no edital, considerando-se a demonstração de conhecimento do objeto licitado, a metodologia e o programa de trabalho previstos, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues.
Não menos importante, a última etapa do julgamento da proposta técnica deve levar em consideração a atribuição de nota por desempenho do licitante em contratações anteriores, a ser aferida via documentos comprobatórios (art. 88, § 3º da Lei 14.133/21).
Ainda, a pontuação referente à qualificação técnico-profissional, tal como no caso de certames que utilizem o critério da melhor técnica, exigirá que a execução do respectivo contrato tenha participação direta e pessoal do profissional correspondente (art. 38).
Por fim, há um importante destaque da nova lei de licitações, em seu artigo 34, de que o julgamento por técnica e preço também considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação. A princípio, a leitura do dispositivo em questão e o procedimento de julgamento pelo critério técnica e preço poderia levar à confusão de conceitos: afinal, a Administração deve considerar a média ponderada das notas técnica e comercial – que nem sempre representa o menor valor proposto dentre os licitantes – ou o menor valor dentre todas as propostas de preço?
A resposta está no significado de “menor dispêndio”, que não é sinônimo de “menor preço”. Menor dispêndio é a conjunção de diversos fatores, a saber: (i) a compatibilidade com os valores de mercado – evitando-se valores inexequíveis e irreais –, e (ii) o atendimento a parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação – fator este que interfere na identificação do preço e da vantajosidade da proposta –, em busca do atendimento do objetivo de menor dispêndio para a Administração.
Nem sempre um licitante que apresenta o menor preço demonstrará o melhor e mais suficiente conhecimento do objeto licitado, da metodologia e do programa de trabalho previstos, da qualificação das equipes técnicas e da relação dos produtos que serão entregues. Assim como aquele que demonstrar domínio e preponderância dos aspectos técnicos, frente aos demais licitantes, pode não lograr apresentar o melhor preço. A chave está no atendimento mais satisfatório, conforme percentuais de ponderação, do objeto licitado.
- Maior lance, no caso de leilão (Art. 33, inc. V)
A Lei nº 8.666/93 previa o critério de “maior lance ou oferta – nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso”, tendo a redação da nova lei de licitações alterado para “maior lance, no caso de leilão”.
O leilão é a modalidade de licitação que a Administração Pública pretende alienar bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance (art. 6º, inciso XL). Daí a incidência do critério de julgamento de maior lance, em que o maior retorno financeiro representa o objetivo da licitação promovida.
Importante observar que a definição trazida pelo art. 6º, inciso XL, da Lei nº 14.133/21, acabou por excluir a previsão de leilão para concessão de direito real de uso, até então prevista na Lei nº 8.666/93. Significa dizer que o novo diploma legal prevê o critério da maior proposta financeira (maior lance) apenas a bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos, e não aos casos de concessão de direito real de uso.
- Maior retorno econômico (Art. 33, inc. VI)
Assim como as alterações trazidas pela nova Lei de Licitações, o maior retorno econômico não é bem uma novidade em certames licitatórios. A Lei nº 12.462/11, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, bem como a Lei nº 13.303/16, que trata das empresas estatais, já previam tal critério de julgamento.
Com a atualização da lei de licitações, o critério de maior retorno econômico passa a ser norma geral, já que não havia previsão na então Lei nº 8.666/93.
O julgamento pelo critério de maior retorno econômico deve ser utilizado exclusivamente para a celebração de contrato de eficiência, em que o contratado tem o compromisso de gerar economia de despesa à Administração, de modo que a sua remuneração estará condicionada ao desempenho eficiente de tal atividade.
O procedimento previsto no novo diploma legal traz, como requisitos dos licitantes, a necessidade de apresentar proposta de trabalho que contemple as obras, os serviços ou os bens, com os respectivos prazos de realização ou fornecimento, bem como a economia que se estima gerar, expressa em unidade de medida associada à obra, ao bem ou ao serviço e em unidade monetária (art. 39, §1º, inc. I, “a” e “b”).
Quanto à proposta comercial, a regra é que deva corresponder ao percentual sobre a economia que se estima gerar durante determinado período, expressa em unidade monetária (art. 39, §1º, inc. II).
Para a Administração Pública, há o compromisso de formular edital que preveja parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo para a remuneração devida ao contratado. Para efeito de julgamento da proposta, o retorno econômico será o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço.
