A possibilidade de dinamização do ônus probatório no Tribunal de Contas

Aquele que utilize bens, dinheiros e valores públicos tem o dever de prestar contas. Essa obrigação deriva da Constituição Federal (art. 70, §ú). O Decreto-Lei 200/1967, igualmente, determina o dever de justificação do bom e regular emprego de dinheiros públicos por quem os utilize (art. 93). No mesmo sentido, a Lei n. 8.666/93 estabelece competir aos responsáveis por contratos e demais instrumentos regidos pela lei a demonstração, perante o Tribunal de Contas, da legalidade e regularidade da despesa e da execução (art. 113, caput).

A partir dessas disposições verifica-se que nos processos administrativos do Tribunal de Contas que tratem de prestação ou de tomadas de contas ordinária, cabe ao respectivo responsável provar o bom emprego dos recursos utilizados. A tomada de contas ordinária compreende a submissão, por parte do ordenador de despesas, de suas contas ao Tribunal ao final do exercício (arts. 81 e 81, do Decreto-Lei 200/67, e art. 7º, da Lei Orgânica do TCU). O Tribunal de Contas, em tais processos, tem uma atuação passiva, visto que examina os documentos e informações que o gestor público disponibiliza.

É, assim, decorrência lógica que em tais circunstâncias o ônus probatório acerca da regularidade da aplicação dos recursos públicos recaia ao ordenador de despesa, na medida em que conhecedor das particularidades e aspectos fáticos que envolvem a situação concreta

Com isso, observa-se a prevalência em processos de prestação ou tomada de contas ordinária, como regra, da inversão do ônus da prova, na medida em que se transfere ao responsável o ônus de comprovar a regularidade da utilização dos recursos públicos sob a sua gestão. Caso não a demonstre, resta confirmada a constatação de irregularidade apontada pela auditoria, com as respectivas consequências cabíveis (instauração de processo de tomada de contas especial, condenação em débito, multa etc.).

No tocante aos processos de fiscalização, de outro lado, em que estão compreendidas as auditorias, representações, denúncias, levantamentos, inspeções, acompanhamentos e monitoramentos, cabe primeiramente ao Tribunal de Contas, por meio de seu corpo técnico instrutivo, demonstrar as irregularidades apontadas na fiscalização mediante evidências e fatos que sustentem a sua conclusão.

Aos responsáveis e aos interessados, por sua vez, compete demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Estado em obter ressarcimento ou punir em função dos apontamentos deduzidos pela respectiva unidade técnica do Tribunal em sua fiscalização. Há, portanto, a atribuição de ônus probatório tanto à equipe técnica do órgão que conduz a instrução como para o responsável ou interessado.

A distribuição do ônus probatório nos processos de fiscalização parece-nos similar à clássica disciplina geral existente no processo civil voltada ao autor e ao réu em que ao primeiro incumbe fazer prova quanto ao fato constitutivo de seu direito; e, ao segundo, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. É o que se denominou chamar de distribuição fixa ou estática do ônus da prova, tendo em vista que a legislação desde logo afirma, a priori e abstratamente, a quem incumbe provar os fatos em discussão.

Ocorre que o Código de Processo Civil/2015, além de adotar a teoria estática do ônus da prova, inovou ao consagrar também a teoria dinâmica do ônus da prova1. Isso quer dizer, a teor do que dispõe o seu art. 373, §§1º e 2º, que o juiz pode inverter a obrigação tradicional de produção probatória, seja por força de lei, seja diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo.

A regra permite ao magistrado, a partir da análise do caso concreto, avaliar quem está em melhores condições de produzir a prova, distribuindo o respectivo ônus entre as partes de forma diversa da prevista em lei. O juiz deve se atentar à extrema dificuldade ou impossibilidade que a parte, a quem incumbiria originariamente o ônus, teria para fazer a prova de determinado fato ou à maior facilidade que uma das partes possui para fazer prova do mesmo fato2.

Diante desse dispositivo, exsurge a possibilidade de o Tribunal de Contas, fazendo as devidas adaptações3, redistribuir o ônus probatório em casos nos quais, por suas particularidades, seja impossível ou muito dificultosa a comprovação de que houve a boa e regular utilização do recurso público. Sempre que as condições materiais e processuais se fizerem presentes, a Corte de Contas pode (e, pensando em processo justo, deve4) dinamizar o ônus da prova, a fim de tutelar adequadamente os interesses em jogo.

