O Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE) negou pedido de um hotel para a suspensão de penhora on-line efetuada para o pagamento de uma dívida contraída em 2011. O desembargador Cezário Siqueira Neto, em decisão monocrática, não aceitou o argumento de crise financeira em razão da pandemia de covid-19.

A penhora solicitada por uma empresa que fornece enxovais é de cerca de R$ 77 mil. O hotel questionava na Justiça o fato de o bloqueio ter sido feito em valor superior à dívida, de R$ 159 mil. Aproveitou para pedir a retirada da penhora em decorrência da redução de suas atividades com o coronavírus.

De acordo com o processo (nº 202000708940), o hotel está sem faturar qualquer valor e sua operação completamente parada possui um custo de manutenção superior a R$ 1 milhão. Acrescenta que, nesse momento de crise, suas ações estariam voltadas para manter seus 230 postos de trabalho.

No pedido alega que, mesmo após a adoção de todas as medidas de socorro oferecidas pelo governo federal por meio da Medida Provisória (MP) nº 927, sua folha de pagamento ainda teria um custo de R$ 225 mil, o que evidenciaria a essencialidade do valor bloqueado para pagá-la.

Na decisão, o desembargador Cezário Siqueira Neto reconhece que, a despeito das dificuldades financeiras da empresa diante do quadro mundial da pandemia, deve-se priorizar a figura do credor que “por certo possui folha de pagamento de funcionários, despesas mensais de manutenção de sua empresa, pagamentos de tributos e todas as outras séries de gastos inerentes às empresas”.

O julgador destaca que a justificativa de passar, na atualidade, por um momento de crise financeira, em razão da pandemia, não convence, pois “o agravante desde o ano de 2011 teve todas as oportunidades para saldar seu débito e não o fez”.

Ele acrescenta que não há previsão legal de impenhorabilidade de ativos em decorrência de crise financeira. Para o magistrado, a situação atual exige mudanças, reinventando-se conceitos, forma de rever condutas, não apenas para as pessoas físicas, mas as jurídicas também.

Segundo o advogado que assessora a empresa têxtil, Philippe Ambrosio Castro e Silva, do Giamundo Neto Advogados, trata-se de um processo que se arrasta há anos. A Justiça, afirma ele, vinha tentando vários caminhos para saldar a dívida. Essa dívida é antiga e nada tem a ver com a pandemia. “A situação é conhecida há muito tempo. A empresa não poderia se valer desse argumento agora para se livrar das suas obrigações”, diz.

Para o advogado, a decisão foi muito coerente porque o magistrado não se sensibilizou com o argumento da crise decorrente da pandemia. “O processo no Brasil já demora tanto que a Justiça não pode cair em casuísmos para que mais uma vez o processo não tenha o fim que se espera, que é o pagamento do credor.”

O advogado que assessora o hotel no processo, Marcio Macedo Conrado, afirma que respeita a decisão, porém já recorreu. “Muito embora se trate de uma dívida antiga, o certo é que a penhora recaiu neste momento de pandemia em que hotel teve suas atividades paralisadas e terá que honrar seus compromissos como salários, tributos etc”. Conrado afirma que o pedido não significa que a empresa não deseja pagar a dívida.

No entendimento do advogado Helder Moroni Câmara, do escritório PMMF Advogados, a alegação de impossibilidade de penhora por ocorrência de um fato extraordinário, como a covid-19, só poderia ter cabimento se colocasse uma parte em grande vantagem, em prejuízo da outra que estaria em situação de enorme desvantagem.

Para Câmara, ambos estão na mesma posição e sofrem igualmente o prejuízo decorrente da crise, especialmente tendo em vista que a dívida é muito anterior à ocorrência do fato extraordinário. Ele acrescenta que não foi o fato extraordinário o causador da inadimplência, que levou à penhora. “A dívida já existia há muito tempo e não pode ser colocada na conta da covid-19.”

 

Reportagem originalmente publicada por Adriana Aguiar, do jornal Valor Econômico, em 24.04.2020.