Assim, quando do julgamento das propostas, a Comissão encarregada pelo certame deve aferir o maior retorno econômico a partir da dedução entre a proposta de preço e a economia que o licitante estima gerar, sendo que, nos casos em que não for gerada a economia prevista no contrato de eficiência, a remuneração do contratado será descontada caso o seu desempenho fique abaixo da expectativa firmada na formalização da proposta.
É um meio encontrado pela lei para incentivar o particular contratado a executar o contrato sob o viés e objetivo do interesse público, a partir da economia de recursos, na medida em que sua remuneração será diretamente afetada. O objetivo é fazer com que o particular busque a lucratividade do seu negócio sem se afastar do interesse público naquela contratação.
Ponto de atenção é trazido pelo inciso II do §4º do artigo 39 da Lei nº 14.133/21, que prevê que se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior ao limite máximo estabelecido no contrato, o contratado ficará sujeito, ainda, a outras sanções cabíveis.
É evidente que em cenários imprevisíveis e inevitáveis, em que a economia contratada pode não ser atingida, a sanção deve ser avaliada, caso a caso, observando-se criteriosamente a conduta do particular contratado e se sua proposta de trabalho e de preço correspondiam a uma realidade factível, acometida por situação de difícil – ou de impossível – previsão, como é o caso de crise de mercado decorrente de uma pandemia, por exemplo.
Inexistindo tais hipóteses, o particular contratado deve estar atento quando da elaboração da proposta de trabalho e de preço, para evitar sanções.
Artigo originalmente publicado no Portal Consultor Jurídico, em 29.02.2024.
por Giamundo Neto Advogados | jan 31, 2024 | Licitações
por Camillo Giamundo e Leonardo Muradian Cundari
Desde 30/12/23, a Lei de Licitações (lei 14.133/21) unifica normas antigas. Destaque para a inovação na fase de habilitação, abrangendo habilitação jurídica, técnica, fiscal, social, trabalhista e econômico-financeira.
Desde o dia 30 de dezembro de 2023, a nova Lei de Licitações (lei 14.133/21) passou a regular, de forma exclusiva, todos os assuntos englobados pelas antigas normas previstas na antiga lei 8.666/93, na Lei do Pregão (lei 10.520/02) e parcela da Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (arts. 1° a 47-A da lei 12.462/11).
Uma das maiores preocupações das empresas participantes de licitações está na inovação da nova Lei de Licitações quanto à fase de habilitação do processo licitatório. Essa etapa é definida, pelo art. 62, como a fase em que o licitante deverá comprovar, por meio de informações e documentos, sua capacidade de realizar o objeto da licitação a partir de quatro pilares: (1) a habilitação jurídica; (2) qualificação técnica; (3) fiscal, social e trabalhista e (4) a habilitação econômico-financeira.
Em comparação com a lei 8.666/93, a nova Lei de Licitações trouxe pequenas mudanças tanto estruturais como materiais.
No tocante às mudanças estruturais, o que era exceção, na antiga lei, agora será regra: a inversão de fases do procedimento licitatório. Diferente da lei 8.666, a regra geral do artigo 17 da nova lei prevê que primeiro serão apresentadas as propostas comerciais e lances, com o respectivo julgamento, para posterior análise e verificação da habilitação dos proponentes. A despeito de haver previsão legal para que, por meio de disposição editalícia, a fase de habilitação anteceda estas outras mencionadas, isso será excepcional (art. 17, §1º), mediante a necessidade de comprovação dos benefícios decorrentes desta “inversão da inversão”.
Além dessa modificação estrutural, pode-se notar que a Seção II do Capítulo II (“Da Habilitação”) teve seus requisitos expandidos. Um importante exemplo é a exigência de vagas para pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social. Essa reserva, que era disposta na antiga lei apenas como um critério de desempate, agora foi incorporada na nova lei como um critério obrigatório de habilitação.
No entanto, tais requisitos se enquadram em situações específicas, como, por exemplo, a reserva de vagas para pessoas com deficiência e reabilitados será exigida de empresas com 100 ou mais empregados, variando, daí em diante, de 2% a 5% dos cargos destinados ao público em questão, aumentando ou diminuindo conforme a quantidade, conforme lei específica (lei 8.213/91). Consequentemente, empresas com um quadro de funcionários que não atinja a quantia mínima não estarão obrigadas a comprovar o cumprimento desse requisito.