A aplicação da dinamização do ônus da prova pressupõe estarem presentes as suas condicionantes. Dito de outro modo, o Tribunal de Contas deve primeiramente verificar a inadequação de se aplicar a regra prevalecente acerca da obrigação de se produzir determinada prova. Se a regra diz que incumbe ao responsável ou interessado, em um processo de fiscalização, provar fatos que afastem a imputação de ato irregular atribuído pelo corpo instrutivo do Tribunal, o seu afastamento somente pode ocorrer em situações nas quais tal incumbência não se mostra razoável.

O caso concreto, muitas vezes, pode não estar harmonizado com a regra geral referente ao ônus probatório. Em razão de suas especificidades ou estando-se diante de situação anormal, inexiste aderência do caso com a razão motivadora da regra. Nestas hipóteses, o princípio da razoabilidade orienta a sua inaplicação.

Nesse sentido, o art. 373, §1º, do Código de Processo Civil/2015, estabeleceu parâmetros a serem considerados para que se excepcione a regra geral, isto é, para que se modifique a atribuição do ônus da prova quando a regra não se mostrar razoável. São quatro as hipóteses: (i) nos casos previstos em lei; (ii) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade da parte cumprir o encargo; (iii) diante de peculiaridades da causa relacionadas à excessiva dificuldade de cumprir o encargo; (iv) diante de peculiaridades da causa relacionadas à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Em todos os casos a decisão deve ser motivada.

Observe-se que o Tribunal de Contas já fez uso do disposto no artigo 373, do Código de Processo Civil/2015. O caso envolvia suposto sobrepreço apurado em obra pública, já em fase de tomada de contas especial. Os responsáveis foram instados a se manifestar sobre as irregularidades constatadas somente treze anos após a ocorrência dos fatos, o que dificultou a apresentação de provas da economicidade dos preços contratados. Por tal circunstância, ao apreciar recurso interposto pelos responsáveis contra a decisão de mérito que lhes havia imputado débito, o Tribunal entendeu existir sérias dúvidas sobre a existência ou não de prática de preços acima do mercado, bem como não ser possível assegurar a exatidão do dano imposto aos responsáveis.

Considerando ainda a própria dificuldade ao exercício do contraditório e da ampla defesa pelo transcurso de tempo desde a ocorrência dos fatos, o Plenário da Corte de Contas entendeu por bem arquivar o feito por falta de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Confira-se o enunciado do referido julgado:

A distribuição do ônus probatório nos processos de fiscalização do TCU segue a disciplina do art. 373 da Lei 13.105/2015 (CPC), aplicada às peculiaridades da atividade de controle externo, competindo: a) à unidade técnica do Tribunal demonstrar os fatos apurados nas fiscalizações, mediante a juntada das evidências que os suportam; b) aos órgãos fiscalizados e aos terceiros interessados provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Estado de obter ressarcimento e/ou punir a prática de ato ilegal, ilegítimo e antieconômico que lhes fora atribuída pelo corpo instrutivo do Tribunal5.

Ao reconhecer a dificuldade dos responsáveis na apresentação de provas da economicidade dos preços contratados e afastar tal ônus por conta do longo período decorrido entre a ocorrência dos fatos e a citação, o Tribunal de Contas aplicou, ainda que sem menção expressa, a teoria dinâmica do ônus da prova, consubstanciada no §1º, do art. 373, do CPC, pelo qual “diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo (…), poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso”.

A situação descrita no caso apreciado pelo TCU não é incomum. Por vezes, a intimação do responsável ou do interessado para se manifestar a respeito de determinado ato imputado como irregular se dá após longo transcurso de tempo da sua ocorrência. Como consequência, a produção de provas em seu favor pode se tornar árdua ou mesmo inviável. A distância dos fatos prejudica a memória dos acontecimentos e das justificativas que envolveram a situação questionada, além de comprometer a reunião de informações e documentos necessários ao exercício pleno do contraditório.

No mais das vezes, o responsável já mudou de função, de órgão ou mesmo já se afastou do serviço público, limitando o seu acesso às informações que necessitará prestar. Isso sem considerar a possibilidade de ter havido descarte ou extravio de documentos relevantes para a demonstração da boa e regular aplicação dos recursos.

Enfim, todas essas situações, e muitas outras que podem advir de um longo decurso temporal entre o ato questionado e a intimação, dificultam sobremaneira ou impossibilitam a realização da prova, não sendo razoável que o respectivo encargo de provar a inocorrência de irregularidades recaia sobre o responsável ou o interessado.

