Concessão de MS não atrai oferta, mas governo federal ainda projeta interesse em próximas licitações
A ausência de propostas no leilão da concessão rodoviária da Rota da Celulose, de Mato Grosso do Sul, é resultado de um contexto de muitas licitações do setor, que também disputam a atenção do mercado, e de alguns riscos identificados no projeto, segundo analistas e representantes de empresas e governos.
O leilão, que estava agendado para esta sexta-feira (6), não deverá se concretizar, dado que nenhum grupo compareceu à entrega de propostas, marcada para a manhã desta segunda (2).
Segundo Eliane Detoni, secretária especial de parcerias estratégicas de Mato Grosso do Sul, a equipe deverá buscar revisar o projeto para atrair interessados. “Buscaremos entender com o mercado os motivos que resultaram na ausência de interessados para o projeto. Este ano foi um ano de ampla oferta de projetos de infraestrutura (…) Esta competição entre projetos pode ter sido um dos fatores que contribuíram para a falta de interessados. Iremos reavaliar o que pode ser refinado no projeto para melhorar o engajamento de potenciais interessados e, em seguida, definir um novo calendário para colocar o ativo no mercado”, disse.
O setor rodoviário vive uma enxurrada de leilões de rodovias neste fim de ano, e também com projetos já marcados para 2025. Na semana passada, o governo paulista concedeu a Nova Raposo, e o governo federal tem outras três concorrências de contratos rodoviários programadas para dezembro, uma delas também na região Centro-Oeste. Além disso, nos últimos dias, o governo do Mato Grosso lançou mais seis lotes de rodovias, que serão leiloados no início do próximo ano.
O projeto da Rota da Celulose é considerado de grande porte, com 870 km de estradas estaduais e federais e previsão de cerca de R$ 6 bilhões de investimentos, com obras como a duplicação de 116 km de estradas. Também foram estimados R$ 3 bilhões em custos operacionais para os 30 anos de contrato.
O projeto é uma parceria do governo do Mato Grosso do Sul com o federal, mas a regulação da concessão ficou a cargo da agência reguladora estadual.
Um fator já identificado como um problema foi a estruturação do “free flow” (novo sistema de pedágio eletrônico, que dispensa as cabines). O projeto prevê que a forma de cobrança, ainda inovadora no país, será adotada em 100% da operação. A percepção é que a matriz de riscos sobre o tema não ficou clara, o que gerou insegurança.
Outro problema apontado pelos grupos interessados foram as estimativas de custo das obras, que estariam subdimensionadas nos estudos de viabilidade. Nos pedidos de esclarecimento enviados pelas empresas, um grupo apontou que “os valores unitários considerados no capex [investimento], especialmente para obras de duplicação, faixas adicionais e acostamentos, estão significativamente abaixo dos praticados nas recentes concessões federais” e disse que a subestimação dos custos inviabiliza a sustentabilidade do projeto.
Nos pedidos de esclarecimento enviados pelo setor privado, outra preocupação que surgiu foi em relação ao processo de reequilíbrio econômico-financeiro, por temor de interferência do governo estadual no processo.
Uma das cláusulas do contrato consideradas problemáticas determina que o Estado terá de aprovar os pareceres técnicos do órgão regulador nos processos de reequilíbrio. Em um dos pedidos de esclarecimento apresentado por um interessado, a empresa afirmou que o procedimento, da forma como constava no edital, geraria enfraquecimento institucional da agência reguladora e morosidade ao processo. Após críticas, parte das cláusulas foi alterada nos últimos dias.
Para Camillo Fraga, sócio da consultoria Houer, a falta de propostas é resultado da grande oferta de leilões, do perfil dos investimentos do projeto e do cenário macroeconômico do país. “O projeto prevê um montante de ‘capex’ muito concentrado no início do projeto, o que exigiu atores com ótima capacidade financeira. E aí entra o custo de oportunidade. O Brasil vive um momento ímpar de número de leilões, então as empresas vão avaliar onde vale a pena investir.”
Rodrigo Bertoccelli, sócio na Giamundo Neto Advogados, também destaca que, em um cenário com ampla oferta de leilões, as empresas têm sido mais seletivas. “É um projeto que tem um investimento importante e que concorre com outras concessões rodoviárias que estão sendo estruturadas. O mercado pondera a vantajosidade de um contrato em detrimento de outros.”
João Paulo Pessoa, sócio do Toledo Marchetti Advogados, também destacou o acúmulo de licitações. “Esse fim de ano foi rico em oportunidades de concessões. A partir do momento que um grupo ganha um projeto precisa reanalisar os que vêm na sequência.”
Apesar da falta de propostas na Rota da Celulose, no governo federal a expectativa ainda é que os próximos leilões agendados para este fim de ano atraiam interessados. Fontes afirmam que há diversos grupos sinalizando que vão participar das licitações. Na semana que vem, dia 12, deverão ser leiloadas as concessões do Lote 3 do Paraná e a chamada Rota Verde, em Goiás. No dia 19 está marcada a concorrência pelo Lote 6 do Paraná, considerado desafiador, mas que também está em estudo por interessados.
Publicado originalmente no Valor.