Além disso, recentemente a nova Lei de Licitações foi regulamentada para exigir ações em benefício das mulheres e da igualdade de gênero. O decreto 11.430/23, assinado no Dia Internacional da Mulher e incorporado à nova Lei de Licitações, dispõe sobre a exigência, em contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e sobre o desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho como critério de desempate em licitações. A despeito de não se enquadrar em um requisito obrigatório de habilitação, a constatação dessas práticas será levada em conta em casos de desempate, como um diferencial positivo e, portanto, classificatório.
A disposição acima, por sua vez, aplica-se em casos de contratação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, havendo de reservar um percentual mínimo de 8% das vagas para o público referido.
Outro ponto relevante diz respeito à habilitação econômico-financeira, prevista pela nova lei. Agora, exige-se que o licitante apresente balanço patrimonial e demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais.
É possível notar, portanto, que o legislador incorporou tanto demandas sociais quanto requisitos mais específicos e detalhados de capacitação das licitantes. O motivo para tal caminho seguido pode ser visto enquanto consequência positiva da inversão de fases: uma vez que a análise da documentação será posterior às fases de proposta comercial e julgamento, o número de licitantes que terão atingido essa fase será menor e, portanto, a verificação documental poderá ser mais exaustiva, detalhada e profunda com relação às empresas, sem defasagem na celeridade do procedimento licitatório.
Dessa maneira, espera-se que haja mais celeridade e menor dispêndio de tempo com análise de documentos de empresas que, conforme o rito da lei antiga, nem seriam classificadas, mas teriam seus documentos analisados. Agora, apenas a licitante vencedora seguirá para a fase de habilitação, gerando uma forma de economia procedimental.
Pode-se, ademais, considerar que a redução da morosidade se dará também por meio da preferência pela forma eletrônica das licitações (art. 17, §2°), pois evidentemente agiliza e facilita a apresentação de documentos e sua posterior análise pela Administração Pública. Será possível, apesar disso, a escolha pela forma presencial, contanto que devidamente justificada. Todavia, espera-se que a Administração licitante esteja atenta à segurança do sistema eletrônico e à estrutura de proteção aos documentos concedida aos licitantes, evitando fragilidades, dúvidas ou espaço para o cometimento de fraude ou acesso indevido aos documentos por terceiros, violando-se o sigilo do procedimento.
Por fim, nada mais didático e conclusivo do que uma tabela com as principais alterações decorrentes do tema discutido, apontando as possíveis também vantagens e desvantagens que podem ser deduzidas das novas regras de habilitação da nova Lei de Licitações:

Artigo originalmente publicado no site Migalhas, em 31/01/2024
por Giamundo Neto Advogados | nov 29, 2023 | Licitações
por Giuseppe Giamundo Neto e Fernanda Leoni
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal nº 14.133/2021 ou NLLC), atendendo a um anseio de segurança jurídica e coadunando-se aos entendimentos que já vinham sendo manifestados pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle, trouxe regras mais claras sobre a formação de preços em contratos de obras e serviços de engenharia, criando parâmetros objetivos tanto para a precificação desses empreendimentos como para o controle de sua adequação e compatibilidade com os valores de mercado.
Como regra geral, o artigo 23 estabeleceu que a aferição dos preços de mercado levará em consideração os valores constantes de bancos de dados públicos, sendo observadas, ainda, a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto. Consolida-se, assim, o uso de referências oficiais como equivalentes ou, ao menos, próximas dos preços de mercado, com a necessária adaptação às peculiaridades do local do empreendimento.
Especificamente para as obras e serviços de engenharia — cuja disciplina possivelmente será objeto de regulamento federal e subnacional —, estipulou-se que o valor estimado da contratação, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) referencial e os Encargos Sociais (ES) cabíveis, será definido por alguns parâmetros, cuja ordem de escolha não é facultativa, mas subsidiária (artigo 23, §2º).
O primeiro desses parâmetros se baseia nos custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), para os serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi), para as demais obras e serviços de engenharia. Segue-se precisamente o que já dispunha o Decreto Federal nº 7.983/2013, que estabelece as regras e critérios para a elaboração de orçamento de referência de obras e serviços de engenharia no âmbito federal, de modo que a NLLC adota referências há muito empregadas para o setor de infraestrutura.