Em casos como esse, a aplicação da carga dinâmica do ônus probatório se mostra adequada seja para atribuir exclusivamente ao corpo instrutivo do Tribunal de Contas o encargo de provar, de modo incontroverso, os fatos constitutivos da irregularidade, seja para concluir que, em função da extrema dificuldade ou inviabilidade da produção probatória em favor do responsável ou interessado, o exame da matéria restou inconclusivo, conduzindo à extinção do processo.

Vale destacar que a prova dos fatos constitutivos da irregularidade somente pode ser tida como incontroversa se, projetando-se o cenário em que as condições de o responsável ou interessado realizar contraprova fossem possíveis, ainda assim inexistiria chance de se afastar a impropriedade detectada. Dito de outro modo, não pode haver dúvida de que o ato irregular ocorreu, e mesmo que se produzisse determinada contraprova que se mostra inviável ou dificultosa na ocasião, esta não seria suficiente para elidir as respectivas consequências da constatação. Havendo dúvida, entretanto, a solução deve ser a extinção do processo, diante da impossibilidade de se ter um exame preciso e completo da matéria.

Outra situação hipotética em que a distribuição dinâmica da prova pode se mostrar recomendável diz respeito à comprovação de fatos negativos (ex.: não realizei determinado ato; não estive com aquela pessoa). Imagine-se denúncia apresentada ao Tribunal de Contas dando conta da ocorrência de fraude em determinada licitação.

A denúncia narra a ocorrência de conluio entre licitantes, mediante combinação de lances entre o representante da empresa A e o representante da empresa B. Suponha-se que a denúncia seja inverídica e, ao contrário de sua narrativa, os dois representantes nunca mantiveram contato. Por se tratar de fato negativo e indefinido, é impossível ou excessivamente difícil ao representante da empresa A provar que nunca teve contato com o representante da empresa B. Em um caso como esse, o ônus da comprovação deve caber ao denunciante ou ao corpo instrutivo do Tribunal de Contas (caso este, ao receber a denúncia, verifique que a mesma preencha os requisitos de admissibilidade). E se não lograrem êxito em produzir tal prova, a denúncia deve ser rejeitada.

Pode-se concluir que a possibilidade de flexibilização do ônus da prova nos processos administrativos do Tribunal de Contas, sempre que o caso concreto assim exigir, por conta de suas particularidades, tem o condão de tornar o processo mais justo e efetivo, evitando-se desigualdades. Representa, por isso, importante instrumento de que o órgão julgador e os interessados podem se valer com vistas à garantia da isonomia processual.

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1 Sobre as diferenças entre distribuição estática e dinâmica do ônus probatório, confira-se: “O atual CPC inova ao prever, de forma expressa, a possibilidade de dinamização do ônus da prova. Anteriormente, havia tão somente a previsão da inversão do ônus da prova no art. 6º, VIII, do CDC, o qual era apenas uma via de mão única de facilitação probatória para um grupo restrito de sujeitos e demandas. Na distribuição estática do ônus da prova, cada uma das partes sabe, de antemão, sobre quais espécies de fatos sua atividade probatória deve recair, como também sobre quem recai o risco de não prová-los. A distribuição dinâmica do ônus da prova, por sua vez, significa que o encargo probatório será distribuído tendo em vista as condições probatórias das partes litigantes, conforme o caso concreto. Por conseguinte, dinamizar significa a possibilidade de alterar o ônus estático previsto previamente em lei consoante o direito material e as especificidades do caso. Trata-se de uma forma de efetivar os princípios da cooperação, do acesso à justiça e da adequação, permitindo que os ônus probatórios possam ser modificados em concreto, de forma a não gerar dificuldades excessivas na produção de provas”. (MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi, art. 373. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (Orgs.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 558.

2 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; et al. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 891-892.

3 Nesse sentido, Aldem Johnston Barbosa Araújo, ao defender a aplicação da dinamização do ônus da prova nos processos administrativos, aponta o seguinte: “a aplicação da carga dinâmica da prova em tais feitos deverá ser submetida a inevitáveis adaptações, ante a constatação de que: primeiro, não há partes no processo administrativo (há interessado); segundo, não há um juiz isento e equidistante e; terceiro nem sempre há lide”. (Processo administrativo e o novo CPC: impactos da aplicação supletiva e subsidiária. Curitiba: Juruá, 2017, p; 138).