Apesar de se manter uma regra preexistente, as regras que apresentam as técnicas subsidiárias de orçamentação de obras e serviços de engenharia são merecedoras de atenção, pois normatizam importante entendimento do Tribunal de Contas da União que, desde suas previsões iniciais em normas orçamentárias, já adotava os referenciais do Sicro Sinapi como regra, determinando que os gestores justificassem tecnicamente o uso de outras premissas de orçamentação [1].
O segundo parâmetro sustenta-se na utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo Federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo. Trata-se, igualmente, de hipótese que constava do Decreto nº 7.983/2013, com o diferencial de que se torna mais claro cuidar-se de mecanismo subsidiário, cabível às situações em que o Sicro e o Sinapi sejam inaplicáveis ou não adaptáveis à realidade do empreendimento [2].
Já o terceiro parâmetro se coloca como novidade, autorizando a comparação, para fins de orçamentação, com contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de um ano anterior à data da pesquisa de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente. Veja-se que o Decreto nº 7.983/2013 autorizava a consulta a banco de informações de obras e serviços similares, mas restringindo-se à hipótese de análise paramétrica de orçamentos (artigo 17, §4º, do referido regulamento, acrescido em 2019).
Por fim, também se autoriza o uso de pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas como parâmetro de formação de preços, em formato a ser ainda regulamentado. Ao que dispõe a novel legislação, a consulta a essas notas fiscais será uma das funcionalidades do Portal Nacional de Contratações Públicas (artigo 174, §3º, inciso II, da NLLC).
Uma importante ressalva realizada pela norma se refere às contratações realizadas por outros entes federativos e que não envolvam recursos federais, quando outros sistemas de custos serão admitidos, em reforço à autonomia e peculiaridade dos entes subnacionais. Abre-se, assim, espaço para o uso de tabelas igualmente consolidadas no mercado, a exemplo da Tabela empregada pela Secretaria de Infraestrutura Urbana do Município de São Paulo (Tabela Siurb) e pela Secretaria de Infraestrutura do Estado do Ceará (Tabela Seinfra).
Esses mesmos critérios de precificação serão aplicáveis às hipóteses de contratação direta, sendo que na impossibilidade de seu emprego, o contratado deverá comprovar previamente que os preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até um ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.
Para os casos de contratação de obras e serviços de engenharia sob os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, além do emprego desses parâmetros, poderá ser acrescida taxa de remuneração do risco. Ademais, sempre que necessário e o anteprojeto o permitir, a estimativa de preço será baseada em orçamento sintético, balizado no Sicro ou Sinapi, formado a partir de metodologia expedita ou paramétrica, salvo para as parcelas do empreendimento não suficientemente detalhadas no anteprojeto, em que poderá ser usada avaliação aproximada baseada em outras contratações similares. Nesses regimes, a proposta dos licitantes deverá ter o mesmo nível de detalhamento do orçamento sintético.
Como se denota, apesar de a norma não trazer muitas novidades sobre a temática, incorporando, em grande parte, disposições de leis esparsas, normativos infralegais e posições das Cortes de Contas, a organização dos parâmetros gerais é bem-vinda, na medida em que mantém a autonomia dos entes subnacionais para regulamentarem a matéria de acordo com o interesse regional ou local, mas sem perder de vista alguma unificação em prol da segurança das contratações em termos de compatibilidade com os preços de mercado e seu respectivo controle.
[1] Cite-se, nesse sentido, os Acórdãos 2.056/2015, 719/2018 e 1.626/2022, todos do Plenário do TCU.
[2] É o que ocorre, por exemplo, com as obras do setor portuário, que encontram dificuldades na adaptação dessas referências. Esse posicionamento foi adotado pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 2.754/2022-2ª Câmara, sob a relatoria do Ministro André Luís de Carvalho.
Artigo originalmente publicado no Portal ConJur, em 29.11.2023.
por Giamundo Neto Advogados | dez 21, 2022 | Infraestrutura, Licitações
por Davi Madalon Fraga
A boa prática de orçamentação em obras públicas prescreve que o orçamento de referência para as licitações e contratos deve ser formulado a partir dos referenciais oficiais de preços, notadamente o Sicro e o Sinapi, conforme determinação dos art. 4º e 5º do Decreto 7.983/2013.
Sabe-se que esses sistemas de referências de preços, elaborados por órgãos da própria Administração Pública, são específicos para determinados tipos de obra – rodoviárias, no caso do Sicro, e civis comuns, no caso do Sinapi –, que contemplam as variações de custos de insumos e mão de obra nas diversas regiões do país, bem como passam por atualizações constantes, prestando-se, sem dúvidas, a balizar de maneira fidedigna a orçamentação dos empreendimentos públicos que acontecem no Brasil.