4 Nesse sentido: “presentes os requisitos, há dever-poder do juiz da distribuição dinâmica, sob pena de violação da norma” (FERREIRA, William Santos. Art. 373. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1411). “A prescrição legal trabalhou como ‘poderá’, no que nos causa estranheza, posto que avalizamos como dever, assim como tivemos a inclusão de várias outras passagens do NCPC de deveres do magistrado. A interpretação judicial não pode ser outra, pois a ratio da norma é o procedimento probatório e, caso o juiz não determine, restará inviabilizada a prova e qual será o papel da teoria da decisão nesse feito?” (GÓES, Gisele Santos Fernandes. Art. 373. In: ALVIM, Angélica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Coords.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 492).

5 Cf. Acórdão 1522/2016-Plenário, j. 15/06/2016, Rel. Benjamin Zymler.

GIUSEPPE GIAMUNDO NETO – Especialista em direito público (infraestrutura, controle e regulação). Mestre em Direito do Estado pela USP e sócio do Giamundo Neto Advogados.

*Para citar este artigo: GIAMUNDO NETO, Giuseppe. Quem não é parte pode acessar processo no Tribunal de Contas? Portal Jota. 01/10/2019. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-possibilidade-de-dinamizacao-do-onus-probatorio-no-tribunal-de-contas-01102019. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Nova orientação jurisprudencial do TCU – Contagem do prazo de duração da declaração de inidoneidade

por Fernanda Leoni

Nos últimos anos, especialmente com a deflagração da “Operação Lava Jato”, o Tribunal de Contas da União, valendo-se da prerrogativa contida no artigo 46, da Lei Federal nº 8.443/1992 (“Lei Orgânica do TCU”), vem instaurando representações para a apuração e declaração de inidoneidade de empresas que tenham participado de certames com suspeita de fraude.

Segundo o texto legal, “verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”, não havendo, ao longo do corpo da norma, ou mesmo em seu Regimento Interno, qualquer outra disposição sobre o tema.

Para evitar dúvidas acerca da aplicação desta sanção, especialmente sobre a cumulação de mais de uma declaração de inidoneidade, no ano de 2012, o TCU instaurou processo administrativo para estudo do tema (TC nº 027.014/2012-6), visando a consolidação do modo com que a Controladoria-Geral da União fazia o registro desta restrição em cadastro de contratações federais.

Sob a relatoria do Ministro Walton Alencar, em sessão realizada no dia 24/02/2016, foi proferido o Acórdão nº 348/2016 – Plenário, por meio do qual foram firmados alguns entendimentos não somente quanto ao prazo da sanção, mas também sobre o seu alcance. A orientação que passava a vigorar pode ser assim sintetizada:

  • Com relação à extensão das sanções impostas pelo TCU, entendeu-se que a declaração de inidoneidade também alcançava as licitações e contratações diretas promovidas por estados e municípios, quando custeadas com recursos oriundos de transferências voluntárias da União, afastando a dúvida sobre a abrangência da parte final do artigo 46, que estabelece que a fraude comprovada deve ocorrer em “licitação na Administração Pública Federal”.
  • A contagem do prazo para o cumprimento da sanção somente se inicia com o “trânsito em julgado” da decisão que a impôs.
  • No caso de ser aplicada mais de uma declaração de inidoneidade à mesma empresa, que podem ter períodos iguais ou diversos, o cumprimento de cada uma delas será sucessivo, e não concomitante. Isso porque, no entendimento do TCU, o cumprimento das sanções de forma concomitante inibiria o caráter retributivo da pena, reduzindo sua eficácia. Desse modo, supondo que a decisão “A”, que impõe a declaração de inidoneidade por um ano, comece a vigorar na data de hoje, eventuais sanções que sobrevenham a esta data se iniciam com o término da primeira pena, evitando que mais de uma sanção seja cumprida ao mesmo tempo.
  • Em todo o caso, independentemente do número de sanções cumuladas, o período total cumprido pela empresa decorrente de sua soma não pode ultrapassar o máximo de cinco anos, por aplicação analógica do artigo 75, do Código Penal, que prevê a unificação das penas. Havendo nova condenação neste período, decorrente de fato posterior ao início da sanção, será realizada nova unificação, a partir da soma do que restava a cumprir da sanção antiga com o período da nova sanção, desprezando-se o período já cumprido. Se a nova condenação for por fato anterior, o total da sanção é lançado no período total, limitado a cinco anos. Em geral, segue-se a regra vigente no Direito Penal.
  • Se após o cumprimento do período total destas sanções sobrevier nova declaração de inidoneidade, esta será considerada punição originária, independentemente de o fato, em si, ter ocorrido antes ou depois do período de execução.

 

Em face do Acórdão nº 348/2016 – Plenário, o Ministério Público de Contas interpôs Pedido de Reexame, buscando reformar, principalmente, o limite máximo de duração da soma das sanções, estabelecido em cinco anos. Para o MPTCU, as declarações de inidoneidade que se cumulassem não deveriam estar limitadas por prazo algum ou, se assim estivessem, que se aplicasse o prazo penal de trinta anos.

O Plenário do TCU, reunido em sessão do último dia 21/11/2018, desta vez sob a relatoria do Ministro Bruno Dantas, proferiu o Acórdão nº 2.702/2018, em que manteve o limite temporal de cinco anos para o cumprimento de sanções cumuladas, com algumas alterações no entendimento anteriormente consolidado.

As sanções cumuladas, que continuam sendo cumpridas de forma sucessiva, agora têm como marco o respectivo trânsito em julgado. De qualquer forma, para fins de cálculo do limite total de cinco anos, este período é calculado a partir da primeira dentre as várias sanções impostas.

Contudo, altera-se consideravelmente a orientação que vigorava para a prática de nova fraude no curso da execução de uma sanção de inidoneidade. Antes, como ponderado, existiam duas regras distintas para a superveniência da infração, que tinha formas igualmente distintas de cálculo e início, a depender da data do ilícito (se antes ou depois da imposição da primeira pena).

Agora, havendo nova fraude no curso da execução, a contagem do limite de cinco anos será reiniciada da data deste novo ilícito (e não do trânsito em julgado da decisão), desprezando-se todo o período já cumprido e realizando-se nova unificação. Na prática, portanto, as sanções cumuladas poderão superar o período de cinco anos, a partir desta interpretação menos rígida da própria orientação do Tribunal.

TCE-SP determina a revisão de edital da CPTM para supervisão de obras em nova estação

A existência de obscuridades em edital de concorrência para supervisão de obras da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) fez o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo mandar a empresa reformular o documento.

O edital envolve a prestação de serviços técnicos especializados de engenharia para supervisão de obras da nova estação de trens Francisco Morato, da Linha 7-Rubi da CPTM. Em fevereiro, a licitação já havia sido suspensa liminarmente por determinação do TCE.

A decisão atende duas representações que questionaram o edital. Uma delas foi proposta pelo escritório Giamundo Neto Advogados, representado por Camillo Giamundo e Gabriela Soeltl. Nela, os advogados contestaram o critério de julgamento das propostas, que davam margem à subjetividade na atribuição de notas e escolha dos licitantes. Além disso, apontaram obscuridade no orçamento estimativo da obra.

Ao julgar o mérito das representações, o TCE confirmou a falta de clareza no orçamento. De acordo com o relator, conselheiro Dimas Eduardo Ramalho, é imprescindível ao prosseguimento da licitação segmentar o orçamento estimativo, apontando o valor dos custos dos serviços de supervisão referente a cada obra. Segundo o TCE-SP, a individualização elimina riscos de possíveis pagamentos em descompasso a efetiva prestação dos serviços.

O TCE também reconheceu que precisa ser revisto o critério de avaliação da proposta técnica, pois o texto atual abre margem para subjetividade. “Carece o edital de definição precisa e objetiva que possibilite estabelecer o que se considera uma exposição Boa (3 pontos – Conhecimento suficiente) ou Excelente (5 pontos – Conhecimento profundo), à título exemplificativo, devendo ser empregada necessária objetividade nos respectivos critérios de avaliação”, explica o relator.

Nova estação
No dia 16 de novembro de 2017, o ex-governador Geraldo Alckmin assinou o contrato para a construção da estação Francisco Morato, na Linha 7-Rubi. O consórcio vencedor foi o Spavias-Telar pelo valor de R$ 114,9 milhões. O prazo de execução é de 36 meses, contados a partir de ordem de serviço, mais um ano de operação assistida.

A licitação paralisada pelo TCE-SP, com valor de mais de R$ 22 milhões, definiria a empresa responsável pela supervisão dessas obras.

 

Matéria de autoria de Tadeu Rover, originalmente publicada em 14.05.2018 no site CONJUR: https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/tce-sp-manda-cptm-refazer-edital-supervisao-obras

TCU reconhece a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos em razão de variações cambiais

Em 05.07.2017, por meio do Acórdão 1.431/2017, sob relatoria do Ministro Vital do Rêgo, o Tribunal de Contas da União decidiu sobre a possibilidade do reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos em razão de variações cambiais, estabelecendo novos parâmetros e definições, especificamente nos casos de contratos que tenham por objeto principal a prestação de serviços executados no Brasil, com a característica de importação de bem ou serviço.