Contudo, em determinadas situações, algumas espécies de serviços, dada a sua complexidade, ou para certas modalidades de contratação e até mesmo tipos peculiares de obras, a adoção indiscriminada dos referenciais constantes desses sistemas pode não ser a melhor prática para representar os custos que serão efetivamente incorridos no decorrer da implantação de determinado projeto.
Essas situações são rotineiramente identificadas pelos órgãos licitantes da Administração Pública, que precisam identificar alternativas escorreitas para saneá-las, evitando que os preços sejam maiores que aqueles praticados pelo mercado e, assim, garantir a prática de valores competitivos e preservar o Erário.
Trata-se de procedimento que deve ser realizado com muito critério, de maneira transparente, conforme critérios objetivos, devidamente formalizado em competentes processos administrativos, para que sejam evitados questionamentos futuros por parte dos órgãos de controle.
O mesmo se aplica quando da formulação de preço para inclusão de serviço novo a contrato já em curso, nas hipóteses em que tal item não encontre equivalente nos sistemas de preço referenciais oficiais. Afinal, os mesmos princípios que pautam a elaboração de um orçamento para balizar uma licitação são aqueles a serem aplicados para incorporação de novos valores a uma contratação em andamento.
Para trazer maior segurança jurídica a essa espécie de situação e conferir grau de confiança e confiabilidade aos gestores públicos e particulares envolvidos na contratação, o Tribunal de Contas da União vem construindo e firmando sua jurisprudência com orientações para a forma como essa precificação – de itens, serviços e obras não compatíveis com os sistemas de preço referenciais – deve ocorrer.
Recentemente, foi publicado o Acórdão 2401/2022, por meio do qual o plenário da Corte de Contas sintetizou e consolidou essas orientações:
- fazer constar formalmente nos autos do processo de precificação os parâmetros de busca introduzidos (as palavras chaves, o período, as especificações etc.) com a impressão da página da web e outros os documentos, bem como os dados inerentes à pesquisa, a exemplo do responsável pela pesquisa, órgão consultado, número da licitação, nome do vendedor, meio de consulta, data da pesquisa, URL do site, CNPJ do fornecedor, quantidade, valor, especificação do objeto e demais condições de pagamento e entrega;
- na cotação direta com os fornecedores, somente admitir os preços cujas datas não se diferenciem em mais de cento e oitenta dias, ou seja, nenhuma proposta direta de fornecedor deve conter diferença de data maior que cento e oitenta dias quando comparadas às demais em um grupo de pesquisa de preços junto a fornecedores no mesmo processo;
- para a obtenção do resultado da pesquisa de preços, não considerar os preços inexequíveis ou os excessivamente elevados, conforme critérios fundamentados e descritos no processo administrativo;
- buscar, na pesquisa de mercado, o mínimo de três cotações de fornecedores distintos e, caso não seja possível obter esse número de cotações, elaborar justificativa circunstanciada.
Adotando-se esse roteiro de providências, garante-se a lisura do procedimento de precificação, permite-se ao gestor público ter segurança na decisão de contratar um preço não constante dos sistemas referenciais, traz-se maior confiança ao contrato celebrado, e, ao final, garante-se a proteção do Erário.
Artigo originalmente publicado no Portal da Infra, em 21.12.2022.
por Giamundo Neto Advogados | set 15, 2021 | Compliance, Licitações
por Christian Fernandes Gomes da Rosa
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, nº 14.133, de 1º de abril de 2021, faz referências a Programas de Integridade, um instituto jurídico cuja estrutura foi positivada no Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção Brasileira – Lei nº 12846/2013.E segundo aquele regulamento, nos termos de seu artigo 41, tem-se que:
[…] programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Conceitualmente, o direito brasileiro incorporou dessa maneira uma prática organizacional privada, voltada ao controle de riscos de fraudes e corrupção, criando assim incentivos para que pessoas jurídicas sujeitas à Lei Anticorrupção pudessem adotar os mecanismos de mitigação de riscos e monitoramento interno aptos a coibir e tratar eventos indesejáveis nas contratações com o poder público. Desta forma, pessoas jurídicas capazes de demonstrar a implementação de um Programa de Integridade, já encontravam na Lei nº 12.846/2013 benefícios como a redução da multa aplicada para eventual infração às disposições da norma, conforme previsão do seu artigo 7º, inciso VIII e parágrafo único.