Em tal decisão, o TCU reconhece que a variação cambial inesperada e significativa pode ser suficiente para ensejar eventual reequilíbrio econômico-financeiro do contrato firmado, com a limitação de que tal procedimento se dê exclusivamente em relação aos insumos humanos e materiais adquiridos na localidade de prestação dos serviços. O reequilíbrio, no entanto, não deve alcançar itens da planilha de custos do contrato precificados a partir de índices ou percentuais sobre outros itens da planilha de custo (a exemplo da taxa de administração) que incidam sobre os serviços executados e bens fornecidos no exterior.

De acordo com o Relator, o entendimento de que a variação do câmbio pode ser considerada um fato apto a ocasionar uma recomposição nos contratos deve seguir as seguintes premissas:

  • constituir-se em um fato com consequências incalculáveis, ou seja, cujas consequências não sejam passíveis de previsão pelo gestor médio quando da vinculação contratual,
  • ocasionar um rompimento severo na equação econômico-financeira impondo onerosidade excessiva a uma das partes. Para tanto, a variação cambial deve fugir à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante; e
  • não basta que o contrato se torne oneroso, a elevação nos custos deve retardar ou impedir a execução do ajustado, como prevê o art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993.

 

O entendimento em questão, representando uma nova linha de análise e interpretação dos riscos contratuais, poderá ser um novo paradigma do Tribunal de Contas em outros contratos firmados com base em moeda corrente estrangeira.

Tribunais de Contas e a questão do adiantamento do cronograma de obras

por Luiz Felipe Graziano
No âmbito de recentes Tomadas de Contas, chamou a atenção o fato de que os órgãos técnicos de diferentes Tribunais de Contas Estaduais entenderam existir antecipação de pagamento por parte da Administração Pública no caso de desembolsos relativos a boletins de medição cujos critérios de aferição dos serviços prestados foram alterados, não mais refletindo o que estava originalmente posto nos respectivos editais prévios à contratação, alegando, portanto, violação ao princípio da vinculação ao edital e das disposições orçamentárias relativas ao pagamento e liquidação de despesas públicas contidas na Lei 4.320/64.

São vários argumentos contrários a essa alegação dos tribunais de contas, dos quais destacamos os seguintes: (i) diferença entre forma de pagamento e condição de pagamento; (ii) diferença entre antecipação de pagamento e antecipação do cronograma físico-financeiro; (iii) a natural mutabilidade dos contratos administrativos, obedecidos os requisitos legais; dentre outros.

Para o primeiro ponto, trata-se de observar o que exatamente o que ocorre em cada caso concreto: de fato, a alteração nos critérios de aferição dos serviços prestados não altera qualquer meio ou modo de pagamento, mas tão somente a forma de apuração do quantum devido pelo Administração. Geralmente, a alteração é aprovada pelos entes contratantes sob a ressalva de que o valor total desembolsado para o item em questão não poderá ser ultrapassado, o que nos leva ao segundo ponto mencionado acima.

A antecipação de pagamento equivale a uma situação excepcional, a fim de mitigar determinado ônus ou viabilizar a futura execução, pois implicará no pagamento pela Administração sem a prestação do serviço ou fornecimento pelo particular contratado, daí a antecipação. É diferente, portanto, da antecipação do cronograma físico-financeiro, a qual pode ocorrer mediante a decomposição de itens ou alteração na ordem de suas etapas, mediante circunstâncias extraordinárias devidamente justificadas (como, aliás, permite o Tribunal de Contas da União), mas cujo pagamento estará condicionado à prévia contraprestação do serviço ou fornecimento pertinente ao item assim antecipado ou decomposto. Para este último, é evidente que não há necessidade de qualquer previsão no edital, bastando a mera justificativa mediante apuração circunstanciada.

Por fim, a insistência no dogma da existência prévia das disposições no edital faz tábula rasa da própria Lei de Licitações e da mutabilidade dos contratos administrativos. A alteração contratual é prevista no artigo 65 da Lei 8.666/93 e pode ser unilateral ou consensual, sendo importante instrumento de viabilidade dos contratos. Trata-se, portanto, de garantir verdadeira concretude ao princípio da eficiência, este também um princípio constitucional e igualmente aplicável à Administração Pública, tanto quanto o princípio da legalidade, por exemplo.