Muito embora regulamentado desde 2015, o instituto do Programa de Integridade ganhou alguma notoriedade e muita relevância estratégica para grandes corporações brasileiras no curso da celebração de importantes acordos de leniência, especialmente a partir de 2018. Com efeito, a implantação de um Programa de Integridade tornou-se um requisito obrigatório para pessoas jurídicas que, tendo cometido atos lesivos à administração pública, desejassem colaborar com as investigações e transacionar com autoridades competentes a fim de encerrar processos administrativos de responsabilização (“PAR”), cujas sanções podem alcançar até 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica, ou R$ 60 milhões de reais, quando não for possível aferir o faturamento.
Considerado esse contexto, não é surpresa que a nova Lei de Licitações tenha se valido desse instituto, já relativamente consolidado no cenário jurídico brasileiro, para buscar a melhoria do ambiente de negócios entre a administração pública e o setor privado.
Referências ao Programa de Integridade podem ser encontradas no artigo 25, §4o, como exigência ao licitante vencedor, em caso de contratos de grande vulto, acima de R$ 200 milhões. No artigo 60, inciso IV, como um dos critérios de desempate de propostas em certames. No artigo 156, §1o, inciso V, como um critério a se considerar na aplicação de sanções por infração à Lei nº 14.133/2021. E no artigo 163 como requisito de reabilitação a sancionados, de maneira muito assemelhada à exigência que se faz às pessoas jurídicas subscritoras de acordos de leniência.
O emprego desse instituto pelo legislador na nova norma de licitações amplia a sua relevância no direito público brasileiro e parece sinalizar claramente o entendido de que um Programa de Integridade, implantado de acordo com requisitos regulamentares e instruções dos órgãos de controle, constitui uma ferramenta útil de governança e boas práticas, capaz de promover a regularidade no âmbito das relações público-privadas.
Sua estruturação e operação, no âmbito das pessoas jurídicas de direito privado, deve se pautar pela observância das exigências apresentadas nos artigos 41, parágrafo único, e 42, incisos, ambos do Decreto nº 8.420/2015.
Necessariamente, o Programa de Integridade deve ser estabelecido como um conjunto de controles para riscos identificados, especificamente, nas operações da pessoa jurídica. Sua eficácia prática e validade, para atendimento também da nova Lei de Licitações, exige uma demonstração de pertinência e razoabilidade entre os riscos de fraudes ou suborno identificados na operação da entidade privada e as regras internas e procedimentos adotados para mitigar a frequência ou a magnitude do impacto dos eventos coibidos pela norma brasileira.
Nesse esforço pelo cumprimento das indicações e determinações agora também da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, as pessoas jurídicas devem se atentar igualmente às diretrizes e requisitos publicados pelos órgãos de controle que, junto às normas técnicas internacionais sobre o tema, são ferramentas fundamentais para que organizações privadas implantem e operem um adequado Programa de Integridade, assim instituído como efetivo sistema de gestão dos riscos de lesões à administração pública.
Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 15.09.2021.
por Giamundo Neto Advogados | ago 23, 2021 | Licitações
por Joaquim Augusto Melo de Queiroz
Retomando a análise iniciada na parte 1 deste artigo acerca dos reflexos da Lei n. 14.133/2021 sobre o setor farmacêutico, serão abordadas as demais questões polêmicas e práticas nas licitações e contratos administrativos deste segmento.
- Inexigibilidade de licitação e inviabilidade de competição
A inexigibilidade de licitação é um tema de alta octanagem para o setor e deflagrador de grande celeuma no mercado farmacêutico em um passado recente. A Lei n.º 14.133/2021 não cuidou de delinear com precisão o conceito de inviabilidade de competição apto a impor a inexigibilidade de licitação (art. 74). Em seus incisos é apresentado rol exemplificativo de hipóteses que conduziriam à inviabilidade de competição, mas não há definição legal do conceito.
Nos fornecimentos de medicamentos, via de regra, a inviabilidade de competição funda-se na existência de fabricante único e/ou de seu distribuidor exclusivo. Contudo, há alguns anos, o Ministério da Saúde promoveu compras de medicamentos órfãos (destinados ao tratamento de doenças raras) em que vilipendiou a existência de fabricantes únicos, e, portanto, a sua condição de fornecedores exclusivos. Permitiu-se a contratação de supostos distribuidores que não reuniam os predicados regulatórios para tanto e que não figuravam como distribuidores credenciados pelos fabricantes. O tema é extremamente sensível e merece exame mais cuidadoso pela Administração Pública e pelos órgãos de controle.
- Dispensa de licitação para aquisição de medicamentos para o tratamento de doenças raras
O art. 75, inciso IV, alínea ‘m’ da Lei n.º 14.133/2021 instituiu nova hipótese de dispensa de licitação, nos casos de aquisição de medicamentos destinados exclusivamente ao tratamento de doenças raras, assim definidas pelo Ministério da Saúde. A nova regra é controversa, a despeito da sua louvável intenção de garantir a continuidade do fornecimento destes medicamentos aos pacientes.
A primeira crítica tecida escora-se na subversão do próprio regramento da lei nos casos em que há inviabilidade de competição. Isso porque a inviabilidade de competição atrairia o caráter impositivo da inexigibilidade, pela sua própria antecedência lógica em relação à dispensa. A experiência prática inclusive confirma a incongruência do novo dispositivo. Com efeito, observou-se que o Ministério da Saúde ora opta por formalizar a aquisição direta do medicamento por inexigibilidade de licitação, ora performa a compra por meio de dispensa (invocando a situação de urgência preconizada pelo inciso IV do art. 24 da Lei n.º 8.666/1993).
A nova regra parece, portanto, ter sido desenhada para tentar conferir legitimidade a essa prática recorrente do Ministério da Saúde: a de utilizar a dispensa de licitação para deturpar o contexto de efetiva urgência. O expediente merece censura por não se amoldar ao dever de planejamento imanente à Administração Pública, o que deveria conduzir à estruturação orgânica de aquisições periódicas, com a antecedência necessária, justamente para assegurar o fornecimento ininterrupto desses medicamentos e a continuidade do tratamento terapêutico. Nos casos de inviabilidade de competição, tônica geralmente presente em relação aos medicamentos órfãos, incumbiria à Administração Pública organizar-se para que as aquisições fossem realizadas por inexigibilidade de licitação, de modo sistemático.
A nova norma também parece embutir um objetivo transverso, guiado a obter a blindagem do agente público. Ao validar-se a aquisição por dispensa de licitação (mesmo nos casos em que ela deveria ocorrer por inexigibilidade), o intuito velado parece ser contornar eventuais questionamentos de órgãos de controle sobre a efetiva configuração da inviabilidade de competição. Desse modo, a conduta do agente público estaria salvaguardada de eventual escrutínio dos órgãos de controle.
- Direito do fornecedor à extinção do contrato
Calvário vivido pela indústria farmacêutica, especialmente nos últimos 5 anos, decorre dos constantes atrasos da Administração Pública em quitar os pagamentos devidos.
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos buscou endereçar esse problema ao reduzir de 3 para 2 meses o prazo máximo permitido para o atraso nos pagamentos (art. 137, § 2°, inciso IV). Estabeleceu-se, ainda, de forma clara, que o prazo deverá ser contado da data de emissão da nota fiscal. Superado este prazo, a empresa poderá legitimamente pleitear a extinção do contrato.
Embora a inovação seja positiva, a sua operacionalização ainda poderá padecer de maiores entraves. Na eventualidade de a Administração não efetuar o pagamento devido em prazo superior a dois meses, o fornecedor não estará automaticamente autorizado a encerrar o contrato. Em realidade, ainda dependerá de uma decisão formal para obter a liberação do seu vínculo contratual. A Lei n.º 14.133/2021 explicitou agora que essa decisão poderá ser tanto judicial quanto arbitral (em decorrência de cláusula compromissória ou compromisso arbitral), o que não chega a ser uma novidade, sobretudo após o advento da Lei n.º 13.129/2015.
- Ordem cronológica de pagamentos e responsabilização do agente público
O art. 141 da Lei n.º 14.133/2021 trouxe originalidade no regramento sobre os efeitos da inobservância à ordem cronológica de pagamentos. Deve a Administração Pública observar a ordem cronológica dos pagamentos, salvo em situações extraordinárias, agora expressamente arroladas nos incisos do § 1° deste dispositivo. A alteração da ordem cronológica ainda deverá ser comunicada ao órgão de controle interno e ao tribunal de contas competente, o que poderá refrear impulsos direcionados ao favorecimento de determinados credores. Há ainda enunciado específico (§ 2° do art. 141) sobre a apuração de responsabilidade do agente em caso de inobservância imotivada da ordem cronológica1, o que vem em boa hora.
De fato, a penúria financeira de diversos entes federativos, assumindo obrigações para além de sua capacidade orçamentária, produziu uma conjuntura de aguda crise em desfavor dos fornecedores de medicamentos. Estas empresas, não raro, são forçadas a continuar a entregar seus produtos (de caráter essencial) sem qualquer contrapartida financeira. Nesse contexto, a nova norma é benfazeja, oportuna e deve ser exaltada. Com efeito, deve ser saudada a concepção de mecanismos que evitem expedientes para obstruir a ordem cronológica de pagamentos.
- Portal nacional de contratações públicas
A criação do PNCP (Portal Nacional de Contratações Públicas) encerra outra novidade de eco para a indústria farmacêutica (art. 174). Grosso modo, trata-se de uma plataforma eletrônica (recentemente lançada pelo Ministério da Economia) na qual serão compiladas informações sobre os planos de contratação anuais, os avisos para contratação direta, os editais de licitação e seus anexos, as atas de registro de preços, os contratos e respectivos termos aditivos, as notas fiscais eletrônicas etc. A nova lei prevê que o PNCP deverá oferecer banco de preços em saúde, o que se imagina será regulamentado de acordo com o Banco de Preços em Saúde já existente2. A relevância do tema advém das diligências usualmente realizadas por gestores para a aferição de preços de medicamentos. Caso se concretize essa uniformização de dados, as práticas de concessão de descontos específicos em determinadas conjunturas regionais deverão ser avaliadas com cautela, especialmente em um cenário de possibilidade de adesão a atas de registro de preços por outros órgãos3.
- Carta de solidariedade do fabricante
A possibilidade de exigência de apresentação de carta de solidariedade emitida pelo fabricante, que assegure a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor, passou a ser regulada de modo expresso pelo art. 41, inciso IV.
O tema ensejava acalorados debates diante da inexistência de preceito específico nesse sentido na Lei n.º 8.666/1993 e na Lei 10.520/2002. O Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal repeliam esta exigência, sob o fundamento de que frustrava o caráter competitivo da disputa. Especificamente em relação ao setor farmacêutico, a discussão se tornava mais renhida pelas disposições antes constantes no art. 5°, § 3°, da Portaria n.º 2.814/1998, do Ministério da Saúde4. Diante do advento da Lei n.º 14.133/2021 é possível que este dispositivo venha a ser declarado inconstitucional.
- Redução do prazo mínimo para a apresentação de propostas e lances
Por fim, o § 1° do art. 55 preceitua que os prazos mínimos para a apresentação de propostas e lances poderão, mediante decisão fundamentada, ser reduzidos até a metade nas licitações realizadas pelo Ministério da Saúde, no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde).
Como se observa, os efeitos projetados pela Lei.º 14.133/2021 sobre as licitações e contratos administrativos da indústria farmacêutica são significativos. Existem inovações úteis, oportunidades a serem exploradas e pontos sensíveis que demandarão atenção redobrada das empresas do setor.
1 O que poderá ensejar interpretações divergentes sobre a extensão do preceito, caso a motivação seja meramente genérica e dissociada de fundamentos efetivamente legítimos.
2 O Banco de Preços em Saúde – BPS é um sistema desenvolvido pelo Ministério da Saúde e se destina ao registro e à consulta de informações de compras de medicamentos e produtos para a saúde realizadas por instituições públicas e privadas. A Resolução n.º 18, de 20 de junho de 2017, da Comissão Intergestores Tripartite, já tornava obrigatório o envio das informações necessárias à alimentação do Banco de Preços em Saúde – BPS pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
3 Vale observar, nesse sentido, a possibilidade inscrita no § 7° do art. 86, o qual permite a adesão à ata de registro de preços gerenciada pelo Ministério da Saúde, por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, para aquisição emergencial de medicamentos e material de consumo médico-hospitalar, sem o limite estabelecido no § 5° (dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços).
4 O Supremo Tribunal Federal havia apreciado essa questão em decisão liminar proferida na ADI 4105. O dispositivo foi então revogado pela Portaria 1.167/2012, do Ministério da Saúde, o que ensejou a perda do objeto da ADI.
Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 23.08.2021.